É muito provável que, nas últimas horas, alguém lhe tenha feito chegar uma mensagem alarmista por telemóvel. Entre as 19.30 de dia 12 de março e as 00.00 do dia 13, o MediaLab, do ISCTE, recebeu 179 exemplos no primeiro dia da sua campanha de identificação da desinformação associada ao covid-19 no WhatsApp..Nestas informações falsas, postas a circular maioritariamente através de ficheiros áudio, destacam-se três tipos de notícias falsas que pretendem criar um alarme social acrescido. Exemplos dessas mentiras: já há várias mortes que estão a ser "encobertas" pelas autoridades; vai ser decretada quarentena a partir de 13, 14 ou 15 de março por todo o país, com o fecho dos estabelecimentos comerciais e a ausência de mantimentos; as autoridades têm conhecimento de um número muito maior de infetados do que o divulgado à imprensa. Todas estas mensagens são, comprovadamente, falsas..O MediaLab explica que "estas narrativas falsas são na sua maioria validadas através da introdução de figuras de destaque na sociedade portuguesa como fontes dessa informação desconhecida do público: médicos, dirigentes ou funcionários hospitalares; filhos de figuras da política, da televisão ou dirigentes de grandes empresas.".Duas mensagens de voz, de uma suposta médica portuguesa, estão a circular por vários grupos criados no WhatsApp, e são rapidamente replicadas pelas pessoas que as ouvem. Nesses ficheiros de som, a voz garante que "o estado de alarme é enorme" e descreve várias mortes (que não aconteceram, como é possível confirmar pelas fontes oficiais). "Hoje já morreu um senhor no Curry Cabral", garante. Mais à frente acrescenta um novo caso: "Ontem morreu um senhor na Margem Sul." A conclusão de uma das mensagens é essa: "O meu alarmismo vem do que está a passar, de estar a ver as pessoas a morrer.".Quem ouve esta mensagem pode ficar com dúvidas. Será que há alguma informação que está a ser escondida? Por isso, estes depoimentos de uma alegada médica que garante que já lidou com várias mortes espalharam-se depressa, pelo menos desde quarta-feira..E esse deve ser o ponto de partida para o ceticismo necessário de quem recebe mensagens destas: se na quarta-feira tivessem morrido em Portugal doentes com covid-19, essa informação não podia ser escondida. As famílias e os serviços hospitalares saberiam obrigatoriamente. Ou seja, por muito que houvesse uma tentativa "conspirativa" de silenciar essa informação, ela seria ineficaz, três dias depois..Por isso, a melhor defesa que todos temos, numa crise de saúde como esta, é a escolha que fazemos da informação. Entre os dados que recolhemos encontram-se centenas de mensagens destas, que foram distribuídas e estão a ser analisadas pela equipa do MediaLab, pelo DN e por um conjunto de voluntários que se disponibilizaram para fazer parte deste trabalho, dado o volume da desinformação detetada. Algumas pretendem convencer-nos de que a crise foi fabricada por razões económicas, outras pretendem apenas lançar o pânico. Nada disto é novo. Em Itália aconteceu precisamente o mesmo..Por isso propomos três sugestões para que estas campanhas de medo nas redes sociais não apanhem ninguém desprevenido..1 - Desconfie Mesmo que a gravação de voz, ou um "testemunho" qualquer, que chegou ao seu telemóvel pareça genuína (a voz, a entoação, os termos que usa), e o que diz pareça sério, há sempre várias perguntas que devemos fazer. Como é que sei que aquela pessoa é, de facto, uma médica? Como posso confirmar que aquilo é verdade? Se não conseguir responder a nenhuma destas perguntas, desconfie. Sempre que ouvir, numa dessas mensagens, que "a informação não está a passar" porque estão a censurar as más notícias, duvide. As más notícias costumam ser rápidas, seja qual for o desejo de quem as quer censurar..2 - Procure fontes oficiais, nunca anónimas Num caso de saúde pública não podemos confiar em pessoas que não conhecemos e que nunca poderemos identificar. Se alguém nos disser, numa mensagem de voz no WhatsApp, que pode curar o covid-19 com um produto qualquer que essa pessoa inventou, não arriscaremos a nossa vida nessa experiência. O mesmo cuidado devemos ter com outras mensagens desse tipo. Há dezenas de fontes identificáveis oficiais (como a OMS, a DGS, os hospitais), informativas (jornais, TV, rádios e sites informativos onde trabalham jornalistas) ou académicas..3 - Não alimente a "máquina" das mentiras A preocupação e a ansiedade são naturais durante uma crise de saúde, que obriga milhões de pessoas no mundo todo a limitar os seus contactos sociais e os seus movimentos. Mas alimentar uma rede escondida de fabricadores de mentiras (seja por diversão, interesse político ou financeiro) não ajuda ninguém. Replicar estas mensagens alarmistas e falsas não tem outro efeito senão lançar o pânico e alimentar o medo. É isso que gera problemas ainda maiores e bem reais: escassez de alimentos nos supermercados, falta de álcool nas farmácias... Se não enviar essa mensagem a mais ninguém, a cadeia quebra-se.