Joaquin Phoenix: um xerife em tempos de covid-19.
Joaquin Phoenix: um xerife em tempos de covid-19.

'Eddington'. Um “western” à procura da América

'Eddington', realizado por Ari Aster, tenta reencontrar um certo espírito crítico do “western”, agora adaptado aos tempos do covid-19: a premissa é sugestiva, mas triunfa uma retórica algo simplista.
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Revelado em maio na secção competitiva do Festival de Cannes, Eddington, de Ari Aster, foi apresentado pelo seu autor como um western contemporâneo. O seu empenho no projeto confirma-se pelo facto de ter sido pensado como a sua estreia na longa-metragem (que acabaria por acontecer em 2018, com Hereditário).

Seja como for, o gosto do western está lá, pelo menos numa dimensão simbólica muito rudimentar. Na cidadezinha de Eddington, algures no Novo México, em plena pandemia de covid-19, o destino da comunidade vai decidir-se através do confronto dos dois homens que disputam as eleições para mayor: o xerife Joe Cross e Ted Garcia, o mayor que quer conquistar um novo mandato — são interpretados, respetivamente, por Joaquin Phoenix e Pedro Pascal.

O sugestivo ponto de partida poderia alimentar uma narrativa que não deixa de fazer lembrar uma certa tendência crítica (ou autocrítica) do western das décadas de 1960/70 — o seu começo envolve ainda um clássico da dimensão de John Ford (1894-1973), prolongando-se através de títulos emblemáticos de autores como Sam Peckinpah (1925-1984). Resta saber se a retórica pesadamente “demonstrativa” de um cineasta como Aster pode conseguir algo mais do que um panfleto autocomplacente sobre uma América à deriva no esgotamento da sua própria mitologia.

O título anterior de Aster, Beau Tem Medo (2023), também protagonizado por Phoenix, pode servir de sintoma. Aí descobríamos um homem à deriva, emocionalmente atingido pelo súbito falecimento da mãe, que servia de pretexto para uma linha de ficção que começava num realismo mais ou menos cru para, a pouco e pouco, descambar num fantástico (?) perdido na sua própria caricatura.

Algo de semelhante acontece em Eddington, apesar de o filme tentar não nos fazer esquecer que tudo se passa num mundo cada vez mais enredado na perversão “social” das suas redes. Consequências práticas? O crescendo de violência que arrasta Cross, Garcia e, por fim, toda a comunidade vai anulando a sua intensidade dramática para dar lugar a uma exibição “circense” de cenas cada vez mais arbitrárias, ainda que explorando um visual mais ou menos espetacular.

Fica um ponto a merecer reflexão. De facto, dois filmes recentes suscitaram nos EUA diversas reflexões, mais ou menos interessantes, sobre o “destino” coletivo da própria América: um deles é este Eddington; o outro, há poucos meses, foi o mais recente Superman, dirigido por James Gunn... Fica a dúvida: serão os filmes que tentam alimentar tais reflexões, ou estamos apenas perante um pensamento crítico que passou a considerar o cinema como um fenómeno mediático meramente instrumental?

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