Palacete Mendonça: o sítio onde Aga Khan vai receber chefes de Estado
Há uma aposta em jogo: em março, quando o DN visitou as obras ao Palacete Mendonça, Nazim Ahmad disse que os salões piso térreo estariam prontos para receber o príncipe Aga Khan, líder máximo da sua comunidade. É ele, representante diplomático do Imamat Ismaili em Portugal, quem tem supervisionado as obras desde que começaram. Conseguiu. As madeiras brilham, cheira a cera na antiga sala de refeições, os tecidos das paredes da sala Luís XV estavam a acabar de ser mudados há uma semana. "Faço questão de mostrar", diz. Hoje, será a vez do príncipe ver a futura sede.
Começa no parque de estacionamento. "Não há outro assim em Lisboa. Ainda não está acabado e já está uma perfeição", diz, comentando o betão à vista. As escadas que levam ao edifício? "Foram refeitas". As pedras da fachada do palacete? "Estavam negras!" Os brocados desta sala branca estilo império? "Estavam comidos do sol". E isto fora o jardim de inverno com azulejos de Manuel Gustavo Bordallo Pinheiro ou o lustre de grandes dimensões no salão nobre que foi restaurado na sede da Fundação Ricardo Espírito Santo.
Todas as disciplinas da escola de Artes Decorativas desta Fundação entraram neste projeto com o compromisso de "recuperar tudo" e só refazer caso não fosse possível restaurar. Nazim Ahmad tinha-o dito em março e repete-o agora. Dias antes da chegada do príncipe Aga Khan, havia gente a pendurar tecidos, gente a limpar, gente a retocar tinta, gente a trabalhar no jardim. Um buraco há três meses (literalmente), agora completamente tapado. É agora um espaço verde e amplo com plantas de várias espécies.
O salão nobre era, há uma semana, o mais completo. Num pequeno palco, uma cátedra francesa do século XVI, uma cadeira de madeira e um suporte para ler livros estavam virados para as cadeiras brancas. Tudo preparado para a pequena cerimónia religiosa que aqui terá lugar durante a visita oficial de Aga Khan, que decorre até 12 de julho.
Tudo é retirado em cinco, seis minutos, após a cerimónia. Enquanto os convidados tiram fotografias, 27 jovens desmontam e montam o que é necessário para a receção que aqui tem lugar.
Nazim Ahmad é o rosto da comunidade ismaelita em Portugal (entre 8 a 10 mil pessoas), a pessoa a quem coube receber Aga Khan assim que pisou Portugal e que esteve ao seu lado no Palácio de Belém na reunião com o Marcelo Rebelo de Sousa e esta terça-feira na Assembleia (uma agenda preenchida que impediu fotografá-lo no Palacete Mendonça). Nasceu em Moçambique e veio para Portugal em 1976. Diz que as relações do Imamat Ismaili com Portugal sempre foram boas. "Não é por acaso que quando sua Alteza assumiu a tarefa de imam, Portugal é o primeiro país a condecorá-lo". É história: Karim Aga Khan foi condecorado em 1960 pelo presidente Américo Thomaz. Foi a primeira das suas visitas, três anos depois de ter assumido a tarefa para a qual foi incumbido pelo avô Aga Khan III. Já conheceu cinco chefes de Estado em Portugal, como mencionou no discurso que proferiu na Assembleia da República.
A comunidade ismaelita portuguesa cresceu no final dos anos 70 com a independência de Moçambique. "Não tivemos dificuldade de integração, Moçambique era uma colónia portuguesa. Sabíamos tudo sobre a história de Portugal. Sabíamos o que era o Rossio, a Avenida da Liberdade, os rios, havia uma ligação muito forte. Quando a comunidade, aquela que nunca tinha vindo a Portugal chegou aqui, historicamente havia uma ligação forte. E a língua!", diz Nazim Ahmad. É uma ligação de gerações, 70, 100 anos.
A primeira visita de Aga Khan a Portugal após esse movimento migratório que coincide com a independência de Moçambique é em 1983, por ocasião do jubileu de prata. Encontrou-se com Ramalho Eanes e Pinto Balsemão, Presidente da República e primeiro-ministro. Nazim relembra as palavras do líder: "Make this country your home". Façam deste país a vossa casa. É uma máxima dos ismaelitas onde que quer que estejam, sublinha Nazim Ahmad. Mais: "É nossa política, da comunidade, manter o low profile".
Nazim Ahmad tem uma frase simples para explicar quem são os ismaelitas: "Um ramo dentro de um ramo do Islão". Uma pequena comunidade dentro da já pequena comunidade xiíta. "E a interpretação do corão que fazemos é mais aberta". São liberais? "Não vou deixar de dizer que somos." É forçoso falar do papel da mulher e recordar aquela que será uma das mais célebres declarações do anterior imam: "Pessoalmente, entre um rapaz e uma rapariga, daria educação à rapariga."
Outro motivo de orgulho: "Em termos de educação, temos um ratio mais alto de cursos superiores pelo esforço que fazemos para os pais darem educação aos filhos."
O papel de Aga Khan é dar diretivas aos seus fiéis, cerca de 15 milhões de pessoas em todo o mundo, entre 8 e 10 mil em Portugal. "O imam vai-nos atualizando. É importante o corão, mas também as diretivas materiais e espirituais do dia a dia."
Milionário, criador de cavadores e líder espiritual, Aga Khan, considerado descendente de Maomé, fundou a Rede para o Desenvolvimento com o seu nome. Reúne várias agências e trabalha a vários níveis - económico, social e cultural. Fatura anualmente 800 milhões de euros, que depois são redistribuídos. O príncipe tem participações em hotéis, uma companhia áerea e uma hidroelétrica no Uganda, entre outros pequenos negócios.
Em 2015, era Rui Machete ministro dos Negócios Estrangeiros, acordou transladar a sede do Imamat para Lisboa, que lhe ofereceu as condições que aceitou. Nazim Ahmad assegura que a relação com as forças políticas é boa - à esquerda como à direita. Seguiu-se a aquisição do palacete desenhado por Ventura Terra para o roceiro Henrique Mendonça, e a sua família, que ganhou o prémio Valmor de arquitetura em 1909. A recuperação pode chegar aos 20 milhões de euros e inclui os três hectares do jardim.
"Quando se pôs essa a possibilidade [de transferir a sede], Portugal deu as condições e Sua Alteza aceitou. Vai trazer benefícios às comunidades aqui e em todo o mundo e às comunidades onde as comunidades têm a sua presença", defende Nazim Ahmad.
"Perceberam que Portugal não é contra o Islão", diz Nazim Ahmad. O primeiro passo foi a aprovação da lei de liberdade religiosa, em 2009. "A partir desse momento, pode ver quantas embaixadas vieram para Portugal?"
Será em Portugal, sede mundial dos ismaelitas, que a Aga Khan receberá os chefes de Estado com quem o Imamat tem relações.
A inauguração, já com tudo pronto, está marcada para 2019. "O Imamat Ismaili irá começar a transferir algumas das suas atividades para o magnífio e histórico Palacete Mendonça. Ali, estabeleceremos o nosso departamento para os Assuntos Diplomáticos e o nosso departamento para as instituições do Jamat", referiu Aga Khan na Assembleia da República esta terça-feira, dia 10.