Na semana de todas as fronteiras, Lisboa continua a marcar impacto da covid-19 em Portugal
Os números de infetados por covid-19 na região de Lisboa e Vale do Tejo, afinal, podem vir a ser superiores aos que foram revelados nos boletins epidemiológicos dos últimos dias em que chegaram a descer abaixo das 200 infeções diárias - o dia com menos casos foi terça-feira, quando se registaram 188 novas infeções. Quase metade dos divulgados ontem pela ministra da Saúde: das 374 novas infeções registadas nas últimas 24 horas, só 300 foram na área de Lisboa.
Em nome da transparência, Marta Temido explicou que se detetou que nos últimos três dias houve 200 casos laboratorialmente - por um parceiro privado - que não foram contemplados no boletim porque "ainda precisam de análise e adequada distribuição" pelos dias da semana.
"Os números não são ainda aqueles que gostaríamos de ter e temos de continuar a empenhar o nosso melhor esforço para diminuir a progressão epidémica", lamentou a ministra. Que reconheceu que situação epidemiológica do país continua marcada pela "força do impacto" da região de Lisboa e Vale do Tejo, mais concretamente na zona da Área Metropolitana de Lisboa, onde há 7929 casos ativos (no país são 43 156 pessoas infetadas e 1598 vítimas mortais, 11 nas últimas 24 horas).
Lisboa tem-se revelado um problema para as autoridades nos últimos tempos. E isso já teve reflexos políticos - a semana começou, aliás, com o presidente da Câmara de Lisboa a criticar a gestão da crise sanitária em Lisboa, onde os números de infetados significam diariamente mais de 80% do total nacional de infetados. "Com maus chefes e pouco exército não é possível ganhar esta guerra", disse Fernando Medina. E acrescentou: "É uma nota direta a todos os responsáveis relativamente a esta matéria, que é preciso agir depressa. Ou há capacidade de conter isto rapidamente ou então têm de ser colocadas as pessoas certas nos sítios certos."
Dias depois esclareceu que estava a referir-se diretamente às chefias - logo, não à ministra -, mas não deixou de dizer que "é preciso fazer mais e melhor". A interrupção da realização de testes ao fim de semana é uma das falhas que o autarca da capital aponta. Ainda antes do esclarecimento de Medina, a ministra da Saúde acusou o toque e respondeu que era preciso acabar com a "má-língua" ao mesmo tempo que afirmava que a situação não está descontrolada em Lisboa.
A verdade é que os surtos de covid-19 na região de Lisboa levaram o governo a tomar medidas específicas, fazendo que Portugal passasse nesta semana a desconfinar a três velocidades: há regras aplicadas à generalidade do país, à Área Metropolitana de Lisboa e regras mais restritas para as 19 freguesias de Sintra, Loures, Amadora, Odivelas e uma de Lisboa onde a situação é mais grave. As medidas entraram em vigor na quarta-feira e prolongam-se até dia 14.
A semana foi pautada por um ato simbólico, a abertura das fronteiras entre Portugal e Espanha, no mesmo local onde a história regista a troca de princesas que se casariam com os príncipes herdeiros de cada um dos países. Aliás, se se tivesse de escolher um "apelido" para a semana que termina seria "a semana das fronteiras" - escancararam-se as da Península Ibérica e a União Europeia também abriu as suas fronteiras a 15 países extracomunitários. Mas há barreiras que se mantêm e essas têm que ver não com uma fronteira física, mas com o facto de o Reino Unido não ter contemplado Portugal continental no seu corredor turístico, com exceção para as ilhas da Madeira e dos Açores. Uma lista que inclui 59 países para os quais os britânicos poderão voar sem necessidade de ficarem 14 dias em quarentena no regresso a casa. Espanha, Alemanha, Grécia, Itália, Macau e Jamaica, por exemplo, estão livres das restrições.
Esta decisão do governo de Boris Johnson representa uma machadada para o turismo nacional, uma vez que o Reino Unido é o principal mercado emissor de Portugal, tendo representado 19,2% das dormidas de estrangeiros em 2019 - desde 2013 que está em crescendo, tendo sido apenas interrompido em 2018. Os destinos preferenciais dos britânicos foram o Algarve (63,4% das dormidas do mercado), a Madeira (18,5%) e a Área Metropolitana de Lisboa (10,8%). O fim da quarentena para quem entra no Reino Unido vindo dos países incluídos no corredor aéreo entra em vigor no próximo dia 10.
Um dos momentos simbólicos desta semana, já se disse, foi a reabertura das fronteiras dos dois países ibéricos, que as autoridades políticas fizeram questão de assinalar com pompa e circunstância. Da parte portuguesa compareceram na fronteira do Caia (Elvas-Badajoz) o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e o primeiro-ministro, António Costa; da parte espanhola marcaram presença o rei Felipe e o chefe do governo, Pedro Sánchez.
Desde as 23 horas de 16 de março que as fronteiras estavam encerradas, apenas com pontos estratégicos abertos para permitir a passagem de transportes de mercadorias e trabalhadores. Desde então multiplicaram-se as reportagens a contar histórias de portugueses que vão às compras ou encher os depósitos dos carros a Espanha onde os combustíveis são mais baratos, ou das reservas de espanhóis nos restaurantes portugueses para comer marisco.
Foi um encontro de "irmãos e amigos", como lhe chamou António Costa: "Portugal e Espanha voltaram a ser vizinhos muito próximos. A Europa hoje precisa de mensagens positivas e a abertura das fronteiras é uma."
A União Europeia divulgou também a lista de 15 países extracomunitários cujos cidadãos podem entrar no espaço europeu desde 1 de julho - Estados Unidos, Rússia e Brasil estão de fora.
Cidadãos de Argélia, Austrália, Canadá, Coreia do Sul, Geórgia, Japão, Montenegro, Marrocos, Nova Zelândia, Ruanda, Sérvia, Tailândia, Tunísia, Uruguai e China (sujeita a confirmação de reciprocidade) estão autorizados a entrar no espaço comunitário.
Mas também da Europa veio um alerta: a comissária europeia da Saúde disse, em entrevista ao DN e à TSF, que "o exemplo de Portugal na covid-19 mostra muito claramente como a situação é frágil". Stelly Kyriakides defendeu que a retoma das viagens requer cuidados redobrados, dado o potencial aumento das infeções.
"Penso que o exemplo de Portugal mostra muito claramente como a situação é frágil. E, em regiões mais ou menos inatingidas até agora, estamos a assistir a um aumento no número de casos. A minha responsabilidade como comissária para a Saúde e o meu dever é manter-me realista, olhar para a ciência e assegurar-me de que todos percebem que a covid-19 ainda está connosco. Ninguém pode dizer como as próximas semanas e meses vão desenrolar-se. Certamente não estamos onde estávamos em janeiro e fevereiro, quando os casos apareceram pela primeira vez. Mas precisamos de estar vigilantes e, quando necessário, tomarmos medidas para proteger os cidadãos", afirma a comissária.
Se Marta Temido afirma que os números ainda não são os que gostaria de ter, a Organização Mundial da Saúde (OMS) alerta que "o pior ainda está por vir". E apontou a politização da pandemia como um fator de divisão que é aproveitado por um vírus "rápido e assassino".
No dia em que se assinalaram seis meses desde que a OMS recebeu os primeiros relatos sobre casos de pneumonia inexplicados na China, Tedros Ghebreyesus afirmou que "a realidade é que isto ainda está longe de acabar". Mais: "Globalmente, a pandemia está a acelerar." E os números não mentem - cerca de 530 mil mortos e mais de 11 milhões de infetados em todo o mundo.
Número de pessoas infetadas pelo novo coronavírus, desde o início da pandemia, já ultrapassa as 43 mil.
Segunda-feira
Infetados: 41 912
Mortes: 1568
Internados: 489
Cuidados intensivos: 71
terça-feira
Infetados: 42 141
Mortes: 1576
Internados: 491
Cuidados intensivos: 73
Quarta-feira
Infetados: 42 454
Mortes: 1579
Internados: 503
Cuidados intensivos: 79
quinta-feira
Infetados: 42 782
Mortes: 1587
Internados: 510
Cuidados intensivos: 77
sexta-feira
Infetados: 43 156
Mortes: 1598
Internados:495
Cuidados intensivos: 72