Pandemia alterou hábitos de consumo de bacalhau mas sem grandes quebras nas vendas

Não há jantares de Natal entre amigos nem das empresas, mas o consumo de bacalhau está a sobreviver com relativo êxito à pandemia. As empresas do setor notam uma alteração de hábitos de consumo e as quebras serão menores do que o previsto. Há mesmo registo de um dezembro melhor do que o do ano passado nalgumas empresas.
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Entre as cerca de cinco mil toneladas de bacalhau que os portugueses deverão consumir na noite de consoada estará muito daquele que é transformado em território nacional. Apesar desta devoção ao bacalhau, não é nas águas portuguesas que se pesca aquele que é rei nas mesas da quadra natalícia. Importado de Noruega, Islândia, Gronelândia, Rússia ou Canadá, é aqui que é transformado e vendido para as grandes superfícies, para o retalho ou diretamente ao consumidor. E não obstante uma quebra na ordem dos 30% no canal Horeca (que regista a distribuição), o que as empresas do setor assinalam são sobretudo mudanças nos hábitos do consumo, o que não significa uma grande diminuição.

"Em 2020 as vendas de bacalhau registaram uma quebra importante no canal Horeca, em consequência das medidas de confinamento e da forte redução da atividade na restauração e no turismo. Mas registou-se, por outro lado, uma certa transferência de consumo para o retalho", revela ao DN Marilina Louro, responsável do departamento de marketing da Riberalves, a fábrica que hoje tem sede no Carvalhal, em Torres Vedras, mas cuja história começa a contar-se desde a década de 1960. Os últimos números de que a empresa dispõe são de setembro de 2020, no que respeita à análise ao retalho no mercado nacional. E são reveladores: "O bacalhau pronto a cozinhar cresceu 14,4% em valor, representando já 24% das vendas totais". Já o bacalhau seco, por outro lado, "cresceu apenas 4,3% - é a tendência de transferência de consumo a verificar-se, do bacalhau salgado seco para o bacalhau pronto a cozinhar".

Mas essa não é uma tendência uniforme no país, como se percebe pelas palavras de Joselito Lucas, administrador da Lugrade, que a partir de Coimbra abastece de bacalhau muito do pequeno comércio do país. "No nosso caso, notamos um aumento da procura do bacalhau seco. Talvez porque vendemos sobretudo para o comércio tradicional e não para os grandes grupos", explica ao DN um dos filhos do fundador da empresa, que acompanha porémo retrato geral: "Registamos uma quebra de vendas e uma redução do consumo, quando olhamos para todo o ano de 2020 e para os dados do canal Horeca. E se falássemos em novembro último ia dizer que estávamos com uma diminuição na procura, mas a verdade é que neste dezembro estamos com números acima dos do ano passado."

Joselito Lucas acredita que um dos impactos da pandemia se traduz nesse atraso de encomendas, pois "as pessoas ponderaram mais, demoraram a tomar decisões". Com a confirmação de que não haveria jantares de empresas ou os grandes encontros (almoços e jantares) de amigos que compunham o espetro do bacalhau à mesa, o comércio a retalho fez as contas de outra maneira, a pensar no que vai ser consumido em casa.

Na Riberalves, é certo que "as vendas acompanharam a tendência do mercado. Mesmo com o crescimento do bacalhau pronto a cozinhar no retalho, o impacto do canal Horeca (que em condições normais vale 30% das vendas da marca) é a principal razão para uma previsível quebra na faturação total, entre 12% e 17%", admite a mesma responsável. Em 2019, a Riberalves registou uma faturação de 154 milhões de euros. Apesar da pandemia, a empresa manteve o plano estratégico, "desde logo com o investimento previsto de cinco milhões de euros no aumento da capacidade de aprovisionamento de matéria-prima e no processo de cura portuguesa, tendo em vista a produção de bacalhau pronto a cozinhar (categoria de produto que já representa mais de 60% das vendas"; e um processo no qual, ao longo dos últimos 20 anos, a Riberalves investiu cerca de 40 milhões euros, naquela que é a maior unidade mundial de transformação de bacalhau - a fábrica Riberalves, na Moita.

Marilina Louro lembra que, em consequência da pandemia, a Riberalves "impôs a sua capacidade de resposta, logo em março, de modo que empresa pudesse prosseguir a missão de abastecimento de todos os canais, com uma proteína fundamental como é o bacalhau". De resto, a Riberalves nunca fechou. Tal como a Lugrade, entre as várias empresas que em Portugal se dedicam à transformação e à distribuição do produto.

Quando o governo decretou o confinamento, a meio de março, a empresa encetou uma espécie de regresso às origens, através de uma operação de distribuição de bacalhau porta a porta, na região de Lisboa, "procurando colmatar os constrangimentos na deslocação das pessoas". A responsável pela área do marketing sublinha que a operação, montada internamente, "potenciou a capacidade logística da empresa, que tem uma frota de distribuição própria na região; o sistema de encomendas foi complementado, depois, com a abertura da primeira loja online Bacalhau Riberalves".

Na região centro o nome da Lugrade soa familiar à maioria do comércio, da restauração, e até das instituições de solidariedade. Na semana passada foi notícia o antecipado almoço de Natal para a Casa dos Pobres, em Coimbra, numa refeição confecionada pelo chef embaixador da empresa, Diogo Rocha, que acaba de ver confirmada a estrela Michelin.

Apesar de manter uma ligação especial com aquela instituição de Coimbra, já desde o tempo do fundador (falecido há 11 anos), a Lugrade estende a sua responsabilidade social a um conjunto mais vasto de outras entidades. "Até ao dia de hoje oferecemos o equivalente a 17 500 refeições, mas até ao final do ano esse número deverá chegar às 20 mil", revela ao DN Joselito Lucas.

Entretanto, a Lugrade mantém aberta a loja da fábrica, todas as quintas-feiras, com uma clientela tão fiel como o bacalhau. Em 2020, em consequência da alteração do preço da matéria-prima, "o mercado ajustou-se, registando uma quebra nos preços", sublinha a Riberalves. Para o consumidor, esse terá sido um incentivo considerável, contrariando afinal a mensagem que parece estar subjacente ao velho ditado popular: para quem é, bacalhau basta.

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