O país onde o rei emprestou o seu avião privado para salvar a primeira vítima de covid-19
Numa manhã fria de início de março, Bert Hewitt dava entrada num hospital de Thimphu, a capital do Butão. O reformado americano de 76 anos, apaixonado por caminhadas e escalada, queixa-se de dores no estômago e falta de ar. Feito o teste, o diagnóstico não deixava margens para dúvidas: esta encontrado o primeiro doente de covid-19 no pequeno reino dos Himalaias, entalado entre gigantes como a Índia e a China.
A salvação chegaria dias depois, quando o rei Jihme Khesar Namgyel Wangchuck, o homem que dirige aquele que é conhecido como o país mais feliz do mundo desde 2006, ofereceu o seu avião pessoal para repatriar o turista americano para o seu país.
A deteção do primeiro caso de covid-19 lançara o pânico entre as autoridades do reino, mas acabou por se revelar o início de uma história de sucesso.
A paixão de Brett pela escalada já o levara a viajar um pouco por todo o mundo. Este ano, e depois de sobreviver a um cancro, o físico americano decidira levar a mulher, a psicóloga Sandi Fischer, até um dos seus destinos de sonho: o Butão. E o pequeno reino (tem menos de 800 mil habitantes) tem tudo para fazer sonhar: paisagens idílicas, uma jovem família real cujos trajes tradicionais coloridos fazem as delícias dos fotógrafos, uma economia em rápido crescimento, níveis baixíssimos de corrupção e o orgulho de terem criado o índice de Felicidade Interna Bruta, que lideram.
A viagem de Brett e Sandi começou a correr mal a 4 de março, pouco depois de chegarem ao Butão vindos da Índia. Perante os estranhos sintomas do marido, a psicóloga decidiu levá-lo ao hospital. Apesar de até àquele momento não ter havido casos de covid-19 no país, os médicos decidiram fazer-lhe o teste. Horas depois vinha o resultado: positivo.
"A ordem de Sua Majestade foi que lhe fossem dados todos os cuidados possíveis", explicou ao The Washington Post Dechen Wangmo, ministro da Saúde do Butão, formado em Medicina, tal como o primeiro-ministro butanês, acrescentando: "Toda a nação estava a rezar por Brett".
Isolado com a mulher numa ala moderna do hospital, Brett recebeu do monarca um par de pijamas azuis e uma coberta de seda para que se sentissem mais confortáveis. Os telefonemas a inquirir como estavam também eram comuns, com o rei a querer saber mais sobre os gostos e o trabalho do casal americano. "Foi encantador", garantiu Sandi ao mesmo diário americano, recordando que Jihme Khesar Namgyel Wangchuck lhe disse esperar um dia falar com Brett sobre buracos negros".
Mas à medida que o tempo passava, o americano iam piorando, com os médicos a ter de o ligar a um ventilador. Nos EUA, os filhos iam tentando obter apoios para o repatriar, mas a 14 de março foram o próprio rei do Butão quem disponibilizou o seu avião privado, já equipado com toda a tecnologia médico necessária, para levar Brett de volta aos EUA.
Chegado ao seu país, o físico foi internado no Centro Médico de Baltimore, onde viria a recuperar ao fim de umas semanas. "O que fizeram por si no Butão salvou-lhe a vida", garantia-lhe um dos médicos quando recuperou os sentidos.
Brett foi portanto o primeiro caso de covid-19 no Butão. E perante este alarme, o reino tomou medidas drásticas, isolando todos os que tinham contactado com o americano, decretando o confinamento da população e o encerramento das fronteiras. Os resultados foram muito positivos: até hoje o reino apenas teve 21 casos registados do novo coronavírus e não regista nenhum morto.
Extremamente popular tanto no seu país como entre os seguidores de casas reais por esse mundo fora, enternecidos pela sua história de amor com a rainha Jetsun, com a qual prometeu casar quando ela era ainda uma criança, o rei Jihme surge assim como o herói improvável desta história. E a acrescentar à fama de país mais feliz do mundo, o Butão ainda anunciou o nascimento do segundo filho do casal real já após a OMS ter declarado a pandemia de covid-19.