Auto-retrato de George Chinnery (cópia), atribuído a Lamqua (act. 1825-1860, pintor chinês famoso de pinturas para exportação), produzido por volta de 1850, colecção do Museu de Arte de Hong Kong.
Auto-retrato de George Chinnery (cópia), atribuído a Lamqua (act. 1825-1860, pintor chinês famoso de pinturas para exportação), produzido por volta de 1850, colecção do Museu de Arte de Hong Kong.

200 anos da chegada de Chinnery a Macau. O retratista da Macau antiga (I)

Foi em Setembro de 1825 - ou, talvez, até antes - que o artista britânico George Chinnery aportou pela primeira vez em Macau, cidade que viria a chamar de casa nas décadas seguintes e onde acabaria por falecer. Criador profícuo, as suas obras são hoje sinónimo da Macau do século XIX e marcaram toda uma época. Texto de João F. O. Botas*
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Há 200 anos, chegava a Macau George Chinnery (1774-1852), um dos expoentes máximos da arte britânica na primeira metade do século XIX. O pintor tinha, então, 51 anos e estava no auge da carreira, iniciada no Reino Unido, onde nasceu e de onde partiu em 1802, em busca de fortuna - nunca mais regressaria. Depois de cerca de duas décadas na Índia, rumou a Macau em meados de 1825, fugindo dos credores. Foi na cidade no Delta do Rio das Pérolas da China que viveu até à morte, em maio de 1852, com brevíssimas estadias em Cantão e Hong Kong.

No meio século que residiu no Oriente, produziu algumas das suas mais marcantes pinturas e desenhos. Destaca-se a obra criada em Macau, onde viveu 27 anos, o seu período artístico mais prolífico.

Quando a fotografia ainda estava a dar os primeiros passos, foi o lápis e o pincel de Chinnery que captaram a realidade de Macau, como se o artista de um fotojornalista se tratasse, deixando para a posteridade registos únicos em termos artísticos e históricos. Da icónica baía da Praia Grande às igrejas de S. Domingos ou S. Lourenço, passando pelo Largo do Senado e pelo pelourinho - que ficava junto à antiga Igreja da Misericórdia e cuja única referência visual que se conhece foi produzida por Chinnery em 1838 -, o artista britânico é autor de um legado ímpar.

Os seus trabalhos ganham significado adicional pelo facto de muitos dos edifícios e paisagens que desenhou em Macau terem hoje desaparecido. Por exemplo, é autor de uma representação da torre sineira da igreja do Colégio da Madre de Deus da Companhia de Jesus, conhecida por Igreja de S. Paulo - um registo raríssimo feito em 1834.

A 31 de Janeiro de 1835, poucos dias depois do fatídico incêndio que destruiu o complexo, Chinnery registou em desenho os efeitos do fogo. O próprio escreveu a data no esboço, como era seu hábito. Para além da fachada das agora denominadas Ruínas de S. Paulo, os seus traços revelam que ainda ficaram de pé algumas estruturas edificadas em pedra, podendo ver-se parte do altar da igreja.

Talento nato

Chinnery nasceu em Londres a 5 de janeiro de 1774, no seio de uma família abastada, e cedo revelou a sua paixão pela arte. Matriculou-se nas Escolas da Academia Real, ou Royal Academy Schools, em 1791, e, passados três anos, já tinha obras em exposição na conceituada instituição. Em 1797, foi convidado para se fixar na Irlanda, fazendo sobretudo retratos. Em Dublin, participou em inúmeras exposições, incluindo nas salas do parlamento local.

“Sampana e Tancares de Macau”, desenho de George Chinnery, a pena a tinta castanha e aguarela sobre papel, data de produção desconhecida, colecção do Museu de Arte de Macau.
“Sampana e Tancares de Macau”, desenho de George Chinnery, a pena a tinta castanha e aguarela sobre papel, data de produção desconhecida, colecção do Museu de Arte de Macau.

Em 1799, Chinnery casa com Marianne Vigne, mas, pouco depois, em 1802, muda-se para a Índia, sozinho, atraído pela promessa de oportunidades artísticas e uma atmosfera social mais relaxada, em comparação com a rígida sociedade britânica da época. Apadrinhado pela poderosa Companhia Britânica das Índias Orientais, estabelece-se inicialmente em Madras - actual Chennai - como retratista da elite inglesa local, a sua fonte de rendimentos, embora também o atraísse a paisagem indiana, que desenhou e pintou de forma sublime. Aos poucos, vai construindo um estilo caracterizado pelo detalhe dos esboços a lápis, depois transpostos para obras a aguarela ou óleo marcadas pelas cores vibrantes - influência da arte indiana - e composições dinâmicas.

O talento artístico era inversamente proporcional ao apreço pelas regras da vida mundana e foram muitos os reveses causados pelas dívidas acumuladas. Tinha sido já por isso que, em 1821, foi viver para o estabelecimento dinamarquês de Serampore, em Bengala Ocidental, onde não se aplicava a lei civil britânica. A fuga aos credores será novamente uma das razões que o levam a partir rumo a Macau.

Os retratos, da elite ocidental e chinesa residente no Delta do Rio das Pérolas, serão novamente a principal origem do sustento de Chinnery em Macau, onde irá beber influências da pintura chinesa e deixar um legado de excelência. No entanto, será a paisagem física e humana, bem como as cenas do quotidiano, que mais o vão cativar - e ajudar a colocar o nome na história da arte. (continua)

* Jornalista, autor de vários livros sobre a história de Macau e criador do blogue Macau Antigo (macauantigo.blogspot.com)

O texto desta página é extraído da REPORTAGEM da Secção de Arte & Cultura, publicada na Revista Macau, em Junho de 2025.

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