Rentrée que é rentrée conta com o MOTELx, o festival que traz terror e o cinema de extremos à capital. Este ano celebra-se a 15.ª edição, mas trata-se já de um evento que não é adolescente, mas sim bem adulto na sua forma e gesto. Cinema para fãs de um género mas sempre com uma disponibilidade de olhar a diversos registos e contaminações. Num ano ainda a lidar com os efeitos da pandemia, o São Jorge terá certamente casas com lotação esgotada de público com máscara. Isto se se confirmar a habitual tendência de ser o evento de cinema com maior média de espectador por sala. Curiosamente, mesmo com esse entusiasmo do público, o festival nunca quis dar um passo maior do que a perna - continua a ter uma duração de apenas seis dias, uma concentração de qualidade em vez de quantidade. E, na teoria, o cardápio deste ano parece nada devedor das melhores edições deste alojamento de sangue e tripas..Se já em 2020 as salas do São Jorge tiveram casas cheias, a direção do festival conta ao DN que neste festival a experiência coletiva conta muito: "Tudo depende da popularidade do género e principalmente da experiência coletiva. O efeito catártico do terror não funciona tão bem sem estes elementos. É reconfortante saber que ainda há tanta gente a preferir a sala de cinema em vez da sala de casa". Na verdade, o verdadeiro habitué do festival sabe que o ambiente em setembro na Avenida da Liberdade inclui gargalhadas em cenas "gore", aplausos após desmembramentos e euforia nos saltos da cadeira durante as cenas dos sustos. Acima de tudo, organização e frequentadores, mesmo levando a sério tudo isto, mantém sempre um humor muito especial perante vampiros, serial killers ou zombies. Um humor que se encontra também na comunicação do festival, capaz de veicular um menu dos filmes no Instagram onde são divididos como "extra-forte", "forte" e "normal", sendo que nos mais lógicos de chocar está o imenso Audition, do japonês Takashi Miike, programado numa secção chamada Fúria Assassina: Mulheres Serial Killer, na qual se escolhem filmes onde as mulheres não são as vítimas. Uma ótima ideia que terá também um debate.."A pandemia afetou todo o sector, não apenas este género em específico. Principalmente ao nível do modelo de negócio que já estava em transição por causa dos serviços de streaming, e está a provocar mudanças ao nível da exploração dos títulos. Mas não parece que o terror sofra ao nível económico grande efeito, em especial porque continua a ser o género favorito em tempos de crises e começa agora a afigurar-se como género essencial para compreender a realidade em que estamos inseridos. Basta ver como estão a estrear cada vez mais filmes de terror em grandes festivais, e nalguns casos, até a vencê-los", João Monteiro, um dos diretores do festival, diz isso a pensar em Parasitas, de Bong Joon Ho e A Forma da Água, de Guillermo Del Toro..E se este ano há um olhar sobre a posição feminina no seio do género, tendo inclusive a atriz Sónia Balacó sido escolhida para o spot promocional e símbolo visual do festival, o tal menu começa a impressionar com o filme de abertura da sessão inaugural, The Green Knight- A Lenda do Cavaleiro Verde, de David Lowery, conto de aventuras assombradas em tempos de Camelot. Uma abertura de peso com um filme muito esperado, mesmo não estando à altura de História de um Fantasma (2017), a sua obra-prima..Nem de propósito, Maligno, de James Wan, estreia da Warner Bros esta semana, está fora das escolhas do Cineclube de Terror de Lisboa, a entidade que organiza o MOTELx. Um desvio ao mainstream? Uma questão de gosto? Não deixa de ser um golpe de teatro, sobretudo pelo peso do seu autor, mas não é de excluir que a distribuidora, a Cinemundo, não tenha conseguido o OK do estúdio americano....Não há Maligno mas temos Corre!, de Aneesh Chaganty, com Sarah Paulson como mãe infernal. É um filme que já poderia ter chegado às salas mas que agora cai que nem ginjas no festival. Será uma das sessões cuja atmosfera se prevê eletrizante, tal como In the Earth, o novo de Ben Weathley, com Joel Fry, destinado a extremar opiniões. Uma história de um vírus que ameaça o planeta. O cinema inglês a mostrar as garras....Incógnita e expectativa também por The Night House, de David Bruckner, onde temos uma Rebecca Hall perturbada por uma viuvez inesperada. Será o filme da sessão de encerramento e promete chegar às salas pela NOS Audiovisuais..Se é também verdade que antes da pandemia o MOTELx trazia a Lisboa grandes nomes do cinema internacional como Eli Roth, Alejandro Jorodowsky ou John Landis, agora tudo se torna mais difícil, mas frustração não entra no dicionário de Pedro Souto, outro dos diretores do festival: "não é frustrante de todo, porque permitiu-nos repensar o festival e voltar a fazer coisas que há muito não fazíamos como ciclos temáticos. Os convidados são um acrescento à programação de filmes e à lógica do MOTELx enquanto workshop de terror, mas o que nos importa mais é uma sólida selecção de filmes e a consolidação do terror português no panorama nacional de cinema". Como sempre, é bem natural que no prémio do melhor filme português aconteçam revelações. É graças a este festival que muitos cineastas jovem começaram a fazer cinema de género e cada vez mais há longas-metragens com terror e temas do sobrenatural na forja....Fora desta seleção, na secção das curtas internacionais está O Lobo Solitário, o brilhante filme de Filipe Melo já premiado no Curtas Vila do Conde. Será exibido esta quarta e depois, no pós-festival, segunda-feira. Trata-se de outro dos pontos altos de um festival que no seu Quarto Perdido continua a divulgar algum do cinema esquecido de Portugal. Este ano o foco está na obra de Joaquim Leitão. O veterano cineasta português terá dois filmes que propõem caminhos de género: Inferno (1999) e 20.13- Purgatório (2005), este último injustamente esquecido..Também bem português é Um Fio de Baba Escarlate, espectáculo "giallo" nostálgico de Carlos Conceição. Concorre ao prémio melhor longa europeia Méliès d'argent, o que não deixa de ser intrigante: agora tem 61 minutos mas quando passou na competição do Curtas Vila do Conde o ano passado era média-metragem com menos de 60 minutos, marca oficial que separa as curtas das longas. Seja como for, é um filme de uma excitante elevação fetichista e com uma Joana Ribeiro a todos os títulos fabulosa. Numa altura em que a sua primeira longa, Serpentário, já tem data de estreia, espera-se que este empurrão do MOTELx o ajude a encontrar estreia comercial....dnot@dn.pt