Máscara de bronze de olhos salientes descoberta em Sanxingdui, peça emblemática da cultura do bronze do antigo Reino de Shu, cujo estilo expressivo representa a figura divinizada de membros ou antepassados da família real.
Máscara de bronze de olhos salientes descoberta em Sanxingdui, peça emblemática da cultura do bronze do antigo Reino de Shu, cujo estilo expressivo representa a figura divinizada de membros ou antepassados da família real.

À descoberta do Antigo Shu no sítio arqueológico de Sanxingdui

Com cerca de 4000 anos de antiguidade, Sanxingdui é um importante sítio arqueológico da Idade do Bronze localizado na Província de Sichuan, na China. O local revelou um vasto conjunto de máscaras, estátuas e árvores divinas em bronze, peças que ocupam um lugar singular no panorama das civilizações da Idade do Bronze e prestam testemunho do sistema espiritual único do antigo Reino de Shu.
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No verão de 1986, no sudoeste da China, uma escavação arqueológica em Sanxingdui, Província de Sichuan, revelou uma descoberta surpreendente: uma máscara de bronze de olhos salientes em forma de cilindro, orelhas largas como asas e um leve sorriso enigmático. A expressão e as proporções exageradas sugerem um ser dotado de poderes sobrenaturais. Trata-se de uma das duas maiores máscaras de bronze encontradas no sítio, acreditando-se que poderá representar o deus-rei Cancong, o lendário primeiro soberano do Reino de Shu da Antiguidade. Esta peça, provavelmente colocada num ponto central das cerimónias religiosas, seria um dos objetos sagrados mais importantes deste antigo reino.

Juntamente com a máscara, foram descobertos mais de 1700 artefactos de bronze, jade, cerâmica e laca, que desvendaram o véu de um reino que floresceu há cerca de quatro milénios. Destas peças, mais de 1100 encontram-se hoje no Museu de Sanxingdui. Entre os exemplares mais emblemáticos destaca-se a árvore divina de bronze, composta por três níveis e nove ramos onde repousam nove aves míticas e um dragão que desce em espiral pelo tronco. Considerada a “escada celestial” que ligava o mundo humano e o divino, com 3,96 metros de altura, trata-se da maior peça de bronze alguma vez descoberta na China.

Árvore divina de bronze concebida pelos antigos Shu como meio sagrado  de comunicação entre  o mundo humano e o espiritual.
Árvore divina de bronze concebida pelos antigos Shu como meio sagrado de comunicação entre o mundo humano e o espiritual.

Com 2,62 metros de altura, outro achado notável é a estátua de bronze de um homem de pé segurando com ambas as mãos um espaço vazio diante do peito. Alguns arqueólogos acreditam que empunhava um cetro ou uma presa de marfim, enquanto outros interpretam o gesto como parte de um ritual. Outra peça de destaque é um cetro de 1,42 metros em ouro, revestido com folha de ouro de elevada pureza (95%) e gravado com figuras de peixes, aves e rostos humanos. É um símbolo do poder político e espiritual do antigo Shu.

Segundo os resultados mais recentes da datação por carbono-14, os achados dos oito fossos sacrificiais de Sanxingdui datam de entre 1200 e 1000 a.C., correspondendo ao final da Dinastia Shang. Nessa época, Sanxingdui possuía já uma complexa estrutura urbana com áreas distintas para o palácio, a produção artesanal e as cerimónias religiosas. As muralhas atingiam 40 metros de largura, testemunhando a existência de um poder político autónomo, paralelo ao das dinastias Shang e Zhou. Os indícios arqueológicos mostram que os habitantes dominavam técnicas avançadas de cultivo do arroz, sustentando uma população densa e criando as condições materiais para o florescimento de uma civilização próspera.

Enquanto o Reino de Shu se desenvolvia na bacia superior do Yangtzé, a Dinastia Shang florescia nas planícies do Rio Amarelo, no centro da China, com uma administração centralizada, uma tradição de bronzes rituais e o uso de escrita oracular. Esta cultura é considerada o berço da civilização chinesa. Em comparação, a cultura de Sanxingdui, situada no extremo sudoeste, apresenta traços estéticos e religiosos muito distintos e, até hoje, não se descobriram vestígios de escrita. Ainda assim, as semelhanças entre os bronzes de Sanxingdui e os artefactos rituais Shang sugerem intensas interações entre ambas as regiões.

Figura humana de bronze,  trajada com vestes ornamentadas com motivos de dragões, presumivelmente representando o grande sacerdote do antigo Reino de Shu, encarregado de mediar a relação entre a comunidade e os deuses.
Figura humana de bronze, trajada com vestes ornamentadas com motivos de dragões, presumivelmente representando o grande sacerdote do antigo Reino de Shu, encarregado de mediar a relação entre a comunidade e os deuses.

Entre os artefactos desenterrados em Sanxingdui, figuram numerosas presas de elefante e conchas-moeda, materiais ausentes em Sichuan. As análises de ADN confirmaram que as presas pertenciam a elefantes asiáticos, presumindo-se que tenham chegado através da antiga Rota da Seda do Sul do período pré-Qin, provindo de Yunnan ou até de zonas mais distantes no sul da Ásia. O cetro de ouro, por sua vez, apresenta semelhanças com os bastões de autoridade encontrados na Ásia Ocidental e no Egito, indício de possíveis contactos culturais indiretos com essas civilizações distantes.

O sítio arqueológico de Sanxingdui é a maior antiga capital do Reino de Shu descoberta até hoje no bacia do Yangtzé. A sua revelação confirmou que a cultura de Sanxingdui, tal como a da bacia do Rio Amarelo, integra a matriz da civilização chinesa assente numa unidade na diversidade, oferecendo prova sólida dessa visão civilizacional. Ao mesmo tempo, evidencia a abertura e as interações da antiga cultura Shu com o mundo exterior, refletindo a circulação e a convivência das civilizações humanas nos seus primórdios.

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