Amiga do ambiente, versátil e 100% natural são, por norma, os três principais argumentos na defesa da indústria corticeira, mundialmente liderada por Portugal. O país tem uma quota de mercado a rondar os 65%, de acordo com a APCOR - Associação Portuguesa de Cortiça, e não é, por isso, de estranhar que a mais recente tecnologia transformadora do setor tenha nascido em território nacional..A equipa liderada pelo professor catedrático Orlando Teodoro, do Centro de Física e Investigação Tecnológica (CEFITEC) da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Lisboa, criou um processo inovador que permite eliminar o TCA (tricloroanisole) responsável pela contaminação do vinho quando absorvido pela rolha de cortiça - em gíria popular, o sabor a rolha. "Tanto quanto conheço das tecnologias que são usadas, este processo é de longe o mais eficaz", explica o investigador ao DN..Para a indústria, este é um processo considerado revolucionário, já que permite garantir a elevada qualidade das rolhas produzidas e reduzir as perdas associadas à contaminação por TCA para os produtores vínicos. "A qualidade da cortiça é, em grande parte, determinada pela garantia que é dada sobre a ausência do TCA", diz, realçando que este é um "determinante fator de competitividade" para o setor. Aliás, com este novo método, Orlando Teodoro acredita que a indústria ganha novos argumentos para contrariar a tendência, em países como os EUA ou o Reino Unido, de trocar as rolhas de cortiça por vedantes alternativos para evitar a contaminação. "Muitos produtores de vinho não queriam entregar à rolha a componente mais barata do processo produtivo, a determinação da qualidade de um vinho caro, e preferiram arranjar alternativas", esclarece..Destaquedestaque"Este processo não faz uso de solventes nem de aditivos. É um processo seco que explora o ponto fraco da ligação da TCA à cortiça".Foi graças a este potencial de aplicação real da tecnologia que o CEFITEC conseguiu estabelecer uma parceria com a Amorim Cork, a maior empresa da indústria em todo o mundo, para o desenvolvimento de uma investigação que fermenta há mais de dez anos. Após os primeiros contactos com o tema, o professor catedrático, licenciado e doutorado em Engenharia Física, procurou criar um equipamento que permitisse detetar o TCA, antes de encontrar a solução num método mais simples e eficaz: processar toda a cortiça da linha de produção e eliminar essa componente química.."Este processo não faz uso de solventes nem de aditivos, é um processo seco que explora o ponto fraco da ligação do TCA à cortiça e consegue fornecer ao sistema a energia suficiente para que o TCA se liberte da cortiça", explica ao DN. O passo seguinte seria encontrar uma forma economicamente viável de industrializar a metodologia, de maneira a poder ser adotado pela empresa parceira..Ao longo de todo o processo de investigação, que Orlando Teodoro estima ter custado "largas centenas de milhares de euros", a Amorim Cork financiou diferentes fases do estudo e alocou recursos humanos à equipa liderada pelo professor da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa (FCT NOVA). "A industrialização seguiu e a Amorim anunciou que a sua produção de rolhas naturais está agora sujeita a este processo. Introduziram, penso, mais de vinte máquinas com capacidade de produzir cerca de 700 milhões de rolhas naturais por ano", conta. Com a nova tecnologia patenteada pela NOVA School of Science and Technology/FCT, a que pertence o CEFITEC, e agora licenciada à corticeira, será possível reduzir custos e aumentar o valor das rolhas vendidas ao setor dos vinhos..Apesar de internacionalmente reconhecido pela qualidade do ensino e dos profissionais que produz, Portugal continua a enfrentar dificuldades no que respeita ao financiamento de projetos de investigação nas mais diversas áreas. A Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) é responsável, a par com os fundos comunitários, por grande parte das bolsas atribuídas, assumindo o setor privado um papel importante no fomento de novas investigações científicas. Só em 2020, a FCT NOVA angariou 17 milhões de euros em projetos de investigação, tendo atualmente cerca de mil investigadores ao seu serviço. .Orlando Teodoro conta que sempre teve "gosto em ser engenheiro" e assistir à aplicação real do seu trabalho, um dos motivos que o levaram a optar pela investigação no CEFITEC, da FCT NOVA, que presta serviços especializados à indústria. Apesar do sucesso alcançado com o processo inovador patenteado, Orlando Teodoro diz que a investigação ainda não está terminada. "Temos agora uma solução industrial, mas continuamos a produzir conhecimento para consolidar este assunto e compreender melhor este processo", afirma, não excluindo a possibilidade de "refinar o método ou, quem sabe, encontrar alternativas no futuro".