Médicos e enfermeiros querem mais proteção contra covid-19. Governo promete 50 mil fatos e óculos

Entre os 448 infetados pelo novo coronavírus, em Portugal, há 30 profissionais de saúde, nas contas do Secretário de Estado da Saúde. Médicos e enfermeiros falam da falta de equipamento de proteção, que o ministério garante estar a caminho.
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Enfermeiros, médicos, assistentes operacionais: são eles que estão na linha da frente para ajudar toda a população infetada e, por isso, todos os cuidados são poucos para que possam continuar o seu trabalho, dando uma resposta proporcional à propagação do covid-19 em Portugal. A Direção-Geral da Saúde (DGS) aconselha a utilização de máscaras a todos, mas os médicos e os enfermeiros queixam-se da falta destas, de luvas e de fatos protetores nos serviços de saúde. O governo garante que já encomendou mais equipamento e que irá proceder ao reabastecimento.

Entre os 448 doentes infetados no país, há "cerca de 30 profissionais de saúde infetados, sendo 18 médicos", afirmou o secretário de Estado da Saúde, António Lacerda Sales, nesta terça-feira, em conferência de imprensa. Números que divergem dos avançados pela Ordem dos Médicos (OM), que assume que 20% dos infetados (na altura em que ainda eram 331) são médicos. Independentemente do número real, é sabido que nem todos contraíram o vírus enquanto trabalhavam. Segundo a diretora-geral da Saúde, Graça Freitas, há pelo menos sete que foram contaminados em ambiente social, os restantes terão sido em trabalho. Para os sindicatos e para as ordens profissionais de médicos e enfermeiros, isto deve-se à falta de equipamento disponível.

"O equipamento de proteção individual é algo que está a falhar desde o primeiro dia. Apesar das indicações em contrário, ainda estamos à espera de que venham equipamentos em número suficiente e adequados, que são dados como fornecidos, mas quando se vai avaliar não protegem adequadamente os profissionais", aponta Noel Carrilho, presidente da Federação Nacional dos Médicos (FNAM). "Há muitos hospitais e centros de saúde com situações preocupantes. Inclusivamente, há quem compre material a título próprio em lojas de construção. As pessoas vão-se protegendo como podem."

Refere-se à ausência de máscaras e a fatos protetores, que não sendo indicados para todos os casos, segundo o presidente da FNAM, faltam onde são mais precisos, à medida que a situação evolui. Guadalupe Simões, dirigente do Sindicato dos Enfermeiros Portugueses, confirma: "Há falta de equipamentos de proteção individual, luvas e máscaras em todos os lados. Em vez de as pessoas estarem só disponíveis para prestar cuidados, têm de estar ainda a pensar que a qualquer momento podem ser infetadas", diz.

"Sei que há pelo menos uma enfermeira infetada que está ligada a um ventilador. Os enfermeiros estão na linha da frente da prestação de cuidados e vão continuar a estar com o seu sentido de responsabilidade, mas têm de ter atenção à segurança por eles, pelas suas famílias e pelos utentes. Quando fazemos estas denúncias não é para criar mais alarmismo, é a realidade, e este material é necessário", lamenta a dirigente sindical dos enfermeiros, no dia em que o bastonário da OA voltou a realçar a "escassez ou a inexistência" destes meios, "bem como falta de orientações claras sobre os equipamentos que os médicos devem usar e quando".

"Esta falta de equipamentos de proteção individual para profissionais está a ser o calcanhar de Aquiles no combate ao novo coronavírus", declarou Miguel Guimarães, bastonário da OM em comunicado enviado às redações nesta terça-feira. "Arriscamo-nos a que muitos médicos e profissionais de saúde fiquem doentes, o que, além do drama pessoal e familiar, significa não termos os médicos e os profissionais necessários para tratar dos doentes enquanto atingimos o pico da epidemia. Se queremos ser bem-sucedidos temos de seguir o exemplo de Macau e não de Itália", acrescenta.

Em Itália - o país onde o número de infetados (31 506) e de mortos (2503) mais cresce diariamente por esta altura - pelo menos dois médicos morreram devido ao covid-19 e centenas de outros estão doentes. Os sindicatos de enfermeiros e médicos locais estão a pedir às autoridades de saúde que todos os profissionais sejam testados para a presença do novo coronavírus.

Em Portugal, todos os profissionais que estiveram em contacto com os casos descobertos em enfermarias foram sujeitos ao teste PCR (utilizado para verificar a presença ou não da doença). O que para Jorge Félix Cardoso, finalista do curso de Medicina da Universidade do Porto e consultor de assuntos europeus na área da saúde, pode explicar o número de médicos portugueses infetados. "Obviamente que os profissionais de saúde estão em maior risco, mas também estão a ser mais testados, principalmente desde que começaram a aparecer os casos nas enfermarias. É normal que se encontrem mais casos nas populações mais testadas", diz Jorge Félix Cardoso.

Em resposta às acusações de falta de equipamentos, o primeiro-ministro afirmou, em conferência de imprensa, nesta terça-feira, que "em nenhum país da União Europeia há abundância de equipamentos. Nenhum país tem equipamentos extraordinários para a situação que estamos a viver". António Costa lembrou ainda que o Serviço Nacional de Saúde mantém o atendimento a todas as outras doenças urgentes "para além do coronavirus".

Como devem proteger-se?

"Os profissionais de saúde encontram-se entre os principais grupos de risco de infeção pelo novo coronavírus", pode ler-se na página da DGS dedicada ao covid-19. Por isso, mesmo os profissionais que não estejam em contacto direto com os doentes infetados com este novo vírus devem ter cuidados redobrados: lavar frequentemente as mãos com uma solução antissética de base alcoólica, usar a bata e uma máscara cirúrgica ou respirador FFP2 e luvas não esterilizadas, descartáveis. E garantir uma remoção segura destes objetos.

Em caso de suspeita de infeção, é importante que o profissional notifique o gestor da unidade de saúde ou a linha SNS 24 (808 24 24 24) diretamente e que não esteja em contacto com ninguém. O mesmo se aplica aos médicos e enfermeiros que tenham viajado recentemente para um dos países considerados de risco (como Itália ou Espanha, na Europa).

Resposta do SNS

Para reforçar a resposta ao novo coronavírus, o SNS recebeu a disponibilidade de mais de 1800 médicos e mil enfermeiros, informou o secretário de Estado da Saúde. "Estamos a reforçar o número de profissionais de saúde, respondendo a todas as necessidades das instituições do Ministério da Saúde, que têm agora autonomia para contratação com dispensa de quaisquer formalidades", afirmou, acrescentando que "foram recebidos pedidos para a contratação de 450 profissionais de várias classes, muitos já autorizados pelo Ministério da Saúde".

Além dos recursos humanos, António Sales indicou ainda que serão distribuídos, durante esta semana, mais de dois milhões de máscaras e cerca de 50 mil equipamentos de proteção individual (botas, óculos, fatos) para os profissionais.

Em relação às disponibilidades de ventiladores no país - um alerta feito por muitos especialistas com receio de que estes faltem -, o secretário de Estado da Saúde confirmou que o SNS tem 1142 ventiladores (528 nos cuidados intensivos, 480 em blocos operatórios e 134 como capacidade de expansão) - que se somarão, quando necessário, aos 250 existentes no setor privado (que não incluem o setor social).

Estado de emergência. Agora ou depois?

Para esta quarta-feira, às 15.00, está marcado um Conselho de Estado, onde deverá ser decidido se o país avança com o estado de emergência ou não - estado de exceção que só pode ser acionado em casos de grave ameaça ou perturbação da ordem democrática ou de calamidade pública. Neste cenário, há direitos fundamentais que nunca podem ser postos em causa, nomeadamente, os direitos à vida ou à integridade pessoal. Esta declaração tem de passar pelos três órgãos de soberania, tendo de ser decretado pelo Presidente da República, depois de uma audição do governo e de uma autorização da Assembleia da República. A ser declarado, será a primeira vez que este estado vigorará desde o 25 de Abril.

António Costa deixou a decisão nas mãos do Presidente da República e garantiu apoiar o que Marcelo Rebelo de Sousa decidisse. O primeiro-ministro lembrou, no entanto, que "o estado de emergência não é uma figura abstrata" e que deve ser ponderada tendo em conta as estimativas para o pico da pandemia, em Portugal, que apontam para o fim de abril ou início de maio.

Em Ovar, as medidas já começaram a tornar-se mais restritas, quando nesta tarde foi declarado o estado de calamidade e "quarentena geográfica", por causa do aumento exponencial dos casos de covid-19.

Mas aconteça o que acontecer, os médicos e os enfermeiros prometem continuar o combate ao vírus da mesma forma. "É uma decisão política. Nós estaremos cá para acatar. Será indiferente o estado que for declarado - seja de alerta, de calamidade, de emergência -, o nosso estado é sempre de esforço máximo", garante o presidente da Federação Nacional dos Médicos, Noel Carrilho.

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