Cinema de terror numa época de medo. Antídoto perfeito para afastarmos a covid-19 das nossas cabeças numa edição do MOTELx sem convidados estrangeiros de peso mas com a mesma qualidade de sempre. O Festival de Terror de Lisboa montou uma programação com trunfos certos para encher (com cadeira ao lado vazia...) o São Jorge..YouTubeyoutubedXBeNzo8Q-4.Pedro Souto e João Monteiro, diretores porta-vozes do festival, explicam ao DN como foi montar uma edição com todas as condicionantes do novo normal: "Ao início houve incerteza quanto aos moldes desta edição, mas a partir do momento em que foi dada luz verde à realização deste tipo de eventos, o festival foi sendo montado normalmente, tendo sempre em conta as restrições e as medidas de segurança impostas pelas autoridades de saúde." Tudo isto levou a direção à decisão de acrescentar dois dias para poder ter o mesmo número de sessões, um festival mais longo e mais espaçado..Felizmente, este festival, tal como o IndieLisboa, privilegiou a componente física e disse não às sessões online. Não há convidados internacionais, uma das mais-valias do certame, mas haverá outro dos pratos fortes: as antestreias, uma delas só recentemente anunciada: Antebellum, de Christopher Renz e Gerard Bush, thriller alegórico com Janelle Monáe, obra que poderá servir de reflexão sobre os traumas da escravidão na comunidade afro-americana. Também poderá ser imperdível O Segredo do Refúgio, a estreia de Dave Franco na realização, um dos primeiros filmes lançados no mercado americano após o fim do recolhimento, embora todas as atenções estejam focadas em O Terceiro Andar: Terror da Rua Malsaña, de Albert Pinto, êxito comercial baseado numa história verídica acerca de um andar amaldiçoado em Madrid..YouTubeyoutubeYSsk6XTwgZM.Golpe de asa desta 14.ª edição é o Quarto Perdido, secção que recupera algum do cinema nacional mais esquecido, desta feita dedicado a Pedro Costa, o nosso cineasta mais venerado. O MOTELx programou Cavalo Dinheiro (2014) e Ne Change Rien (2009), provas vivas de que o cinema de Costa tem reverberações com o género do terror, nem que seja pela via da inspiração de Jacques Tourneur. O realizador português aceitou sem hesitar o convite que espantou os mais distraídos..Num festival que é conhecido pelas elevadas médias de público por sessão e por espectadores fiéis, neste ano há um desafio: convencer quem ainda tem medo de estar em espaços fechados, mas Pedro Souto e João Monteiro creem que há vontade de um regresso às salas dos fãs do horror: "As pessoas estão sobretudo ansiosas por novos filmes! O facto de ser obrigatório o uso de máscara durante as sessões, de só haver lugares marcados individuais com cadeiras vazias ao lado, atrás e à frente e ainda os intervalos de um hora entre sessões para total higienização da sala, tem resultado num ambiente bastante seguro. Implementámos estas medidas em julho na nossa habitual sessão de apresentação da programação, e correu muito bem." Diga-se de passagem que o Indie, que terminou neste fim de semana, também teve sessões cheias com o público sempre bastante respeitador das normas de saúde..YouTubeyoutubeaF4b1hTzSg4.Quanto à forma como o MOTELx tem sabido ao longo dos anos contextualizar as ligações do terror com as fobias sociais, neste edição, num contexto epidémico, há uma relevância maior deste género, quase como libertação dos imaginários dos medos mais apocalípticos: "Historicamente é um facto, talvez porque viver este tipo de experiências extremas simuladas seja a única forma de nos abstrairmos da realidade. Foi um pouco por isso que escolhemos exibir o Epidemic, do Von Trier, porque ensina de certa forma a exorcizar experiências destas que estamos a viver de forma criativa e consequentemente terapêutica. Mesmo alguns filmes do ciclo sobre o racismo nos EUA, como Tales from the Hood e o Foge, usam o género para exorcizar a realidade e permitirem um escape a quem é vítima daquelas situações.".Até dia 14, o Cinema São Jorge recebe filmes com sangue, calafrios, sustos e um olhar social infectocontagioso, não faltando uma sempre entusiasmante secção competitivas de curtas-metragens de terror feitas em Portugal. Porque o cinema e a vida continuam, com medo ou sem medo.