Uma certeza existe acerca do covid-19, a nova pneumonia viral que emergiu na China em dezembro e que está agora a espalhar-se rapidamente pelo mundo, e é a de que o novo coronavírus na sua origem, SARS-CoV-2 como foi oficialmente designado, é um poço de incertezas. Apesar de os médicos e os cientistas já terem aprendido muito sobre o novo coronavírus, em tempo recorde - em apenas sete semanas desde que se manifestou a nova doença fizeram uma primeira versão do seu genoma, desvendaram a estrutura de uma das suas proteínas-chave e há neste momento pelo menos 20 vacinas experimentais em desenvolvimento a partir dessa informação -, a verdade é que há muito ainda que não se sabe..Entre outras informações cruciais, desconhece-se qual é o seu reservatório original, a sua dinâmica de transmissão ou ainda todos os fatores de risco para a infeção. E isso acaba por se refletir no combate à doença, que tem de tomar sobretudo por base os conhecimentos sobre outras doenças respiratórias agudas e outros coronavírus, como os que causaram as epidemias de SARS em 2002 e de MERS em 2013, e basear-se em medidas de contenção para tentar travar a progressão da epidemia..A Organização Mundial da Saúde (OMS) classificou a atual situação como emergência global de saúde e elevou na última sexta-feira para "muito alto" o risco de contágio a nível global, mas não declarou a situação de pandemia (epidemia global) para o covid-19 - isso implica que haja cadeias de transmissão ativas da doença na maior parte das regiões do mundo e que 5% a 10% da população mundial fique infetada. Os especialistas, porém, já não têm grandes dúvidas de que a propagação do vírus, tal como está a ocorrer, parece encaminhar-se para aí.."O mais provável, e é para isso que temos de nos preparar, é que venha a ocorrer uma pandemia", afirma ao DN Filipe Froes, médico pneumologista, coordenador do gabinete de crise da Ordem dos Médicos e membro da task force da Direção-Geral da Saúde para infeção pelo novo coronavírus. O médico sublinha, no entanto, que "não é obrigatório" que isso aconteça. "Há mecanismos que estão a ser postos em prática, como a identificação de todos os doentes e dos seus contactos, bem como o seu isolamento para diminuir o risco de contágio, e que poderão ainda evitar que se chegue a uma situação de pandemia", nota..Já o virologista e investigador do Instituto de Medicina Molecular - João Lobo Antunes, da Universidade de Lisboa, Pedro Simas vê nesta altura como praticamente inevitável que se evolua para uma situação de pandemia. "Penso que o vírus vai tornar-se pandémico porque transmite-se muito bem e acaba por não haver maneira de o impedir", explica o especialista. A alta transmissibilidade do vírus está confirmada pela própria realidade. Mas é das poucas coisas que se sabe ao certo. No essencial, "não temos informação suficiente sobre o vírus", resume Pedro Simas.."Já se viu que não se consegue impedir o vírus de se propagar, então é preciso passar para a fase seguinte e tentar evitar ao máximo as deslocações. E depois, para tentar minimizar o impacto da doença, é preciso perceber tudo o que ainda falta perceber sobre o coronavírus, e isso tem de ser feito com informação científica", afirma o especialista. "Fechar fronteiras só cria pânico, até porque o vírus não precisa de passaporte para as atravessar", sublinha ainda, notando que "isolar cidades inteiras justifica-se quando existe um centro epidémico, como aconteceu na China, mas a partir do momento em que a doença já se propagou, isso não fará muito sentido"..O muito que não se sabe.Com o número de casos da doença a aumentar diariamente, a OMS agravou ontem para "muito alto a nível global" o risco de contágio. Nesta propagação intensa dos últimos dias fora da China, 24 dos casos foram exportados, por assim dizer, de Itália para outros 14 países, enquanto 97 casos "viajaram" do Irão para 11 países. O diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, fez, no entanto, questão de deixar uma nota positiva na conferência de imprensa desta última sexta-feira, em Genebra.."Ainda é possível neste momento traçar o rasto do contágio em relação à maioria dos casos identificados", disse Ghebreyesus, sublinhando que "não há ainda sinais de que o vírus esteja a progredir livremente nas comunidades". Enquanto for esse o caso, notou, "ainda temos a possibilidade de conter o vírus, se tomarmos medidas robustas para detetar rapidamente os casos, de os isolar, tratar, e de traçar o rasto aos seus contactos"..A outra frente de batalha terá de passar pelo estudo dos casos e da progressão da epidemia, bem como pela ciência do próprio vírus, que está ainda carregada de incógnitas. Na prática, como os especialistas da OMS resumiram no relatório sobre a sua recente missão à China, o desconhecimento sobre o vírus e a doença é ainda demasiado extenso. Não se conhece exatamente, por exemplo, a origem do coronavírus. Sabe-se que é zoonótico (oriundo de uma espécie animal e saltou a barreira de espécies) e que se assemelha ao que causou a epidemia de SARS em 2002 e 2003, que teve origem em morcegos. Mas para a SARS-CoV-2 isso não está confirmado, nem se sabe que outra espécie serviu de intermediária para que passasse a infetar humanos. O pangolim chegou a ser apontado, mas tal não está confirmado..Por outro lado, já se percebeu que a doença é facilmente transmissível, mas também aqui abundam perguntas sem resposta. Qual é exatamente o período de incubação? E será que todos os doentes ainda sem sintomas transmitem a doença nessa fase? E depois disso? Será que persistem vírus nas pessoas curadas e que elas podem continuar a transmiti-los? De que forma? Pelas gotas de saliva no ar, e a que distância do doente? Ou através de superfícies contaminadas? Ou também a partir de fezes e urina? E quanto tempo resiste o vírus fora do organismo?.Responder a estas e a outras perguntas, como a de se saber, por exemplo, porque parecem as crianças praticamente imunes ao vírus - serão mesmo, ou simplesmente têm infeções benignas tornando-se transmissoras silenciosas? -, será decisivo para se montar as estratégias mais eficazes no combate à doença.