Premiado no Festival de Cannes deste ano com a distinção de Melhor Realização na secção Un Certain Regard, já está em cartaz nos cinemas portugueses o novo filme de Arab e Tarzan Nasser, Era uma vez em Gaza. Anos depois de Gaza, meu amor, os irmãos regressam com esta fábula à Tarantino, que, coincidentemente, chega aos cinemas pouco menos de uma semana após o acordo de cessar-fogo entre Israel e o Hamas. Filmado na Jordânia, o filme leva-nos de volta a Gaza em 2007 - uma data que, contam os realizadores, não foi escolhida por acaso.“Foi o ano a seguir à vitória do Hamas nas eleições legislativas - um resultado que a comunidade internacional se recusou a aceitar, desencadeando assim o bloqueio militar, político e económico. Israel designou Gaza como uma entidade hostil e implementou este bloqueio sufocante e desumano que afeta mais de dois milhões de pessoas”, lê-se numa entrevista dos realizadores reproduzida pela Ukbar Filmes, produtora portuguesa da película. “Escolhemos este ano porque representa este ponto de inflexão brutal - o início de um capítulo sombrio de isolamento, crise e guerras cujas consequências devastadoras estão agora a ser sentidas com mais severidade do que nunca.”A longa-metragem de 90 minutos acompanha a história de Yahya (Nader Abd Alhay), um jovem palestiniano solitário que encontra em Osama (Majd Eid) uma peculiar amizade. Os dois trabalham juntos no restaurante de falafel de Osama, que, por sua vez, passa mais tempo fora do pequeno estabelecimento do que propriamente a preparar sandes como o mais novo.. No personagem interpretado por Majd Eid transparece a ideia de um homem que, ao longo dos seus 40 anos de vida, está constantemente atrás daquele plano que irá transformar o seu mundo. Com Yahya, com quem partilha o passado e dá conselhos para o futuro como se este fosse o seu pupilo, faz das sandes de falafel o que realmente pode transformar - ou salvar - a vida de ambos: o tráfico de droga. Nesta aventura, porém, os bons ventos são breves e a turbulência nada passageira, com a presença de Abou Sami (Ramzi Maqdisi), um polícia corrupto que conhece Osama de outros tempos e que fica no encalço da dupla.Os anos passam, o destino separa os dois amigos e Yahya, que vê sempre negada a sua tentativa de obter o visto para sair de Gaza, acaba, por acaso, por encontrar uma nova profissão. A ler as notícias num café sobre o aperto ao cerco na região por parte de Benjamin Netanyahu, o estudante recém-licenciado é abordado por uma equipa de produção que se prepara para gravar o primeiro filme de ação da história da Palestina e que vê, no personagem de Nader Abd Alhay, o herói nacional da narrativa. Nas cenas em que o filme dentro do filme é mostrado, a projeção nos ecrãs é reduzida, passando do formato 1.85 para o 1.33 - mais associado aos clássicos do cinema..Com uma mescla entre drama, comédia, faroeste e realidade - como a voz inconfundível de Donald Trump a profanar o desejo de transformar a região numa riviera - Era uma vez em Gaza mostra a parte “normal” da vida da região: restaurantes, ministérios (onde os destinos de Yahya e Abou Sami voltam a cruzar-se), farmácias, hospitais e cafés são representados na longa, ao mesmo tempo que se evidencia, inevitavelmente, o aperto da ofensiva israelita.“Pretendíamos apresentar Gaza como ela realmente é - um lugar que tem tudo, mas é privado de tudo. A circunstância única de Gaza, isolada desde 2007, transformou-a num espaço ambíguo, conhecido principalmente através de reportagens e documentários transmitidos pelos media internacionais, que muitas vezes promovem os seus próprios interesses”, dizem os realizadores. “As pessoas em Gaza são incrivelmente resilientes, nunca desistem. Queríamos mostrar o lado ‘normal’ de Gaza. A orla marítima de Gaza, as praias… é como estar em Nice. Sim, os habitantes de Gaza são vítimas, mas detestam estar presos ao papel de vítimas. Têm a sua dignidade”, sublinham.A dignidade e a diversidade do povo palestiniano estão lá, assim como as aflições e incertezas dos protagonistas do novo filme dos Nasser. “Gostava de ir a um lugar que não o restaurante. Porque não vamos à praia?”, pergunta Yahya a Osama numa cena da película. “À praia? As coisas estão complicadas lá fora. Tu fazes o falafel, eu frito e ficamos no restaurante. Estamos bem aqui”, responde Osama, como se se referisse ao mau tempo na rua e não a uma chuva de drones israelitas.Outro aspeto que, há décadas, se tornou normal na vida em Gaza.nuno.tibirica@dn.pt.'Depois da Caçada'. O cinema é também uma arte da palavra.'Partir, Um Dia". A comédia dramática também se canta