Tancos. Ex-ministro soube da operação ilegal da PJM no próprio dia
Ouvido esta terça-feira na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) ao furto em Tancos, o ex-ministro da Defesa, José Azeredo Lopes, admitiu que soube no próprio dia da recuperação do material de guerra que a operação da Polícia Judiciária Militar (PJM) tinha sido feita à margem da lei, sem o conhecimento do Ministério Público (MP).
Azeredo Lopes confirmou assim o que já tinha sido relatado na CPI pela ex-Procuradora-Geral da República, Joana Marques Vidal, segundo a qual no dia 18 de outubro de 2017 - quando o material "apareceu" na Chamusca - contactou telefonicamente o ministro para o informar da ilegalidade da operação, tendo em conta que a investigação estava a cargo da PJ civil e esta nem sequer tinha sido informada, nem tão pouco o DCIAP, titular do inquérito.
Questionado sobre que medidas tinha tomado, Azeredo Lopes afirmou que, quando Joana Marques Vidal lhe disse o que se passara, não teve "dúvidas nenhumas" que "tinha havido uma violação de deveres funcionais por parte da PJM" e que "era inevitável um procedimento disciplinar".
Contudo, sublinhou, "a Procuradora-Geral teve um entendimento diferente, pedindo para não dar seguimento a esse processo, pois iria ser aberto um inquérito-crime, com base numa denúncia anónima sobre as reais circunstâncias do recuperação do material".
O ex-ministro da Defesa corroborou também o que já tinha dito o seu ex-chefe de gabinete, tenente-general Martins Pereira, sobre o "memorando" entregue no seu gabinete, dia 20 de outubro (dois dias depois da recuperação do material), pelo então diretor da PJM, coronel Luís Vieira, e pelo ex-porta-voz desta polícia, no qual se dava conta da operação ilegal da PJM.
Este "documento apócrifo, não um memorando" (expressão de Azeredo), que o ministro não tem "memória de ter lido", diz claramente que a PJM negociou com um "informador" (que era um dos suspeitos do furto) e que, em troca de recuperar o material, não comunicaria à PJ nem revelaria a sua identidade.
Azeredo garantiu que Martins Pereira lhe fez apenas "um resumo do que achou essencial" nesse memorando, e que se limitou a descrever a existência do informador e de ter sido encenada uma chamada anónima, de forma a proteger a sua identidade, para revelar localização do material.
Pressionado por vários deputados sobre se tinha dado logo conhecimento ao primeiro-ministro da ilegalidade cometida pela PJM, Azeredo Lopes garantiu que não. Na verdade, tal como recordou o deputado do CDS Telmo Correia, no dia 20 de outubro, António Costa felicitou a PJM e a GNR sobre a operação. Para os centristas a "gestão política" deste caso merece por isso todas as críticas.
Azeredo Lopes esclareceu que não informou Costa porque entendeu ser "um conhecimento lateral face às circunstâncias do momento" - os trágicos incêndios de 15 de outubro, a demissão da ministra da Administração Interna e um Conselho de Ministros Extraordinário nesse fim de semana, recordou o ministro.
Azeredo Lopes saiu do governo a 12 de outubro 2018 e na sua carta de demissão reafirmou não ter conhecimento "direto ou indireto sobre uma operação em que o encobrimento se terá destinado a proteger o, ou um dos, autores do furto" em Tancos.
Afirmou ao deputados que só nesse dia leu o documento. "Não tenho memória de alguma vez ter antes visto fisicamente esse documento. Li-o em momento posterior ou em momento simultâneo à minha demissão. Fiquei confortado, porque considero que o meu chefe de gabinete, no contexto em que recebe a informação, me transmite o essencial do que era importante que eu conhecesse", disse Azeredo Lopes,
Segundo testemunhou esta manhã o chefe de gabinete do primeiro-ministro, neste dia 12 o ex-ministro da Defesa reuniu com o primeiro-ministro António Costa e nessa altura ambos estavam na posse do memorando que descrevia a operação de recuperação do material furtado, levada a cabo pela PJM à margem da lei.
Este memorando, segundo já afirmaram à comissão o ex-chefe de gabinete de Azeredo Lopes, o ex-diretor da PJM, coronel Luís Vieira, e o ex-porta-voz e responsável pela investigação da PJM, major Vasco Brazão, foi entregue no ministério da Defesa dois dias depois da recuperação do material, a 20 de outubro de 2017.