Os ânimos exaltaram-se na quarta-feira entre Washington e Moscovo na sequência de uma entrevista do presidente dos EUA Joe Biden, no qual este concorda que o seu homólogo russo, Vladimir Putin, é um assassino, e que "irá pagar as consequências" por mais uma tentativa de interferência nas eleições presidenciais norte-americanas em favor de Donald Trump. Foi essa a conclusão de um relatório do gabinete da diretora dos serviços de informações, Avril Haines, que imputa ao presidente russo "pelo menos aprovação tácita" das manobras de desinformação..A entrevista em que Biden confirmou que certa vez disse a Putin que este "não tem alma" foi transmitida no mesmo dia em que os EUA anunciaram mais restrições nas exportações para a Rússia como retaliação do envenenamento do opositor Alexei Navalny. O Kremlin convocou o seu embaixador em Washington Anatoli Antonov para consultas, enquanto dizia ser "essencial" determinar "os meios para retificar as relações russo-americanas"..Antes da tomada de posse, o governo russo fez saber que não augurava "nada de bom" da administração Biden. Há de facto um contraste nas palavras e nas ações com o anterior presidente, que havia recusado a palavra "assassino" para classificar Putin. "Há muitos assassinos", disse Trump em 2017..Se a relação com a Rússia tem os ingredientes para se manter numa espécie de guerra fria, tendo em conta as divergências sobre quase todos os temas, da ocupação da Crimeia à repressão aos opositores, dos ciberataques às interferências nas campanhas eleitorais, há no entanto uma linha de possível entendimento noutros temas, como por exemplo o regresso do Irão ao acordo nuclear. Isso mesmo foi dito por Biden na entrevista à ABC News. Ressalvou que quer trabalhar com os russos "quando for do interesse comum", como foi o caso da prorrogação do acordo de desarmamento nuclear Novo START, promulgado dias depois de tomar posse..Se a Rússia terá sempre uma atenção especial da administração Biden, a prioridade é - ou volta a ser - a Ásia-Pacífico e em especial a China. A primeira viagem da secretária de Estado Hillary Clinton, em 2009, foi à Ásia e mais tarde propôs uma mudança de paradigma nas relações internacionais, apostando naquela região em detrimento da Europa. Em 2011 escrevia na Foreign Policy que os EUA tinham de saber onde apostar tempo e recursos nos próximos dez anos para poderem estar na melhor posição para sustentar a sua liderança e assegurar os seus interesses para promover os seus valores..Dez anos depois, o presidente Biden dá nova vida a uma iniciativa que junta Índia, Japão e Austrália (Quad), escolhe o Japão e a Coreia do Sul para a primeira viagem de elementos do governo e o primeiro dignitário a visitá-lo na Casa Branca será o primeiro-ministro nipónico Yoshihide Suga..Regressado da viagem à Ásia com o colega da Defesa Lloyd Austin, o secretário de Estado Antony Blinken encontra-se hoje no Alasca com o ministro dos Negócios Estrangeiros Wang Yi e um alto funcionário do Partido Comunista. O encontro realiza-se sob baixas expectativas, ao ponto de não se esperarem declarações nem comunicados no final e surge depois de os norte-americanos terem repetido críticas a Pequim e Pyongyang..Blinken e Austin proferiram uma declaração conjunta com os homólogos japoneses expressando preocupação com as violações dos direitos humanos de Pequim na província de Xinjiang contra a minoria uigur, as ameaças a Taiwan, as atividades no Mar do Sul da China e a determinação em alterar o estatuto das Senkaku, ilhas desabitadas administradas por Tóquio, mas reivindicadas por Pequim (e por Taipé). A declaração "atacou maliciosamente a política externa da China, interferiu gravemente nos assuntos internos da China e tentou prejudicar os interesses da China", reagiu o porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês, Zhao Lijian..A reunião por videoconferência entre Biden e os primeiros-ministros Narendra Modi, Scott Morrison e Yoshihide Suga também foi um claro sinal de que a "América está de volta" e que quer reforçar as alianças, mesmo quando neste caso a China não tenha sido o principal ponto da agenda, mas a distribuição de vacinas. Ainda assim, num texto conjunto declararam estar a "trabalhar para assegurar que o Indo-Pacífico seja acessível e dinâmico, regido pelo direito internacional e pelos princípios básicos como a liberdade de navegação e a resolução pacífica de litígios, e que todos os países sejam capazes de fazer as suas próprias escolhas políticas, livres de coação"..Ou, como Blinken e Austin disseram antes da viagem: "Vemos como é crucial trabalhar com os nossos aliados. O nosso poder combinado torna-nos mais fortes quando temos de repelir a agressão e ameaças da China"..cesar.avo@dn.pt