O hotel da discórdia no património de Sintra
A paisagem cultural de Sintra poderá estar em risco de deixar de ser considerada Património da Humanidade, estatuto que goza desde 1995. Essa é uma das conclusões do "Relatório do Património Mundial em Risco 2016-2019", efetuado pelo Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (ICOMOS), consultor da UNESCO que aborda a situação em 23 países.
De acordo com este organismo, as diretrizes da Convenção do Património Mundial não estão a ser seguidas em Sintra devido ao projeto da construção do Turim Palace Hotel, unidade hoteleira de cinco estrelas na zona da Gandarinha, à entrada do centro histórico da vila.
Basílio Horta, presidente da Câmara Municipal de Sintra, garante ao DN que "isso é um completo disparate", sublinhando que a ICOMOS "é meramente um consultor da UNESCO, sem qualquer poder de decisão". O autarca garante que a câmara "cumpriu todos os requisitos, apresentando o Plano de Gestão da Paisagem Cultural à UNESCO".
Marco Almeida, vereador do PSD em Sintra, quer ver discutido o assunto na próxima reunião do executivo da edilidade, agendada para o dia 26. "Tivemos acesso informal ao relatório e depois de o analisarmos, enviámos um requerimento ao Dr. Basílio Horta. Queremos perceber se a câmara tinha tido conhecimento prévio do relatório. E se isso aconteceu, por que razão não partilhou a informação com os vereadores. Podemos estar perante um caso de ocultação de informação", acusa.
Marco Almeida refere que "será igualmente importante perceber se, tendo conhecimento do relatório, a câmara fez alguma coisa para o contradizer, quando está bem explícito que a única coisa que coloca em causa o estatuto de Património da Humanidade de Sintra é a construção do Hotel da Gandarinha, que tem sido defendida de forma acérrima pelo Dr. Basílio Horta".
Marco Almeida acrescenta que os vereadores do PSD "têm alertado, em sucessivas reuniões para os problemas do centro histórico, quer de âmbito cultural, do turismo e da mobilidade".
O projeto de construção do hotel de cinco estrelas na zona da Gandarinha, aprovado em 2005, na presidência de Fernando Seara, tem estado envolto em grande polémica. A obra está embargada desde fevereiro de 2019, quando a câmara anunciou "a deteção de desconformidades com o projeto que tinha sido aprovado e licenciado".
Em outubro de 2020, a Direção-Geral do Património Cultural (DGPC) acabou por dar um parecer favorável à obra... mas apenas parcial. Na altura, a DGPC sustentou que "os problemas levantados nos pareceres técnicos de arquitetura, arqueologia e paisagismo foram corrigidos e esclarecidos parcialmente". "Ainda não existe uma decisão definitiva da DPGC e só quando esta entidade der um parecer favorável é que o projeto será desembargado", sustenta Basílio Horta.
A construção deste hotel com cem quartos tem sido criticada pelo movimento de cidadãos QSintra. Em carta enviada ao presidente da autarquia no final de novembro último, este grupo de pessoas pediu "a "demolição de tudo o que é intolerável no mono já construído na Quinta da Gandarinha", sustentando estarmos em presença de um "crime paisagístico, com a complacência da câmara, do Ministério da Cultura e do Ministério Público".
O movimento entende que a demolição do que já foi construído na Quinta da Gandarinha "daria coerência à estratégia camarária de condicionamento do trânsito no centro histórico e daria uma excelente aplicação ao dinheiro dos contribuintes e ao folgado orçamento municipal".
O Relatório do Património Mundial em Risco é publicado desde há 20 anos e pretende alertar para os monumentos e paisagens culturais em perigo. As conclusões surgem depois de analisada a informação das representações dos comités científicos nacionais do ICOMOS e do programa europeu Europa Nostra. Portugal é um dos 23 países em "alerta vermelho" no último relatório, juntamente com nações como Alemanha, Austrália, Áustria, Espanha, Estados Unidos, França, Índia, México, Nepal, Países Baixos, Peru, República Checa, Roménia e Turquia.
No nosso país, também são apontados a dedo o centro histórico do Porto e o Mosteiro de Alcobaça. No primeiro caso, devido à construção de restaurantes na Estação de São Bento, num projeto da revista Time Out. No segundo, devido ao projeto para um hotel em espaços pertencentes ao mosteiro.