Primeiro passo para a normalidade... com risco de marcha-atrás
Não é o regresso à normalidade, porque "enquanto houver covid-19 a vida não será normal", como salienta António Costa, mas é um primeiro passo nesse sentido: segunda-feira, 4 de maio, os portugueses vão sai à rua e sentir a diferença. Poderão entrar em lojas de rua (os centros comerciais só reabrem a 1 de junho), poderão cortar o cabelo ou arranjar as unhas, ir à livraria, mas só terão os olhos à mostra quando andarem de transportes públicos e entrarem em estabelecimentos comerciais porque as máscaras passam a ser obrigatórias. O mar também regressa às nossas vidas, mas apenas para a prática de desportos náuticos individuais, pôr os pezinhos na areia e estender a toalha ao sol ainda é apenas uma miragem.
O Plano de Desconfinamento apresentado esta quinta-feira pelo primeiro-ministro surge quase dois meses depois do primeiro caso de covid-19 em Portugal, a 2 de março. Desde então, o número de infetados subiu para mais de 25 mil e o número de óbitos está muito próximo das mil vítimas mortais. É um plano em três tempos, com as medidas a serem reavaliadas de duas em suas semanas - 4, 18 de maio e 1 de junho.
E numa situação de pandemia tanto se pode avançar como recuar, fez questão de deixar claro António Costa: "Nunca terei vergonha ou qualquer rebuço de dar um passo atrás se isso for necessário para garantir esse bem essencial que é a segurança dos portugueses", disse no Palácio da Ajuda.
Umas horas depois, acrescentaria numa entrevista à RTP: "Cada vez que eliminarmos uma restrição, o risco de contaminação aumenta." Daí apelar aos portugueses que mantenham os mesmos cuidados. Desconfinar não significa que se pode afrouxar as medidas de proteção individuais, como o distanciamento social, a etiqueta respiratória e a lavagem das mãos que continuam a ser uma regra... a que, em alguns casos, se juntou a obrigatoriedade uso de máscaras comunitárias, como nos transportes públicos (onde haverá multas), comércio, espaços fechados e escolas (que reabrirão para o 11º e 12º anos dia 18 de maio).
Uma mudança radical na vida de quem tem filhos pequenos é precisamente poder deixá-los na creche a partir de dia 18. Mas porque sabe que este é um dos temas mais controversos do desconfinamento, e por compreender que há quem tenha receio dos seus filho contraírem o vírus, Costa decidiu manter o apoio financeiro às famílias que optarem por ficar com os filhos em casa, até ao final do ano letivo (26 de junho). O uso obrigatório de máscara não se aplica às creches.
As creches, jardins de infância e ATL reabrem definitivamente a 1 de junho. Vários professores levantaram dúvidas sobre se a reabertura dos estabelecimentos se estendia ao privado - o Ministério da Educação confirma que sim. O básico é que já está decidido que não reabre. E no superior, as universidades têm autonomia para decidir.
A evolução dos números de covid-19 é considerada positiva pelas autoridades. "Tínhamos o risco de uma curva de crescimento exponencial de casos, que contrasta com os casos efetivos que temos tido no país", disse o chefe do Executivo.
E o que mostram os gráficos apresentados pelo primeiro-ministro? A transmissibilidade chegou a ser de 2,53 e que nos últimos cinco dias é de 0,92. Quer isto dizer que houve alturas em que uma única pessoa chegou a transmitir o vírus a duas pessoas e meia e agora a média dessa transmissão está abaixo de um.
Outro fator que terá pesado na decisão de avançar com o desconfinamento tem a ver com o número de doentes com covid-19 internados. Os dados divulgados esta quinta-feira pela Direção-Geral da Saúde (DGS) apontavam para 968 internados, 172 dos quais em unidades de cuidados intensivos. O número de pessoas que estão a ser acompanhadas em casa é esmagadoramente superior.
O número de testes realizados também é animador. Só Chipre, Estónia e Lituânia realizaram mais testes por milhão de habitante que Portugal. Segundo António Costa, foram feitos 307 302 de testes por milhão de habitante.
"São dois meses que - disse o primeiro-ministro - que parecem uma eternidade." Dois meses em que se reaprendeu a viver - confinados em casa com as crianças (as escolas fecharam a 16 de março), a sair apenas para comprar bens essenciais e fazer passeios higiénicos e a desenvolver teletrabalho, desde que a profissão o permita.
Não quer isto dizer que a partir de segunda-feira os portugueses vão poder a voltar a reunir-se, a encontrar-se com os amigos no café, porque os estabelecimentos de restauração só deverão reabrir portas a 18 de maio. E também porque continuam a ser proibidos os ajuntamentos com mais de 10 pessoas.
Sobre a restauração para já, a data de reabertura está prevista para dia 18, com a lotação reduzida a 50% e os restaurantes a fecharem às 23:00. Costa explicou que o Governo e as associações representativas do setor estão a avaliar quais as melhores soluções de higienização e proteção, não estando tomada qualquer decisão sobre uma eventual medição da temperatura aos clientes.
De resto, o chefe do Executivo lembrou que continua a existir o dever cívico do confinamento - o estado de calamidade que entra em vigor às zero horas de domingo, dia 3, não permite constitucionalmente impor as mesmas regras que o estado de emergência, como por exemplo as cercas sanitárias. Este dever cívico, fez questão de explicar, é aplicável a todos os cidadãos, independentemente da idade ou de apresentar fatores de risco.
Um dever que, disse, é aplicado a todos, crianças, jovens, pessoas de meia-idade e idosos. Até porque considera que houve alguma confusão em relação os mais velhos: "Quer o facto de o estado de calamidade não permitir o mesmo grau de limitação das liberdades que o estado de emergência permite, quer também o facto de ter constatado que muitas vezes foi mal interpretado o que é que significava o dever especial de proteção, em particular para com os idosos - vendo-os não como um dever de proteção do próprio idoso e muitas vezes estigmatizando-o, encarando-o como uma ameaça à sociedade -, entendemos que neste novo quadro de calamidade importava introduzir uma mudança."
A verdade é que a faixa etária acima dos 60 anos é claramente a mais afetada pelo novo cornavírus. Em Portugal, das 989 vítimas mortais anunciadas quinta-feira, 950 tinham mais de 60 anos. Se olharmos apenas para a faixa acima dos 80 anos, conclui-se que já morreram 668 pessoas.
O confinamento continua contudo a ser obrigatório, sujeito a crime de desobediência, em relação às pessoas contaminadas com o novo coronavírus e ou que esteja sob vigilância das autoridades de saúde.
Outra das medidas anunciadas pelo primeiro-ministro prende-se com o que considerou "uma das coisas mais dolorosas" de todo esta situação - as restrições aos funerais. E porque não quer impedir que os portugueses se despeçam dos seus entes queridos, decidiu que os familiares podem assistir à despedida, sem limitações de números de pessoas. As autarquias têm competência para estabelecer um limite, mas Costa esclareceu na entrevista à RTP que se o número de familiares for superior, estes nunca serão impedidos de assistir ao funeral já a partir da próxima segunda-feira, 4. "Esse acumular de dor também diminui a capacidade de resistência a uma luta que será muito prolongada", disse.
Decidido ficou também que, a partir do fim de semana de 30 e 31 de maio, possa começar a celebração das cerimónias religiosas, mediante regras que serão definidas pela DGS e pelas confissões religiosas.
Em termos de competições desportivas, Costa anunciou o retomar dos jogos da primeira liga no fim de semana de 30/ 31 de maio e a realização da Taça de Portugal, sem público. Mas a título individual passam também a ser permitidos os desportos náuticos, já a partir de dia 4, sem uso de balneários e piscinas. Os ginásios continuam encerrados.
Exaustos com dois meses de confinamento, e a verem a temperatura a subir, os portugueses começam a ficar impacientes por se estenderem ao sol. Mas mesmo que tradicionalmente a época balnear reabra a 1 de junho, este ano ainda não há decisão.
Na entrevista à RTP, o chefe do Governo fez questão de salientar que os dados que existem sobre a hibernação do vírus com o clima não são fiáveis. E admitiu que a época balnear trará problemas de gestão, nomeadamente nas praias mais pequenas. "Encontraremos uma boa forma de não privar os portugueses de não irem à praia, mas não vamos antecipar o que não é antecipável." Até lá, continuam as conversações com autarquias e capitanias.
O estado de emergência acaba quando às zero horas de domingo, dia 3, entrar em vigor o estado de calamidade. Neste fim de semana prolongado, está proibida a deslocação entre concelhos, à semelhança do que aconteceu na Páscoa.
4 de maio
- Confinamento obrigatório para pessoas doentes com covid-19 ou sob vigilância.
- Dever cívico de recolhimento domiciliário, sem imposição ao confinamento dos idosos.
- Proibição de ajuntamentos de mais de 10 pessoas.
- Lotação máxima de 5 pessoas por 100 m2 em espaços fechados, sendo obrigatório a utilização de máscaras comunitárias.
- Funerais sem limitação da presença de familiares.
- Desfasamento de horário para escolas e comércio.
- Transportes públicos com lotação de dois terços - o uso de máscaras é obrigatório.
- Teletrabalho obrigatório sempre que for possível, caso contrário deve-se encontrar horários desfasados ou equipas em espelho.
- Abertura dos balcões desconcentrados de atendimento ao público, por marcação. A máscara comunitária é obrigatória.
- Abertura do comércio até aos 200 m2, de livrarias e comércio automóvel. Cabeleireiros, barbearias, manicures, pedicures também começam a atender por marcação, mas as regras de higienização e segurança só serão anunciadas no próximo sábado.
- Abertura de bibliotecas e arquivos.
- Permitida a prática de desportos individuais ao ar livre, mas sem a utilização de balneários ou piscinas.
18 de maio
- Restaurantes, cafés e esplanadas vão reabrir. Restaurantes funcionam até as 23:00, com lotação a 50%.
- Abertura de lojas de rua até 400 m2, ou maiores, por decisão das autarquias.
- Alunos dos 11.º e 12.º anos regressam às aulas com dois turnos - 10:00 às 13:00 e das 14:00 às 17:00 - com uso obrigatório de máscara.
- Reabrem equipamentos sociais na área da deficiência e creches.
- Abrem museus, monumentos, palácios e galerias de arte.
Último fim de semana de maio
- A 30/31 de maio poderão começar as celebrações religiosas depois das várias confissões definirem regras com a Direção Geral de Saúde.
- Recomeçam as competições oficiais da 1.ª Liga de Futebol e a Taça de Portugal.
1 de junho
- Regresso progressivo aos locais de trabalho com horários desfasados, mantendo-se teletrabalho parcial.
- Abertura das lojas do cidadão, com marcação prévia. A máscara é obrigatória.
- Abertura das lojas com mais de 400 m2 e dos centros comerciais.
- Creches, pré-escolar e ATL regressam à atividade normal.
- Cinemas, teatros, auditórios e salas de espetáculos reabrem, mas terão lugares marcados, lotação reduzida e distanciamento físico.
Com Paula Sá