A 26 de junho deste ano, uma das notícias que marcaram o dia - dando origem a reações de vários quadrantes e perguntas ao ministro da Educação - foi um estudo sobre o ensino superior que chegou a duas conclusões fundamentais: os alunos mais pobres não conseguem entrar nos cursos que exigem notas mais altas e estudam sobretudo nos institutos politécnicos e, tomando como exemplo os cursos na área da Saúde, os dados mostram que 73% dos estudantes de Medicina são filhos de pais e mães que concluíram o ensino superior, ao passo que 73% dos de enfermagem são filhos de pais sem o ensino superior. Resumindo: a expansão do ensino superior não conseguiu diminuir as desigualdades socioeconómicas, pelo que é necessário intervir na promoção de iguais oportunidades de acesso e de sucesso..O estudo em questão, "A equidade no acesso ao ensino superior", foi desenvolvido pelo Edulog - o think tank sobre educação da Fundação Belmiro de Azevedo - e exemplifica na perfeição aquilo a que se propõem estas instituições, também chamadas de centros de pensamento, laboratórios de ideias ou grupos de reflexão: investigar sobre assuntos relevantes e produzir conhecimento credível que possa guiar o debate e políticas públicas. Um trabalho que Alberto Amaral, coordenador científico do Conselho Consultivo do Edulog, defende e é especialmente relevante em Portugal, onde muitas decisões políticas são ainda tomadas sem ter em consideração o estudo aprofundado dos problemas que se propõem resolver. "É muito característico e frequente que as decisões sejam tomadas com base no 'achismo'. Cada novo responsável político que chega faz uma série de mudanças sem ter estudos que suportem essas alterações e sem avaliar as políticas anteriores.".Mas o objetivo destes think tanks não se limita à produção de conhecimento. Uma das grandes diferenças entre estes centros de pensamento e os centros de investigação académica está no esforço que os primeiros fazem para fazer chegar esse conhecimento a quem interessa e, por isso, apostarem muito na comunicação. "Para divulgar o conhecimento, não basta publicar em revista científicas, que são canais muito fechados e lidas sobretudo por outros académicos", defende Alberto Amaral. No caso do Edulog, o responsável explica que além da ponte que é feita com os meios de comunicação social, a documentação produzida é enviada ao ministro, são organizadas conferências e debates e existe um portal de base colaborativa que divulga recursos digitais para apoiar os professores..Linguagem acessível."Num think tank a informação produzida tem o mesmo rigor, mas como o objetivo é divulgar os resultados, isso implica usar uma linguagem mais acessível e clara que não pode ter tantos detalhes técnicos", explica Joana Andrade Vicente, diretora executiva do Institute of Public Policy (IPP), um think tank independente e apartidário nascido no Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG)..Isso é particularmente importante no caso do IPP, já que o instituto se dedica a analisar questões relacionadas com a política económica e as finanças públicas, tópicos particularmente difíceis de compreender para quem não tem formação nessas áreas. "O Orçamento de Estado, por exemplo, é importante para todos nós e influencia muito as nossas vidas, mas é complicado para o cidadão comum pegar num relatório técnico com 250 páginas e compreender realmente o que está lá escrito. Neste ano, em parceria com o próprio Ministério das Finanças, fizemos consultoria para realizar o 'orçamento cidadão', uma versão menos técnica e mais "amigável", no qual é explicado numa linguagem clara quais vão ser as políticas aplicadas e como é que isso vai influenciar a vida das pessoas", exemplifica..E quando o objetivo é fazer chegar a informação às mãos certas, não há como envolver os protagonistas. "Temos um projeto chamado Budget Watch, em que analisamos o Orçamento do Estado à luz do rigor e da transparência, ou seja, avaliamos se a informação que está lá é suficiente ou se há dados em falta que deviam estar publicamente disponíveis. No fim desse projeto fazemos uma conferência e temos conseguido ter sempre presente o secretário de Estado do Orçamento", explica a responsável do IPP..A questão dos dados disponíveis é, segundo Joana Andrade Vicente, um dos maiores obstáculos ao trabalho que desenvolvem e um dos aspetos em que o país deveria melhorar. "Há uma grande dificuldade no acesso a microdados. Há uns anos tentámos fazer um grande estudo sobre o sistema de pensões em Portugal e não pudemos completar o trabalho porque nunca tivemos acesso aos microdados necessários - neste caso, às pensões das pessoas.".O termo think tank nasceu do jargão militar durante a Segunda Guerra Mundial: era usado para descrever um sítio seguro (tank) onde fosse possível refletir e discutir (think) as estratégias a pôr em prática no campo de batalha. O significado começou a mudar só nos anos 1960 quando, nos EUA, algumas organizações de investigação sem fins lucrativos se apropriaram do termo para se definir. Desde então, chegar a uma definição fechada e universal tem sido difícil. O Think Tanks and Civil Societies Program (TTCSP) da Universidade da Pensilvânia, que conduz estudos sobre o papel destas estruturas desde 1989, define-os como organizações de investigação, análise e aconselhamento que atuam como uma ponte entre a comunidade académica e a formulação de políticas públicas, permitindo tanto aos decisores políticos como aos cidadãos tomar decisões informadas..Acontece que o conceito é suficientemente amplo para abarcar muita coisa e estes centros de pensamento ou de reflexão podem ser independentes, estar integrados numa instituição académica ou organização não governamental, mas também podem estar associados a um governo ou a um partido político. Por isso, nos últimos anos - e sobretudo nos EUA, onde há um think tank a cada esquina -, a sua credibilidade tem sido questionada..Fora das estruturas partidárias.Alguns são acusados de produzir informação enviesada e instrumentalizada que visa não o bem comum, mas uma agenda económica, política ou partidária. "Essa ideia de falta de isenção e rigor nasce precisamente do facto de haver estruturas partidárias que se autodenominam de think tanks. E nesse caso é difícil acreditar que são independentes. Apesar de autonomia ser uma característica que está na maioria das definições, o conceito não é estanque, não tem enquadramento legal e, por isso, qualquer um pode autointitular-se assim", defende Joana Andrade Vicente, do IPP. E talvez seja isso que leva várias instituições que cabem no conceito de think tank - como é o caso da Fundação Francisco Manuel do Santos (FFMS) ou do Instituto Português de Relações Internacionais (IPRI-NOVA) - a preferirem não usar o termo para se definirem..Muitas vezes ligados a universidades ou a centros de investigação académicos, os think tanks contribuem para desmistificar a ideia da academia como um meio fechado sobre si mesmo, com pouca ligação ao mundo exterior e à vida das pessoas. "A academia, além de existir para educar e formar, também tem a responsabilidade de atender às necessidades das comunidades e de contribuir para políticas públicas mais adequadas", diz Rita Ribeiro, uma das coordenadoras do Communitas - o think tank do Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade (CECS), da Universidade do Minho. Assim, sempre que possível, o centro trabalha com decisores políticos: produziu, por exemplo, o Referencial de Educação para os Media, o documento que define os conteúdos a abordar na área da educação para os media - usado da pré-escola ao ensino secundário..A criação do Communitas resulta do compromisso do CECS com a ideia de ciência aberta, procurando fazer transferência de conhecimento para a comunidade. E isso passa "por combater a informação superficial, apressada e, por vezes distorcida, que sabemos que é um dos problemas das sociedades digitais", diz a socióloga. E essa, acredita, é uma questão que talvez nunca se tenha posto de forma tão urgente como hoje, numa altura que "os valores da democracia, da inclusão social e do combate à injustiça estão em risco.".Porque o papel dos think tanks, mais do que disponibilizar aos decisores o conhecimento necessário para decidir e legislar, passa por disponibilizar às comunidades os instrumentos para pensarem de forma crítica. "Seja no que toca às alterações climáticas, às fake news ou a qualquer outro assunto, é necessário dar às pessoas instrumentos sólidos para estarem bem informadas e reivindicarem melhores soluções. É preciso empoderar as pessoas.".(Artigo publicado originariamente na edição impressa do DN de 28 de dezembro, especial aniversário)