"Face aos elementos que foi possível carrear para os autos, pode-se afirmar, com elevado grau de certeza, que, na sequência da sua detenção (...), foram vítimas de agressões", conclui a PJ na sua investigação. No entanto, é ainda acrescentado que "esses mesmos elementos não permitiram identificar de forma cabal quem foram os seus autores"..Com base nesta conclusão da Judiciária mas também depois de ter tornado a interrogar todos os envolvidos - polícias e vítimas -, o Ministério Público (MP) da Amadora decidiu arquivar uma queixa contra agentes da PSP que lhes imputava crimes de agressões e injúrias contra dois jovens negros na esquadra do Dolce Vita Tejo, na noite de 25 para 26 de dezembro de 2015..Este despacho de arquivamento ganha especial relevância numa altura em que, em Guimarães, estão a ser julgados 11 polícias por terem agredido e cegado um adepto do Boavista. Neste caso, a vítima não conseguiu identificar os dois ou três elementos que a espancaram, mas o MP decidiu acusar todos os membros da equipa do Corpo de Intervenção que estaria no local. Em primeira instância foi negada essa pretensão, mas o Tribunal de Relação levou mesmo a julgamento os 11 agentes e o MP pede prisão efetiva..O caso do Dolce Vita foi um dos processos que o MP pediu à Unidade Nacional de Contraterrorismo (UNCT) da PJ para reavaliar na sequência da acusação contra os 18 polícias da esquadra da PSP de Alfragide, por agressões contra seis jovens da Cova da Moura, em fevereiro desse mesmo ano..O procurador, coordenador do Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) da Comarca da Amadora que arquivou este inquérito, num despacho concluído em setembro passado e que já chegou aos envolvidos, é o mesmo que acusou os 18 agentes em Alfragide, depois de uma investigação da UNCT..Tal como no caso de Alfragide, inicialmente as vítimas foram constituídas arguidas por tentativa de invasão de esquadra, injúrias contra os polícias, mas também por terem arrombado a porta do posto - o que veio a apurar-se não ser verdade..As versões das vítimas e dos agentes da PSP são opostas, com contradições nos depoimentos de ambos os lados. Há ainda injúrias semelhantes às do caso de Alfragide.."Voltem para a vossa terra".Assim, de acordo com a queixa apresentada contra os polícias, um grupo de seis jovens, que regressava de uma festa de Natal num centro comunitário local, acorreu à esquadra perto das 22.00, do dia 25 de dezembro de 2015, alegando ter ficado muito assustado com um disparo que garantiu ter ouvido de um carro que passava na estrada..Bateram à porta, assumindo tê-lo feito com "força", mas a agente que ali se encontrava, sozinha na esquadra, trancou a mesma, deixando os jovens desesperados na rua..Apesar da insistência das batidas, a porta não se abriu. Cinco dos jovens acabaram por abandonar o local, mas dois ainda ficaram ali..Entretanto, alertados pela agente, começaram a chegar à esquadra polícias de outras esquadras, tendo mandado encostar os dois rapazes à parede e começado a bater-lhes com os bastões..Ainda na versão destes, foram depois levados para dentro da esquadra onde foram de novo alvo de bastonadas, pontapés e bofetadas, ao mesmo tempo que ouviam injúrias como "voltem para a vossa terra", "montes de esterco", "monte de merda" - injúrias semelhantes às que os jovens da Cova da Moura alegaram ter ouvido na esquadra de Alfragide.."Vamos deitar esta merda abaixo".Na versão da agente que denunciou os jovens por invasão da esquadra, primeiro estes pararam "em alvoroço" junto à vedação de segurança da esquadra a olhar para o seu interior. Como estava sozinha decidiu fechar a porta à chave e chamar reforços..De imediato, relatou a agente, o grupo de seis jovens começou a pontapear a porta ao mesmo tempo que diziam "vamos deitar abaixo esta merda, bófia do c..., vamos-te apanhar"..Segundo a polícia, os jovens acabaram por conseguir arrombar a porta do posto e quando esta cedeu alguns caíram. Quando alguns deles começaram a entrar nas instalações, empunhou a arma de fogo, tendo quatro deles fugido. Os dois que ficaram foram detidos pelos outros agentes que entretanto ali chegaram..Todos os polícias inquiridos negaram quaisquer agressões ou injúrias..Em quase quatro anos de investigação, não foi possível clarificar as versões contraditórias, apesar de quer a PJ quer o MP estarem convictos de que os jovens foram mesmo agredidos..Além das lesões provocadas aos jovens - traumatismos, várias escoriações e hematomas em diversos pontos do corpo -, que os relatórios clínicos confirmaram ser consistentes com agressões por bastão (as medidas das feridas batiam certo com as do bastão), há também fotogramas de imagens de vídeo gravadas, que permitem observar um indivíduo "aparentemente fardado" a agredir dois outros indivíduos encostados à parede, sem interferência dos restantes..No entanto, as imagens não permitiram identificar o agressor..Incongruências e certezas.O MP sublinha que detetou algumas incongruências no depoimento da agente, como foi o caso de ter dito que tinham arrombado a porta e que esta tinha ficado destruída. Na verdade, como veio a apurar-se em sede de investigação, a porta era de vidro e estava intacta. Se tivesse sido derrubada, teria certamente ficado estilhaçada, o que não aconteceu. Apenas foram constatados alguns danos nas dobradiças..Fazendo o balanço de todos os prós e contras, o magistrado do DIAP da Amadora entende que "se submetidos a julgamento e com os indícios recolhidos, a absolvição dos arguidos afigura-se como muito mais provável do que a sua condenação, não obstante" - é salientado - "o teor do relatório da UNCT da PJ, bem como os relatórios periciais de avaliação de dano corporal que terão de ser imputados a alguém em concreto, mas cuja dúvida seria no sentido, não da sua verificação, mas da sua autoria, se verifica"..O mesmo em relação às injúrias. "Uns dizem que foram proferidas, outros negam-nas e, também aqui, a conclusão é a de uma muito mais provável absolvição do que uma condenação, se submetidos a julgamento."