Nascido na cidade de Siaulial, em 1964, Sharunas Bartas é um cineasta lituano cuja obra reflete, com perturbante dramatismo, a história do seu país, por vezes com ecos visceralmente europeus - lembremos o notável Frost/Geada, sobre a assistência humanitária à região do Donbas, revelado em Cannes, na Quinzena dos Realizadores de 2017. Reencontramos agora o seu trabalho através de um filme enigmático e envolvente, projetando-nos em paisagens inesperadas: Laguna documenta uma viagem do realizador, acompanhado pela filha Una, a uma região de águas serenas e exuberante vegetação em torno de uma aldeia esquecida na costa mexicana do Oceano Pacífico.Não é, longe disso, uma visita turística, nem sequer uma prospeção social ou etnográfica. Assistimos a uma odisseia interior, tecida de dor e catarse, que acaba por funcionar como um depurado trabalho de luto. Pai e filha estão, afinal, a percorrer memórias da falecida Ina Marija, filha mais velha de Sharunas - a sua morte prematura deixou-lhes aqueles lugares e as suas gentes como uma verdadeira herança afetiva, já que Ina Marija tinha eleito a zona agora percorrida por Sharunas e Una como a materialização da sua ideia de paraíso.Apesar da dimensão pessoal desta experiência, afinal uma saga de redescoberta emocional, reencontramos aqui algumas das componentes vitais do universo narrativo de Sharunas, por certo um dos autores mais originais da produção europeia das últimas décadas - vale a pena lembrar que começámos a descobri-lo nos ecrãs portugueses através de Três Dias, filme vencedor da Semana dos Realizadores, organizada por Augusto M. Seabra, no Fantasporto de 1992.A primeira dessas componentes é, obviamente, o valor material e simbólico dos elementos paisagísticos. Não apenas através da exuberância figurativa de tais elementos (a noção de paraíso paira como um assombramento feliz), mas também como espelho inusitado da própria verdade humana. Dir-se-ia que Sharunas encara a possível descrição documental como um primeiro passo para expor algo que pertence ao mundo invisível dos desejos e utopias dos seres humanos - os diálogos entre Sharunas e Una, mesmo quando lidam com sinais aparentemente banais do quotidiano, são, afinal, exercícios de aproximação dessa invisibilidade.Não admira que Laguna seja um filme alheio às matrizes tradicionais em que cada cena surge como “consequência” daquilo que aconteceu na cena anterior. Em boa verdade, Sharunas procura organizar uma espécie de bloco de notas cinematográfico em que os enigmas humanos estão expostos de modo não linear e, por fim, poético.