Orçamento suplementar. É desta que o PCP vota contra?
Havendo praticamente a certeza de que o PSD, abstendo-se, viabilizará o Orçamento suplementar deste (OS 2020) , o PCP ensaia um movimento de afastamento em relação ao PS. Todos os sinais indicam que, desta vez, o PCP votará contra a proposta governamental.
Ora isto já não acontecia desde o primeiro orçamento que António Costa, já enquanto primeiro-ministro, apresentou no Parlamento, em dezembro de 2015 - um orçamento retificativo ao que estava em vigor (ainda aprovado no tempo de Passos Coelho) para acomodar nas contas do Estado a resolução do Banif. Nessa altura foi a abstenção do PSD que salvou Costa.
Os partidos que viriam a entender-se com o PS na geringonça - BE, PCP e PEV - votariam então contra. Mas daí em diante, até ao orçamento que está atualmente em vigor (OE 2020), esses três partidos abstiveram-se sempre. Isso permitiu ao PSD, primeiro ainda com Passos Coelho e depois com Rui Rio, ir sempre votando contra.
Agora tudo aponta para que a aritmética da aprovação orçamental venha a ser outra: o sistema desloca-se da esquerda para o centro. PS e PSD viabilizam o orçamento. E à esquerda pelo menos o PCP volta a votar contra. Nem o BE, nem o PEV ou o PAN anteciparam ainda os respetivos sentidos de voto. Aliás, na verdade, nem o PCP.
Os comunistas, aliás, já disseram expressamente que essa transferência de equilíbrios daquilo que era a 'geringonça' para o que pode vir a ser o "bloco central" (entendimento PS+PSD) poder estar em curso.
Fizeram-no, por exemplo, no comunicado emitido domingo (28 de junho) depois de dois dias de reunião do Comité Central do partido, no qual lançaram o "alerta" para "o processo de rearrumação de forças políticas posto em marcha, em que o atual Presidente da República se tem empenhado para branquear o PSD, a política de direita e as suas responsabilidades, visando promover a sua reabilitação política e reconduzi-lo para um papel de cooperação intensa com o PS, que procura assegurar as condições para a chamada política de "bloco central", formal ou informalmente assumida, que marcou o País nas últimas décadas".
Nessa mesma reunião do Comité Central, os comunistas deixaram pistas suficientes para se poder arriscar um prognóstico de voto contra. O "dossiê" das negociações com o Governo não está fechado mas desta vez o ponto de partida parece ser diferente.
"Até ao lavar dos cestos é vindima", disse Jerónimo de Sousa no domingo, ao apresentar as conclusões do Comité Central. Mas isto só depois de sublinhar que "se não for alterado" o sentido da proposta do executivo, com reforço das componentes sociais e laboral, então haverá "um problema sério".
"Não decidimos ainda, mas a nossa decisão passará em concreto pela expressão das medidas que o PS resolva avançar para concretizar esses objetivos. É uma questão de opção, não decidimos e não queremos precipitar o resultado, tendo em conta que ainda está presente a discussão na especialidade."
O que está em causa, assim, é o PS acolher na propostas de lei dos comunistas. "Se essas propostas não tiveram expressão, então o PS assume uma grave responsabilidade para encontrar as respostas necessárias que são urgentes para os trabalhadores e para o país."
E quais são então as propostas que o PCP quer ver consignadas? No comunicado do Comité Central estão elencadas algumas.
- Pagamento dos salários a 100% no lay-off.
- Proibição dos despedimentos.
- Apoio aos rendimentos dos micro empresários e empresários em nome individual.
- Apoio aos sócios-gerentes.
- Melhoria das condições de acesso ao Subsídio Social de Desemprego e ao RSI (rendimento social de inserção).
- Apoio de 438,81 euros para os trabalhadores independentes que ficaram sem qualquer rendimento.
O argumentário comunista que justificará um eventual voto contra já está estabelecido: o PS mudou de políticas, invertendo-as. Passou de uma política em que ia aumentando os direitos e rendimentos das pessoas - mesmo que "insuficientemente", segundo o PCP - para uma política onde, à boleia da pandemia, prevalece "a insistência na desvalorização dos salários e de outras remunerações", "o prolongamento do corte nos salários a centenas de milhar de trabalhadores" e ainda "uma manifesta insuficiência de investimento público para dinamizar a atividade e criar emprego".
A linha vermelha é esta e está estabelecida - mesmo que Jerónimo de Sousa vá repetindo que não gosta da expressão "linha vermelha". As votações na especialidade começam nesta terça-feira. A votação final global será na sexta-feira. O espírito da geringonça está definitivamente em risco.