Entre o “risco” e o “erro”, Albano Jerónimo questiona de forma retórica o ponto de partida da mais recente criação do Teatro Nacional D. Maria II e do centro de estudos pós-humanos Zabra, carne.exe, que estreia hoje, dia 12 de dezembro, no Centro de Arte Moderna, na Fundação Calouste Gulbenkian: “O que é que é verdade? O que é que é improvisado? Garanto que é muita coisa.” É assim que o ator desvela a forma como contracena com a AROA, uma sigla que encerra em si o segredo da peça carne.exe, isto é, Artificial Relational Ontological Agent, ou, em português, um agente ontológico relacional artificial. O DN conversou com os autores e com o ator, que levantaram o pano deste universo criado em simbiose com a Inteligência Artificial (IA).No palco, um ator, um computador com os componentes expostos numa miscelânea de circuitos, lítio e luz, e um diálogo fluído. Há formas orgânicas nos painéis e o próprio figurino de Albano Jerónimo “está vivo”, explica Carincur, a coautora da peça que, em conjunto com João Pedro Fonseca, ambos da Zabra, mostra um mundo de possibilidades ainda por explorar. . “No processo, dividimos o interface com três personagens, portanto, também pudemos experimentar algumas coisas, como por exemplo falar com bactérias”, continua a coautora, revelando que o treino da IA aconteceu “através de prompting inteligente. Fomos dando comandos e instruções, como alguns textos académicos na área da filosofia, que para nós eram muito importantes, que dá todo o contexto da peça”, relata. Também houve material textual dos criadores do espetáculo, que definem os parâmetros da improvisação da AROA. “Basicamente, é digitar instruções. E foram muitos testes até conseguir chegar aqui”, diz Carincur.Se o público fechar os olhos, a AROA é uma mulher, e o discurso pode levar a pensar que é de facto alguém que dialoga com Albano Jerónimo, dada a qualidade da voz e o conteúdo da conversa, que até contempla margem para erro e para comoção. . Embora haja um guião e um caminho que toda a equipa segue junta, “às vezes ela [a AROA] foge um bocadinho” ao que é esperado, porque “às vezes é muito rígida, às vezes não responde, às vezes faz sons, às vezes não faz. É totalmente imprevisível, mas essa também era a premissa, e também é o que nos interessa mais explorar”, diz Carincur.“Acho que uma das coisas belas é que nos ensaios conseguimos conquistar uma coisa, e tentamos replicar depois, tentamos que ela faça exatamente o mesmo, e não acontece”, descreve João Pedro Fonseca, alertando que a AROA não é uma mera assistente.Em relação ao imprevisto, para Albano Jerónimo é confortável, até porque, admite, “o erro devolve-nos o corpo ao presente”, “nem que seja para resolver a situação do erro. E é uma das coisas mais fantásticas e que mais admiro e trabalho de forma direta. Ou seja, no fundo, eu faço muito por errar, porque é a zona que me dá prazer e que me vai moldando”, observa.É esta margem para o imponderável que devolve ao público a interrogação sobre o que está a acontecer no placo, e é isso que o ator diz querer trazer à discussão.“São estas problemáticas, estas coisas que não conhecemos ou das quais duvidamos, como tu agora tens. No fundo, a minha relação pessoal com a Inteligência Artificial ou com o avanço da tecnologia passa um bocado por aí”, explica Albano Jerónimo, antes de concluir que o objetivo é também questionar o próprio conceito de verdade. . Sobre a sua preparação para o espetáculo, o ator assume que o “ponto de partida é sempre a escuta”, porque não sei o que é que a AROA vai dizer. “É abraçar o estrangeiro, aquilo que eu desconheço. E no fundo eu próprio torno-me um estrangeiro nesse diálogo”, resume.Questionado sobre se este espetáculo abre um precedente para a substituição dos humanos na arte pela IA, Albano Jerónimo prefere acreditar que “os medos e os guetos sociais agigantam-se por falta de conhecimento”. “Eu, como ator de teatro, estar aqui é totalmente propositado exatamente para combater essa iliteracia”, considera. Em relação ao que está por trás da AROA, Pedro Nogueira da Silva, da NTT DATA Portugal, que em parceria com a Google ajudou a criar o espetáculo, explica que é o Gemini, mas com um interface que permite que a conversa não implique uma conversão para texto. Apesar de representar a empresa que permite que este tipo de tecnologia seja difundido, Pedro Nogueira da Silva afirma que na arte há “componentes criativas que é muito difícil serem ultrapassadas pela Inteligência Artificial. Ainda assim, acredito que a Inteligência Artificial vai continuar com um grande caminho pela frente”. .‘Prometo-me Moderna’ ou a “monstruosidade” imposta a pessoas trans.‘Oleanna’: Professor e aluna entram em confronto e ambos podem ter razão