PJ investiga ameaças de neonazis contra Mamadou Ba, deputadas e ativistas Antifa
A ameaça chegou nesta terça-feira à noite, sob a forma de e-mail, à organização SOS Racismo e à Frente Unitária Antifascista (que reúne vários grupos 'Antifa' de todo o pais). Tinha como remetente um movimento que se autoproclama nacionalista de ideais neonazis designado Nova Ordem de Avis - Resistência Nacional.
O texto nomeia dez pessoas, conhecidas pelo seu ativismo político antirracista e antifascista, entre as quais as deputadas do BE Beatriz Gomes e Mariana Mortágua, a deputada não inscrita Joacine Katar Moreira, o próprio dirigente do SOS Racismo, Mamadou Ba, e o ativista Jonathan Costa, da Frente Unitária Antifascista (este uma das vítimas dos skinheads recentemente acusados pelo Ministério Público de dezenas de crimes de ódio).
Os outros nomes são de figuras ligadas também a movimentos antirracistas, antifascistas (Antifa), sindicalistas e LGBT: Danilo Moreira, coordenador da Frente Unitária Antifascista (FUA) do Sul e dirigente sindical dos trabalhadores dos Call Centers; Rita Osório, ativista LGBT, coordenadora também da FUA sul e membro da Plataforma Antifascista de Lisboa e Vale do Tejo (PALVT); Vasco Santos, coordenador da FUA, candidato do MAS (Movimento Alternativa Socialista) e dirigente do sindicato da função pública do Norte; Luís Lisboa, músico e professor, membro do Núcleo Antifascista de Guimarães; e Melissa Rodrigues, membro do Núcleo Antirracista do Porto.
"Informamos que foi atribuído um prazo de 48 horas para os dirigentes antifascistas e antirracistas incluídos nesta lista, para rescindirem das suas funções políticas e deixarem o território português", escrevem os neonazis.
Caso esta determinação não seja cumprida, ameaçam que "medidas serão tomadas contra estes dirigentes e os seus familiares, de forma a garantir a segurança do povo português".
Concluem acrescentando que "o mês de Agosto será mês da luta contra os traidores da nação e seus apoiantes. O mês de Agosto será o mês do reerguer nacionalista".
A Polícia Judiciária (PJ), sabe o DN, já recebeu a denúncia e não perdeu tempo a abrir um inquérito para investigar e identificar os autores destas ameaças. A investigação está a ser coordenada pela Unidade Nacional de Contraterrorismo, que investigou também os skinheads.
Esta ameaça é mais uma etapa de uma escalada de situações contra os ativistas antirracistas e antifascistas, que, conforme tem sido noticiado, incluíram manifestações junto à sede do SOS Racismo, com participantes a imitar os membros do Ku Klux Klan (grupo racista que nasceu nos Estados Unidos para defender a supremacia branca) e ameaças escritas nas paredes.
Contactado pelo DN, Mamadou Ba, um dos visados, assinala que estas ameaças "são a consequência natural da escalada racista que o André Ventura tem protagonizado, dando legitimidade à ação terrorista dos grupos neonazis".
Para Mamadou Ba, "estas ameaças ultrapassaram todas as linhas vermelhas da disputa política porque representam um claro incitamento ao ódio e à violência".
Acrescenta que "quando uma organização de extrema-direita se permite fazer uma parada Ku Klux Klan em plena via pública e contra uma organização e os seus dirigentes, estamos perante uma ameaça direta à ordem constitucional".
Por isso, sublinha, "era expectável a PJ abrir inquérito. Esperamos que as diligências sejam céleres e permitam identificar os terroristas, levá-los a julgamentos e condená-los".
Jonathan Costa, que integra a Frente Unitária Antifascista, também não se mostra surpreendido com as ameaças. "Não são novidades para os ativistas antifascistas", afirma ao DN.
Lembra que "já no ano passado Mário Machado (ex-líder dos skinheads e fundador da nacionalista Nova Ordem Social, entretanto extinta) tinha publicado a foto da casa dos meus pais em clara ameaça aos meus familiares, tal como membros do Escudon Identitário (organização nacionalista) me tinham atacado frente a uma farmácia em Braga mesmo estando eu com a minha filha de apenas algumas semanas de idade".
Para Jonathan Costa, "estas novas ameaças vêm apenas confirmar o que denunciamos há mais de quatro anos, relativamente à radicalização dos grupos de extrema-direita, denúncias que foram claramente minimizadas e desacreditadas por muitas associações e partidos em Portugal".
O ativista espera que "este acontecimento permita à população portuguesa abrir os olhos sobre o perigo real com o qual nos confrontamos, ao nível de violência destes grupos, e que a PJ leve a sério estas ameaças e tudo faça para que os responsáveis sejam o mais rapidamente possível neutralizados".
E conclui: "Quero ressalvar que estas intimidações não vão ter qualquer impacto no nosso empenho nesta luta, continuaremos a ser a primeira linha da luta contra a extrema-direita, seja qual for o preço a pagar."
No início do mês, a Nova Ordem de Avis tinha enviado um outro e-mail ao SOS Racismo com uma espécie de "carta de apresentação", onde já estavam implícitas ameaças genéricas aos ativistas que defende direitos de minorias e dos trabalhadores.
Alegava que tinha sido criada a 25 de Julho de 2020 como "uma organização nacional, integrando uma nova milícia, que renasce em Portugal baseando-se na antiga Ordem de Avis (OA) e a Legião Portuguesa (LP)".
Diziam ainda ser "fruto da convergência das diferentes forças nacionalistas numa luta em comum contra as esquerdas empenhada a defender os traidores da Nação e o braço armado contra os nossos combatentes nacionalistas, a Antifa".