Xi Jinping terminou ontem uma visita surpresa ao Tibete, a primeira de um presidente chinês em mais de três décadas. Isto numa altura em que se assinalam os 70 anos do que Pequim apelida de "libertação pacífica" da região, que os tibetanos rejeitam. Apesar da agenda preenchida ao longo de dois dias e de a China estar a passar por cheias catastróficas, os media oficiais só deram conta da viagem - que incluiu recados para a Índia - já esta tinha acabado. Para o governo tibetano no exílio, o secretismo mostra que o Tibete ainda é importante para o governo chinês e revela o desejo do presidente de mostrar que tudo está bem, ignorando as aspirações do povo tibetano..Há quase dez anos no poder, Xi Jinping foi o primeiro chefe de Estado chinês desde Jiang Zemin, em 1990, a visitar a região autónoma do Tibete. Mas esta não foi a sua primeira visita. Em 2011, quando ainda era vice-presidente, já tinha estado na capital, Lassa, em Nyingchi e Shigatse, então para o 60.º aniversário da "libertação pacífica do Tibete", que estabeleceu a soberania chinesa sobre a região..Esta visita, que decorreu entre quarta e sexta-feira, só foi anunciada nos media oficiais chineses depois de estar concluída - apesar de vídeos de Xi a passear por Lassa terem sido divulgados nas redes sociais antes. Segundo a agência oficial Xinhua, o presidente "foi calorosamente recebido por locais e oficiais de vários grupos étnicos" à chegada ao aeroporto de Nyingchi, junto à fronteira com a Índia, na quarta-feira, tendo depois visitado vários locais, "inspecionando os esforços de desenvolvimento, vitalização rural e de construção de parques", assim como de "preservação ecológica" da bacia do rio Yarlung Zangbo. Mais a jusante é onde pretende construir aquela que pode ser a maior barragem do mundo e que pode trazer problemas para a Índia e o Bangladesh, para onde as águas do rio correm..Na quinta-feira, o presidente viajou de comboio até à capital, usando a primeira linha férrea eletrificada da região, que entrou em funcionamento em junho e é parte do projeto mais alargado de ligação ferroviária entre o Tibete e Sichuan. Já em Lassa, Xi visitou o mosteiro Drepung, sendo que Pequim tem sido acusada de aumentar o controlo sobre os mosteiros budistas e de expandir a educação em língua chinesa, procurando reprimir a liberdade religiosa e cultural. A China nega-o. O presidente esteve ainda na rua comercial de Barkhor e na praça pública que fica aos pés do Palácio Potala, antiga residência de inverno dos Dalai Lama..O motivo da visita foi contudo assinalar os 70 anos do Acordo de 17 Pontos para a Libertação Pacífica do Tibete, assinado a 23 de maio de 1951. Este estabeleceu a soberania chinesa sobre a região, que tinha sido invadida e ocupada pelas tropas comunistas em 1950. Mas o governo tibetano no exílio diz ter sido assinado sob pressão e, por isso, inválido. Durante a rebelião de 1959, o atual Dalai Lama, Tenzin Gyatso, fugiu para a Índia, a partir de onde liderou o governo no exílio até que, em 2011, abdicou de ter um papel político e manteve-se apenas como líder espiritual dos tibetanos. Pequim acusa-o de tentar separar o Tibete da China..Na sua visita, "Xi disse que nos últimos 70 anos o Tibete fez avanços históricos no sistema social e alcançou um desenvolvimento económico e social pleno, com uma melhoria significativa dos padrões de vida das pessoas", segundo relatou a Xinhua. De acordo com estatísticas locais, desde 2008 (data dos últimos grandes protestos e repressão no Tibete), a China reforçou o investimento, fazendo do Tibete uma das regiões de mais rápido crescimento económico.."Ficou provado que sem o Partido Comunista da China [PCC] não haveria nem uma nova China nem um novo Tibete", afirmou o presidente. "As diretrizes e políticas do Comité Central do PCC referentes ao Tibete funcionam e estão completamente corretas", acrescentou, pedindo aos tibetanos que "sigam o partido". No discurso que fez junto ao Palácio Potala, terá apelado aos quadros locais do PCC para que consolidem a fundação de uma educação patriótica e "antisseparatista", defendendo que devem "aumentar a identificação de todos os grupos étnicos com a grande pátria", de acordo com a televisão estatal..Segundo a Campanha Internacional pelo Tibete, com sede em Washington, em Lassa havia relatos de atividades fora do comum e uma maior monitorização dos movimentos das pessoas - incluindo receber telefonemas de oficiais de segurança sem razão aparente - o que fazia prever a visita de alguém importante. Mas ninguém esperava ver o próprio Xi.."A visita do presidente chinês é um sinal de que o Tibete continuar a ser um tema importante na política chinesa, tendo em conta que a visita está ligada ao 70.º aniversário da falsa "libertação pacífica do Tibete"", indicou o grupo de pressão, lembrando que havia cheias graves na província de Henan que Xi ignorou. "Contudo, a forma como a visita foi organizada e a completa ausência de uma cobertura imediata dos media estatais indicam que o Tibete continua a ser um assunto sensível e que as autoridades chinesas não têm confiança na sua legitimidade entre o povo tibetano.".O governo no exílio, liderado por Penpa Tsering, continua a defender o retomar do diálogo com Pequim..Na visita, Xi Jinping apelou "aos povos de todas as etnias a estabelecer raízes junto à fronteira e defender o território nacional". Um recado para a Índia, cerca de um ano depois dos confrontos junto à fronteira em Ladakh, após meses de tensão que resultaram na morte de pelo menos 20 soldados indianos e quatro chineses. Isto numa altura em que, apesar de haver diálogo entre Pequim e Nova Deli, continua a aumentar a pressão militar de ambos os lados da fronteira de mais de três mil quilómetros entre as duas potências nucleares..No início do mês, o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, fez questão de revelar que tinha telefonado ao Dalai Lama para lhe desejar pessoalmente os parabéns e uma "longa e saudável vida". Um gesto de desafio para com a China, que normalmente critica qualquer apoio público ao Dalai Lama, precisamente numa altura de tensão militar entre os dois países..susana.f.salvador@dn.pt