Caso Tancos. Documento da PJM envolve Rovisco Duarte
O general Rovisco Duarte proibiu a entrada da PJ no Campo Militar de Santa Margarida (CMSM) no dia em que apareceram as armas furtadas em Tancos. Este dado consta da "documentação verdadeira" que o tenente-general Martins Pereira recebeu das mãos dos responsáveis da PJ Militar (PJM) envolvidos na operação ilegal de recuperação do material e que entregou ao Ministério Público (MP), soube o DN.
Rovisco Duarte demitiu-se esta quarta-feira do cargo de Chefe do Estado-Maior do Exército (CEME), invocando "circunstâncias políticas" - que o general não revela mas estão relacionadas com o furto e recuperação do material de guerra. O roubo foi detetado no final de junho de 2017.
Entre a documentação entregue por Martins Pereira ao Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) - e que lhe foi entregue pelo então diretor da PJM e o ex-porta-voz dessa polícia, coronel Luís Vieira e major Vasco Brazão respetivamente - estava uma "fita de tempo" que descreve os passos da recuperação das armas, indicaram as fontes ouvidas pelo DN.
O documento começa com a chamada anónima para o piquete da PJM e que a investigação do MP veio a confirmar ter sido feita por um elemento da própria Judiciária Militar.
A informação aí registada não é explícita relativamente à "encenação" alegada pelo MP e que acompanha a versão "oficial" que a PJM divulgou na altura - como indicar a presença casual dos militares da GNR de Loulé no local e o invocado desconhecimento de que o material era o de Tancos e que por isso não tinham informado logo a PJ.
Mas esta "fita de tempo" contém a informação de que foi o próprio Rovisco Duarte, enquanto CEME, quem impediu os inspetores da PJ de entrar no CMSM quando quiseram ir ver o material recuperado - e numa altura em que já estava confirmado ser o furtado em Tancos, em junho desse ano.
Os inspetores da PJ acabaram por ficar horas à porta do quartel e este foi um dos episódios a contribuir para as suspeitas em relação à operação executada da PJM.
De acordo com o descrito na "fita de tempo" que chegou às mãos de Martins Pereira, Vasco Brazão informou Luís Vieira cerca das 10.30 sobre o facto de a PJ estar a caminho de Santa Margarida e pediu-lhe para contactar o comandante do CMSM.
Este comandante, por seu turno, informou ter ordens do CEME para só deixar entrar os inspetores da PJ com mandado judicial. O que, neste caso, não se justificava pois era a PJ a responsável pela investigação ao assalto e a esta hora já havia a confirmação que o material era o de Tancos.
Ainda segundo este documento, foi Vasco Brazão quem surgiu à porta de armas a assumir essa proibição - deixando os inspetores perplexos - e propondo-lhes que fossem visitar o local onde os caixotes com o material tinham sido encontrados (junto a uma ribeira na estrada entre a Chamusca e Abrantes). Passavam poucos minutos do meio-dia.
Só perto das 16:30 é que os cinco inspetores da PJ puderam entrar no CMSM, depois de o comandante do quartel ter recebido ordens expressas do MP nesse sentido.
A ação do CEME será, de acordo com fontes judiciais, esclarecida pela investigação do MP - o que pode implicar que, tal como Martins Pereira, a sua chamada ao DCIAP, bem como o comandante de Santa Margarida.
Uma das dúvidas reside em saber se a ordem do CEME ao comandante do CMSM era legítima, o uma vez que a PJ podia entrar na unidade sem mandado judicial por ter a investigação a seu cargo - donde, se esse coronel devia ter recusado cumpri-la. Outra consequência desta "documentação verdadeira" é que, conforme o DN já noticiou, Martins Pereira venha a ser constituído arguido e o próprio Azeredo Lopes venha também a ser chamado pela Justiça.
Quanto ao "memorando" - uma folha A4 sem qualquer timbre ou data - que Martins Pereira confirmou, tal como Brazão já havia garantido, ter recebido das mãos do coronel Luís Vieira e do major Vasco Brazão, essa folha de papel A4 indica que a reunião com Martins Pereira ocorreu a 20 de outubro de 2017.
Isto significa que a reunião onde a PJM informou o chefe de gabinete do ministro da Defesa - e por extensão o próprio titular do cargo - teve lugar dois dias após a operação ilegal de descoberta do material e não um mês depois, como até agora tem sido dito pelos próprios envolvidos.
Conforme o DN já noticiou, havia pelo menos um dado nesse "memorando" que obrigaria Martins Pereira a informar de imediato as autoridades judiciais: a condição, alegadamente imposta por um dos presumíveis autores do assalto mas que a PJM não tinha autoridade para aceitar, de a PJ ser afastada - e implicitamente o MP - do processo de entrega das armas.
O material foi enviado ao princípio da manhã de 18 de outubro para o CMSM. Avisada a meio da manhã, a PJ - a quem o Ministério Público atribuíra a responsabilidade da investigação - surgiu à porta de armas e ficou quase cinco horas sem lá poder entrar.