Raparigas saem-se melhor numa escola sem computadores. Como está a educação em Portugal

Nas escolas, o sucesso escolar afeta mais os rapazes e os computadores são cada vez menos numa era cada vez mais tecnológica. Os dados constam do "Estado da Educação 2018", publicado esta terça-feira pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), que traça um retrato do país.
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As raparigas têm mais sucesso escolar do que os rapazes e, nas escolas, faltam computadores e acesso à internet. São algumas das conclusões retiradas do relatório "Estado da Educação 2018", do Conselho Nacional de Educação (CNE), divulgado esta terça-feira. O documento faz um retrato do país em 2018, analisa a evolução da última década e compara Portugal com o resto da Europa. Certo é que o ensino está a melhorar, mas ainda há lacunas a combater.

Rapazes chumbam mais

Os chumbos e a existência de "uma escola nitidamente muito feminina", onde os rapazes têm menos sucesso, são dois dos fenómenos descritos no documento. "Todos os indicadores têm vindo a melhorar, designadamente as taxas de retenção", sublinhou Maria Emília Brederode Santos, presidente do CNE. Aliás, no ano passado o país atingiu "a taxa de retenção mais baixa da década" entre os alunos do 1.º ao 3.º ciclos, assinalou.

No ano letivo de 2017/2018, as taxas de retenção e desistência diminuíram em todos os anos de escolaridade, com exceção do 3º ano que se manteve inalterado. "Ainda temos 7,8% de retenção" neste nível de ensino, lamentou. No 8º ano, a taxa aumentou de 6,7% para 6,8%, relativamente ao ano anterior, lê-se no relatório, que alerta para o facto de as histórias de insucesso crescerem à medida que se avança na escolaridade.

No 1.º ciclo (do 1.º ao 4,º ano), o problema atinge 2,8% das crianças, mas no 1.º os alunos não chumbam. Quando se olha para o ano seguinte, em que, pela primeira vez, é permitido reter um estudante, a situação agrava-se: 6,6% dos estudantes do 2.º ano de escolaridade não passam. No 2º ciclo, as taxas também diminuíram, rondando agora os 5%, e no 3º ciclo é de 7,8%. A grande melhoria encontra-se entre os alunos do 9.º ano: em 2012/2013, a taxa de retenção e desistência era de 17,7% e agora é de 6,5%.

Lembrando que Portugal está longe da média da União Europeia, a presidente do CNE entende que é preciso fazer mais. "Continuamos preocupados, porque se nos compararmos com outros países, a taxa ainda é elevada", disse, sublinhando que o chumbo "tem consequências a médio e longo e médio prazo".

E é no sexo masculino que o problema do insucesso tem mais impacto. "A escola está nitidamente muito feminina. As mulheres têm muito mais resultados positivos na escola do que os rapazes, uma diferença quase de metade no secundário e depois com a entrada no superior", afirmou Maria Brederode Santos.

Por exemplo, notam-se grandes diferenças entre os jovens adultos com o ensino secundário completo: a maioria das mulheres (54%) entre os 25 e os 44 anos terminou o ensino obrigatório, ao passo que entre os homens a percentagem é de 44,8%. A falta de qualificações dos jovens adultos era, precisamente, um dos graves problemas apontados aos portugueses, que também tem vindo a melhorar. Atualmente quase metade das pessoas entre os 25 e os 44 anos têm o ensino secundário completo. Em dez anos, este valor quase duplicou, sublinhou a presidente do CNE.

Ficar retido acaba por aumentar os casos de abandono escolar, reduzir as possibilidades de entrar no ensino superior assim como frequentar a educação de adultos. Maria Brederode afirma que também são as pessoas com mais qualificações que, mais tarde, acabam por voltar a estudar. Por isso, a presidente do CNE entende que a escola precisa mudar: "Era importante também pensar que mudanças são necessárias na escola e que mudanças estão a ocorrer".

O relatório indica, por exemplo, que o abandono escolar precoce em Portugal atinge 11,8% dos alunos, enquanto a média dos 28 países da União Europeia é de 10,6%. Apesar de estar acima da média europeia, Portugal registou uma evolução muito positiva na última década: em 2009 o abandono precoce em Portugal era de 30,9% enquanto na Europa era de 14,2%.

Para a presidente do conselho, Portugal aproxima-se das metas estabelecidas com a União Europeia para 2020 e aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da ONU, no que diz respeito à frequência da educação pré-escolar e à taxa geral de escolarização no ensino básico.

Insucesso e dificuldades financeiras caminham lado a lado

A percentagem de alunos do básico e secundário que beneficia de ação social escolar (ASE) diminuiu na última década, mas o Conselho Nacional de Educação (CNE) alerta que a escola pública ainda não venceu o determinismo social no insucesso.

"A maior percentagem de alunos que beneficiam de ASE, no ano 2017/2018, frequenta percursos curriculares alternativos dos 2.º e 3.º CEB [ciclo do ensino básico], os cursos de educação formação do 3.º CEB, e os cursos vocacionais e profissionais do ensino secundário, o que parece indiciar uma relação entre os problemas financeiros e as dificuldades de aprendizagem, por um lado, e o determinismo social, por outro", escreve o CNE.

Os dados recolhidos pelo CNE indicam que a percentagem de beneficiários de ASE nas escolas públicas em 2017/2018 foi a mais baixa na última década, com 36,1% de alunos, contra os 43,1% de 2010-2011, o valor mais alto.

"Quando se comparam as proporções de alunos com ASE nos diversos níveis de educação e ciclos de ensino, por modalidades, constata-se que existe uma aproximação entre as percentagens de alunos que beneficiam do escalão A [aplicável aos alunos com maiores dificuldades financeiras] e do escalão B, no ensino secundário, ao nível do ensino regular. Nas outras ofertas existe um maior desfasamento entre os dois escalões, sendo maior a percentagem dos alunos do escalão A, que abrange os alunos mais carenciados", lê-se no relatório.

Numa análise por modalidades escolares, são os percursos curriculares alternativos e os cursos de vertente profissionalizante ou vocacional que apresentam maiores percentagens de beneficiários de ASE, sobretudo do escalão A de apoio.

No ensino superior o total de beneficiários de ASE baixou em 2017-2018 em poucas centenas face ao ano letivo anterior, com mais de 74 mil estudantes apoiados, a quase totalidade em instituições públicas.

Sobre o alojamento para estudantes universitários, um dos maiores problemas atualmente na garantia de acesso ao ensino superior, o CNE aponta o crescimento do número de camas disponíveis nos últimos anos em residências, com mais 823 camas em 2017 do que em 2015 e um crescimento de 4% em 2018, consequência do Plano Nacional para o Alojamento no Ensino Superior.

Portugal longe da meta de formados no superior

Também a percentagem de adultos com formação superior é muito diferente quando se compara homens e mulheres. Até 2020, pelo menos 40% dos adultos em Portugal deverão ter uma formação de ensino superior, mas a média nacional ainda ronda os 33,5%, segundo o relatório que mostra que Portugal manteve em 2018 a taxa de 2017.

No entanto, as mulheres já ultrapassaram a meta (42,5%), ao contrário dos homens em que apenas um em cada quatro tem o ensino superior (24,1%). Nesse período, a proporção de mulheres com formação superior aumentou 2,1 pontos percentuais, enquanto entre os homens se registou precisamente uma redução de 2,1 pontos percentuais.

Uma das razões para a baixa percentagem de homens com formação superior poderá estar relacionada com a opção por cursos vocacionais no ensino secundário, defendeu Brederode Santos. Sublinhando a importância e qualidade destes cursos, a presidente do CNE lembrou que estes jovens acabam por ficar "em desvantagem" quando se candidatam ao ensino superior, uma vez que têm de fazer as mesmas provas de acesso.

Para o CNE, não se pode exigir aos alunos dos cursos profissionais conhecimento sobre matérias que não foram lecionadas nas aulas. O CNE não defende "uma via verde para o ensino superior", mas a realização de exames tendo em conta as matérias dos programas.

No próximo ano, o CNE vai debruçar-se sobre a situação dos cursos vocacionais e profissionais em Portugal e a questão do acesso ao ensino superior.

Escolas pouco tecnológicas

Nas escolas, o retrato é outro: numa era em que a tecnologia vai ditando o dia-a-dia, os computadores escolares são velhos, poucos e muitos não têm sequer ligação à internet. Uma queixa generalizada pelas várias escolas do país. Ainda neste ano, a Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP) correu as escolas do país, de norte a sul, para fazer um registo das maiores dificuldades encontradas pelos diretores no processo de ensino e aprendizagem. "Este foi um dos temas mais focados. É uma queixa generalizada", contava ao DN o presidente da associação, Filinto Lima.

De acordo com o relatório do Conselho Nacional de Educação, o número de computadores nas escolas do continente tem vindo a diminuir de ano para ano, registando-se "em 2017/2018 uma quebra de 28% relativamente ao ano de 2015/2016", lê-se.

Dez anos depois de o Governo ter lançado um programa que permitiu a distribuição de um computador Magalhães a cada aluno do 1.º ciclo, a realidade das escolas mudou. Hoje cada computador é dividido por 6,6 alunos do 1.º ciclo. Além de menos, os equipamentos nas salas de aula estão a ficar velhos.

A percentagem de computadores com mais três anos "aumentou significativamente", passando de 64,4% em 2015/2016 para 85% no último ano em análise. Dos computadores existentes nas escolas, apenas uma parte tem ligação à internet. No 1.º ciclo, por exemplo, há um computador para cada 7,4 alunos, mas o relatório sublinha que esta situação tem vindo a melhorar desde o ano letivo de 2015/2016 em todos os ciclos e níveis de ensino público.

Docentes no topo da carreira não chega a 1%

Os professores em Portugal são profissionais muito qualificados e estão envelhecidos, mas só 0,02% estão no topo de carreira. "Em Portugal, o tempo para chegar ao topo da carreira é longo e a diferença entre a remuneração no topo de carreira e no início é muito significativa, quando comparado com outros países europeus", refere o relatório "Estado da Educação 2018".

A carreira dos professores divide-se em dez escalões e, na maioria dos casos, cada escalão deveria equivaler a quatro anos de serviço. No entanto, os professores do 3.º escalão, por exemplo, têm em média 22,6 anos de serviço e mais de 48 anos de idade.

Já no topo da carreira estão "apenas 0,02% dos docentes (...) e têm em média 61,4 anos de idade e 39 anos de tempo de serviço", refere o relatório, da autoria do Conselho Nacional de Educação (CNE).

O congelamento prolongado das carreiras e a não recuperação da totalidade do tempo de serviço são as razões apontadas pela CNE para esta situação. A contagem integral do tempo de serviço é uma das grandes reivindicações dos sindicatos que têm prometido não deixar morrer, depois de ter provocado uma crise política na anterior legislatura, mas sem o resultado obtido pelos docentes.

Em 2017/2018, havia menos de 150 mil professores do ensino obrigatório, ou seja, houve uma redução de mais de 30 mil apenas numa década. O relatório mostra que aconteceu um decréscimo em todos os níveis e ciclos de educação e ensino.

Mais de metade dos professores sairá das escolas até 2030

Também tem vindo a diminuir o número de alunos nas escolas e este ano várias notícias deram conta da falta de docentes nas escolas. Para a presidente da CNE, neste momento não faltam docentes mas é preciso fazer "um planeamento para a vaga de aposentações que se aproxima e a baixa procura de cursos de formação de professores".

Segundo um outro relatório do CNE, mais de metade dos professores (57,8%) poderá aposentar-se até 2030.

Em Portugal, o corpo docente está cada vez mais envelhecido: no ano letivo de 2017/2018, quase metade dos professores, desde a educação pré-escolar até ao secundário, tinha 50 ou mais anos (46,9%), enquanto a percentagem dos que tinham menos de 30 anos era de 1,3% em 2017/2018. As escolas portuguesas e italianas são as que têm menos docentes jovens.

No ensino superior a situação não é diferente: na década 2008-2018, aumentou a proporção de docentes com 50 ou mais anos (mais 15,1 pontos percentuais) e diminuiu os que têm menos de 30 anos de idade (menos 3,1 pontos percentuais).

Estão mais velhos e a grande maioria é "muito qualificada": mais de 80% dos professores do ensino obrigatório têm licenciatura ou equiparado e, no ensino superior, 71% dos professores universitários são doutorados assim como 42,1% nos politécnicos (dados de 2017/2018).

Por outro lado, nos últimos anos, são cada vez menos os jovens que sonham ser professores. Os cursos da área Educação têm vindo a registar perdas importantes, atingindo em 2018 o valor mais baixo de inscritos desde 2009, com apenas 13 084 alunos.

Crianças passam mais 10 horas semanais em creches

As crianças passam quase 40 horas por semana com as amas, nos infantários ou creches em Portugal, um dos períodos mais elevados da Europa, cuja média é cerca de dez horas semanais menor. O número médio de horas semanais que os bebés e crianças portuguesas passam nas creches, mas também em estabelecimentos de educação pré-escolar, "é dos mais elevados de entre os países da União Europeia", refere o relatório.

Os bebés até aos três anos passam, em média, 39,1 horas por semana, ou seja, quase oito horas por dia, com amas ou em creches, enquanto as crianças com três ou mais anos passam 38,5 horas semanais. Já a média semanal de permanência dos países da UE28 é de 27,4 horas para os mais pequenos e de 29,5 horas para os mais velhos. Ou seja, há uma diferença de quase dez horas semanais.

Portugal também surge como um dos países com mais oferta de creches para crianças com menos de três anos quando comparando com os países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) e da UE23 (países da União Europeia membros da OCDE): em Portugal a taxa de cobertura desta resposta social é de 36,7%, ligeiramente acima da média da OCDE (36,3%) e da UE23 (35,6%).

Entre 2008 e 2015 houve um aumento gradual de oferta de vagas nas creches e de amas, mas, em 2015, começaram a registar-se quebras anuais. Já nas regiões autónomas, houve um crescimento consistente. Na Região Autónoma da Madeira, por exemplo, havia no ano passado uma taxa de cobertura de 56,8%.

A preocupação com a rede de pré-escolar transformou-se numa das bandeiras da maioria dos partidos políticos nas últimas eleições de novembro, recordou a presidente do CNE. "Quase todos os partidos políticos nestas últimas eleições apresentam nos seus programas essa ideia de que as creches teriam que ter uma intencionalidade educativa e que era preciso reforçá-la", disse a presidente do CNE, Maria Emília Brederode Santos.

A taxa de pré-escolarização, destinada às crianças entre os 3 e os 5 anos, aumentou 7,8 pontos percentuais, situando-se em 2017/2018 nos 90,1%. A presidente do CNE defende que é preciso ver a "educação como um direito que se tem desde que se nasce". Vários estudos têm relevado que a frequência do pré-escolar é uma das melhores ferramentas para combater o insucesso escolar.

Quanto ao ensino básico, o relatório sublinha a diminuição de mais de 150 mil alunos em dez anos (2017/2018 vs 2008/2009): com destaque para o primeiro ciclo, que diminuiu 18%, seguindo-se o 2.º ciclo (17%) e, finalmente, o 3.º ciclo com menos 9,6% de alunos.

Mantém-se a tendência de diminuição do número de alunos em todos os ciclos de ensino.

Despesa da educação a crescer

A despesa do Estado em educação cresceu desde 2012, mas está ainda mais de 700 milhões de euros abaixo de 2009, indica ainda o relatório do CNE. De um ponto de vista geral, o CNE aponta que "a despesa do Estado em educação, em 2018, apresenta um acréscimo de cerca de 3% relativamente ao ano anterior (mais 253,14 milhões de euros)", mas, "quando comparado com o ano inicial da série (2009), a despesa decresceu perto de 8% (menos 727,51 milhões de euros)".

Numa perspetiva que abrange toda a despesa do Estado com educação exceto o ensino superior, os números apontam para um aumento de 108 milhões de euros face ao ano anterior e uma diminuição de cerca de 12% (menos 867 milhões de euros), comparativamente a 2009.

O CNE refere que dos 6,3 mil milhões de euros gastos em educação não superior em 2018 pelo subsetor Estado, quase 4,7 mil milhões (76%) representam gastos com pessoal.

Se a educação pré-escolar e o ensino básico e secundário (na escola pública) e o ensino especial registaram um aumento de despesa, os gastos com o ensino profissional estão em queda há cinco anos e atingiram em 2018 o valor mais baixo da década, com 375 milhões de euros. Também a despesa com ação social escolar baixou em 2018, com uma redução de mais de seis milhões de euros em apenas um ano.

Já o ensino superior registou em 2018 a despesa "mais alta da década, tendo aumentado cerca de 162 milhões no último ano" para cerca de 2,6 mil milhões de euros. "Mais de metade é executada em despesas de pessoal e provém de receitas gerais", refere o CNE, que indica ainda que em 2018 as universidades e politécnicos tiveram cerca de 600 milhões de euros de receitas próprias.

A ação social no ensino superior representou um acréscimo de despesa para o Estado em 2018, que gastou mais seis milhões de euros de fundos nacionais, mas os apoios sociais a universitários continuam a ser maioritariamente assegurados por fundos comunitários: cerca de 60% da despesa com ação social direta provêm de fundos europeus.

Dos 145,51 milhões de euros gastos em ação social direta em 2018, apenas 58,88 milhões de euros foram pagos pelo Estado, sendo os restantes 86,63 milhões de euros financiados por fundos comunitários.

O CNE aponta também que o valor da receita das instituições do ensino superior, sem incluir saldos de gerência, foi o mais alto da década, "tendo aumentado cerca de 250 milhões de euros no último ano".

As propinas representaram para as instituições públicas receitas de cerca de 343 milhões de euros.

Ao nível da investigação científica, a despesa do Estado cresceu em 2018 quase 160 milhões de euros face ao ano anterior, para os 659 milhões de euros. Para atingir a meta europeia de 2,7% do PIB investidos em investigação em desenvolvimento, Portugal vai ter que mais do que duplicar o investimento no setor, uma vez que os dados do relatório, neste caso referentes a 2017, apontam para gastos na ordem dos 1,3% do PIB. Nesse ano a média da União Europeia foi de 2,1%.

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