Aveiro ajuda a nascer o maior radiotelescópio do mundo
Se existisse um radar de aeroporto a 50 anos-luz, o Square Kilometer Array seria capaz de o detetar. Conhecido como SKA, o maior radiotelescópio do mundo será cinco vezes mais sensível e terá quatro vezes melhor resolução que o Very Large Array (VLA), o radiotelescópio que ficou célebre no filme Contacto. "É a maior infraestrutura científica do século XXI", assegura Domingos Barbosa, investigador do Instituto de Telecomunicações na Universidade de Aveiro e coordenador do consórcio português que participa no projeto. Aos portugueses foi entregue a liderança de grupos de trabalho científico e no design da ciberinfraestrutura para o gestor do telescópio - o seu "sistema nervoso".
São cerca de duas mil antenas espalhadas por milhares de quilómetros, que criam uma área coletora de um milhão de metros quadrados. Na primeira fase de construção, que deverá iniciar-se em 2019, o SKA vai estar na Austrália e na África do Sul e estende-se aos países vizinhos na segunda fase, cujo arranque está previsto para 2024/25. A primeira custará 670 milhões de euros, enquanto a segunda ascende aos 1200 milhões. "Este projeto é considerado o maior gerador de dados científicos. O volume de dados produzido será cerca de cinco a sete vezes o tráfego internacional de internet", frisa Domingos Barbosa.
Portugal é um dos 19 países envolvidos, num consórcio que junta as universidades de Aveiro, Porto e Évora, o Instituto Politécnico de Beja e o Instituto de Telecomunicações. Por cá, as primeiras atividades relacionadas com o SKA começaram em 2009. "Quando os nossos colegas holandeses quiseram usar Portugal como plataforma de ensaios para protótipos de antenas". Estas, mostra o investigador, têm a forma de orelhas de coelhos e uma grande vantagem: "São colocadas na vertical em agregados muito grandes, é fácil protegê-las e não é preciso manipulá-las mecanicamente". E porquê Portugal? "Porque a zona sul do País tem um clima semelhante à África do Sul".
Neste momento, adianta Domingos, Portugal tem dois tipos de atividade: "Participação e liderança nos grupos de trabalho científico; e participação na pré-construção do SKA, ou seja, trabalhar nas orientações do design para a construção do projeto, em particular na incorporação de tecnologias de informação. Lideramos também o design da ciberinfraestrutura para o gestor do telescópio".
É aqui que entra João Paulo Barraca, líder técnico da área. "Estou envolvido no design da infraestrutura de computação do consórcio Telescope Manager - os componentes que vão orquestrar o resto do telescópio", adianta o investigador do IT e docente da UA.
Domingos Barbosa prossegue: "É a plataforma que suporta o controlo das operações do telescópio, que faz as antenas apontarem para determinado objeto ou conjunto de objetos". É como se o resto do telescópio fossem "os membros de um corpo", esclarece João Paulo.
O Telescope Manager é "o único que tem uma visão integrada sobre todo o telescópio e consegue comandar todos os componentes". "É o maestro", acrescenta Diogo Gomes, investigador do IT e docente da UA, que integra a equipa. Ou "o sistema nervoso", simplifica Domingos. Esta participação, sublinha, terá retorno para a indústria. "A indústria vai poder desenvolver produtos que depois são usados para outros campos".
Coordenação de 12 consórcios
Entre os desafios, João Paulo Barraca destaca o facto de não ser possível avançar de forma isolada. "Qualquer avanço que façamos na nossa infraestrutura implica requisitos nos outros consórcios de maneira a garantir que toda a estrutura irá funcionar. São 12, no total". Por outro lado, existem desafios "ao nível da quantidade de dados que passa, que são exorbitantes comparados com o que existe".
Portugal, adiantam os investigadores, terá capacidade para albergar 2-3%, algo que será negociado com as agências nacionais. " Portugal está na ponta da Europa, mas no contexto global é onde chegam os cabos submarinos da infraestrutura do SKA. Somos porta de entrada dos dados nas infraestruturas digitais europeias", indica Domingos Barbosa. Desta forma, toda a sociedade beneficia da participação portuguesa no SKA, já que esta cria incentivos para que as empresas melhorem as infraestruturas e instalem mais capacidade de processamento de informação.
Sendo uma estrutura "multiusos e multiobjetivos", o SKA "tanto pretende mapear objetos cósmicos, como buracos negros como novos planetas". Requer, por isso, "tecnologias da inteligência artificial, formas inteligentes de extrair informação muito rapidamente". Tecnologias que, segundo Bruno Morgado, investigador da FCUP, podem ser aplicadas noutras áreas.
O SKA está orientado para responder aos grandes desafios da física. Chegará mais longe do que algum outro radiotelescópio. Permitirá, por exemplo, fazer a "carate- rização de condições de habitabilidade em planetas próximos". E até poderá permitir a "descoberta direta de vida extraterrestre."
Valério Ribeiro, investigador da UA, é especialista em transientes - "fontes cósmicas cujo brilho no céu (em rádio) muda rapidamente" - e, por isso, está mais focado na ciência. Com o Square Kilometer Array, o radiotelescópio "mais sensível do mundo", não há interferência da poeira interstelar, já que esta não afeta as ondas de rádio, e será possível atingir uma profundidade maior.
"Vamos descobrir uma nova população, possivelmente de Novas e outros objetos de fluxo transitório, que com telescópios óticos não é possível detetar na nossa galáxia", concluiu.
"Não são projetos pequenos que vão criar muito emprego científico"
Portugal tem cientistas, engenharia e indústria para responder aos grandes desafios. É esta a convicção de Domingos Barbosa, investigador do Instituto de Telecomunicações e coordenador da Infraestrutura de Investigação ENGAGE SKA. O Square Kilometre Array (SKA) é um projeto global de ciência e engenharia que visa construir o maior radiotelescópio do mundo.
Para Portugal, o que é que representa a participação neste projeto?
Representa o acesso a ciência de ponta e a dados que vão ter um impacto científico tremendo, assim como a uma nova estrutura das infraestruturas digitais globais. Temos de estar no centro destas infraestruturas. Portugal tem cientistas, engenharia e indústria para responder aos grandes desafios.
Na área da radioastronomia, o que é que já se faz no País?
Temos colegas que estudam objetos extragaláticos, como quasares e galáxias e como é que as galáxias se formaram ao longo de centenas de biliões de anos. Temos colegas que estudam, através dos sinais de rádio, como é que podemos enviar seres humanos para Marte da melhor forma e com o maior grau de proteção possível; como podemos proteger as nossas instalações na terra, antecipando as explosões e as tempestades solares. Estudamos os sinais provenientes dos primórdios do universo.
A nível mundial, o que se tem feito?
Há outras áreas, das quais gostaríamos de tirar partido do projeto para formar pessoas. Por exemplo, um dos temas mais quentes nas próximas décadas são os pulsares, estrelas neutrões que resultaram do colapso de uma estrela. Não têm a massa demasiado grande para ficarem em buracos negros, mas produzem sinais rádio muito fortes e com um período muito regular. Esse período varia com uma taxa extraordinariamente pequena, o que acontece pela emissão de ondas gravitacionais. Esta é uma área que está em crescendo a nível mundial e, curiosamente, temos especialistas portugueses, mas todos no estrangeiro. Queremos tirar partido do projeto para termos cientistas cá com sustentabilidade.
O que é que isso significa?
Significa criar condições para os ter cá, como bons salários e empregos decentes. A comunidade é pequena. A expansão só se pode fazer em função do tipo de projetos. Não são projetos pequenos que vão criar muito emprego científico. Por outro lado, temos de tirar partido do projeto para criar um perfil diferente de astrónomo, alguém capaz de explorar dados e de fazer engenharia. É este o desafio. O terceiro pilar é conseguir desempenhar tarefas para as quais a indústria portuguesa é sempre capaz de responder. O projeto tem de gerar ciência de ponta, criar emprego científico e promover avanço tecnológico, o que significa gerar retorno económico para a indústria.
É importante despertar nos jovens o interesse pela área?
Esta área é absolutamente sinérgica com um conjunto de áreas que usam ondas rádio: a deteção remota e as comunicações satélite. Vamos precisar de muitos jovens com competências nestas áreas. Temos a consciência que a maior parte dos jovens que se vão interessar pela área não irão fazer radioastronomia no futuro, mas esta área tem sido historicamente uma das melhores plataformas de aprendizagem.