Portugal participa na criação do maior telescópio do mundo
Foi um longo caminho, de mais de duas décadas, mas a construção do SKA (Square Kilometre Array), que vai ser o maior telescópio do mundo, já tem data para arrancar.
Será no final de 2020, para iniciar observações em 2023 - daqui a quatro anos. Até lá, há ainda muito trabalho pela frente, do design da própria instrumentação à gigantesca rede para a comunicação de todos os dados, e há uma equipa de várias dezenas de portugueses mergulhados nesse trabalho.
"O SKA vai permitir um salto gigantesco no conhecimento", garante Domingos Barbosa, investigador do Instituto de Telecomunicações (IT), na Universidade de Aveiro, e o coordenador da infraestrutura de investigação do SKA em Portugal, um dos 10 países que integra a organização SKA, constituída em meados de março.
É por aqui, por Portugal, que passa, aliás, uma parte fundamental desta última fase de definição do futuro telescópio, que tem a assinatura portuguesa praticamente desde o início do projeto. "Participamos no design da máquina, que não está ainda completamente definida nesta altura, e é o nosso grupo que lidera o desenho das plataformas informáticas que vão gerir a operação do SKA", explica Domingos Barbosa.
Isso inclui, desde as ordens de orientação de cada uma das antenas para a realização das próprias observações, até à distribuição da informação entre os vários centros de dados. Em suma, toda a gestão operacional do radiotelescópio.
Dois dos testes essenciais dos equipamentos vão ser feitos também em Portugal, até final deste ano. "As ferramentas de software do telescópio estão neste momento a ser todas alojadas no Instituto de Telecomunicações, em Aveiro, para os testes de integração, que têm de estar prontos até final de 2019", adianta o coordenador nacional do projeto.
Mas não é tudo. A demonstração do modelo de "operação verde" do telescópio, o que significa que será baseado em energias renováveis, também será feito cá. Os testes nesse sentido, que terão igualmente de estar concluídos até ao final de 2019, começam ainda esta primavera, numa zona já definida no Alentejo.
Além de ser o maior do mundo, quando estiver construído, o SKA é um radiotelescópio e tem outra particularidade que o diferencia de todos os outros: vai estar distribuído por vários países. Numa primeira fase, até 2025, vão ser instaladas cerca de 200 antenas parabólicas com 15 metros de diâmetro cada, na África do Sul. Na Austrália vão funcionar outras 130 mil antenas de pequena dimensão. E como estes são ambos países com muitas horas de sol, isso vai ser aproveitado como fonte de energia para a operação das antenas, nomeadamente com a tecnologia solar fotovoltaica. É a demonstração deste modelo "verde" que dentro de poucas semanas começa a ser testado no Alentejo.
"Vamos instalar um conjunto de 256 pequenas antenas num raio de cem metros, e a ideia é com isso demonstrar que esta opção verde permite uma poupança muito significativa, de cerca de 13 milhões de euros, na própria construção do telescópio", adianta Domingos Barbosa.
Feita a demonstração, permanecem outras vantagens: "As antenas vão ficar no terreno, e funcionarão como infraestrutura científica que podemos utilizar em Portugal", explica o investigador.
Membro fundador da organização SKA, que vai construir e operar o radiotelescópio, de acordo com a própria organização, Portugal tem envolvidos no projeto cerca de 40 investigadores das universidades do Porto, Lisboa, Coimbra, Évora, Beira Interior e Aveiro - a coordenação está sediada em Aveiro, no Instituto de Telecomunicações - e ainda do Instituto Politécnico de Beja. Integram igualmente o consórcio nacional cerca de uma dezena de empresas, com quase 30 pessoas envolvidas.
A partir de 2023, já com a maior parte das suas antenas a funcionar de forma integrada, o observatório SKA promete levar o conhecimento do universo para um novo patamar, até porque este será o primeiro telescópio que "vai observar todo o céu, e não apenas algumas parcelas de cada vez", sublinha Domingos Barbosa.
Além disso, como é um radiotelescópio, as observações podem ser feitas em contínuo. "Não é preciso esperar pela noite, o telescópio não tem essa limitação, como os que usam a luz visível".
E depois esperam-se novidades em várias frentes. "Logo a partir de 2023, o SKA vai mapear todos os pulsares (estrelas de neutrões muito densas que emitem sinais de rádio com períodos muito precisos, que podem funcionar como referência para a navegação de satélites), vai procurar exoplanetas habitáveis na Via Láctea, na vizinhança do sistema solar, até uma distância 50 anos-luz da Terra, e vai ainda identificar mil milhões de galáxias, para construir o modelo mais fino de sempre da distribuição da matéria no Universo."
"Será um avanço gigantesco na ciência fundamental nesta área", explica Domingos Barbosa, sublinhando que "a instalação destas infraestruturas científicas em África vai contribuir para colocar aquele continente na linha da frente em termos científicos. Numa segunda fase do SKA, a partir de 2026, o observatório alargar-se-á a outros países africanos, nomeadamente a Moçambique, com a instalação de novas antenas, para continuar a crescer.