Luka Doncic. O wonderkid esloveno que bate recordes na NBA
"Doncic bate recorde de Michael Jordan." "Doncic supera números de LeBron." "Doncic iguala marca de Magic Johnson." Estes são alguns dos títulos de jornais que mostram como o wonderkid esloveno conquistou a NBA. Um ano e meio depois de se estrear, Luka Doncic tem marcas que fazem lembrar os melhores da história.
Para uns ele faz lembrar Harden (Houston Rockets), para outros ele tem o perfume de Larry Bird (a antiga estrela dos Boston Celtics). Seja como for, os famosos step-backs que já atormentavam os defesas europeus, quando ele jogava no Real Madrid, têm dado que falar no campeonato norte-americano de basquetebol ao serviço dos Mavericks. O fenómeno é de tal ordem que os produtores do siteThe Ringer fizeram uma versão da célebre música Hallelujah, de Leonard Cohen, para ele: HalleLuka.
Aos 20 anos, Luka Doncic é uma promessa transformada em certeza. Depois de carregar o Real Madrid às costas rumo ao título da Euroliga, viu as porta da NBA abrirem-se para ele entrar em 2018. Mas não como era esperado. Quando todos apostavam que ele ia ser a primeira escolha do draft (onde são distribuídos pelas equipas da liga norte-americana os jogadores vindos das universidades ou de campeonatos exteriores), já que os Phoenix Suns era os primeiros a escolher e tinham acabado de contratar o sérvio Igor Kokoskov, o selecionador que levou a Eslovénia à conquista do título europeu de seleções, a equipa de Phoenix escolheu Deandre Ayton e deixou Doncic livre.
O prodígio esloveno com ar desajeitado e olhar ingénuo foi selecionado pelo Atlanta Hawks na terceira posição (5.º jogador estrangeiro da história a ser escolhido no top 3) e imediatamente trocado para o Dallas Mavericks, onde tem justificado a aposta e colocado em causa a competência dos Suns e dos Hawks nas escolhas do drafts. Para ter Doncic, a equipa do Texas teve de ceder aos Hawks a sua quinta escolha (Trae Young), assim como uma futura primeira escolha. Nada que o tenha afetado.
Com 2,01 metros, a sua grande especialidade é o arremesso de três pontos, aliada a uma grande visão de jogo. Habilidoso com a bola nas mãos, Doncic não é o principal criador de jogadas dos Mavericks por acaso. O jogador consegue manter a bola muito próxima ao corpo mesmo em situações de velocidade, quase nunca dando oportunidade a roubos adversários. A facilidade para mudar de velocidade e direção também contribui para seu arsenal ofensivo.
Usa o step-back para criar espaço para o arremesso num período de tempo muito curto, dificultando bastante o trabalho da defesa. O movimento é fluido, equilibrado e pausado. Tudo sem precipitações. O arremesso nunca acontece de forma apressada e esse é um dos seus grandes trunfos. Muito perigoso no arremesso e na infiltração (imprevisível), não é por acaso que Doncic é o segundo jogador da NBA em média de assistências, com 9.6 por partida. O floater (arremesso com uma mão) é seguro e muito difícil de ser bloqueado.
Capaz de jogar tanto como base como ala, o prodígio esloveno reúne assim características como criatividade ofensiva, QI basquetebolista acima da média, brilhante jogo de pick-and-roll e maturidade a jogar sob pressão. Ganhou destaque precisamente por aparecer nos minutos decisivos das partidas no meio dos veteranos de Dallas, onde teve o apoio de Dirk Nowitzki, o veterano alemão e melhor europeu de sempre na NBA. Aos poucos, aquele de quem todos esperavam ser uma versão moderna do lendário Drazen Petrovic, base jugoslavo que morreu há 25 anos, foi-se mostrando maior do que a lenda... tão grande como os grandes com a sua idade.
A primeira grande atuação de Luka na NBA foi frente aos Minnesota Timberwolves. Anotou 26 pontos e seis ressaltos no duelo vencido pelo Mavericks. Desde então, foi somando pontos e boas exibições. Rapidamente se tornou o principal jogador da equipa. No primeiro grande teste - confronto contra o Houston Rockets, da estrela James Harden -, não falhou. Dallas tinha oito pontos de desvantagem para Houston e, com apenas três minutos para o fim do jogo, o esloveno anotou 11 pontos consecutivos, acertando três arremessos de três pontos que deram a vitórias aos Mavs.
E não tardou a bater recordes. Em março de 2019, igualou uma marca de Magic Johnson. Com 28 pontos, 12 assistências e 12 ressaltos no jogo com o Sacramento Kings, anotou o seu sétimo triplo-duplo - registo acumulado por um jogador, numa só partida, de marcas de dois dígitos em três de cinco categorias estatísticas (assistências, bloqueios de lançamento, pontos, ressaltos e roubos de bola) -, igualando a marca do lendário jogador do Lakers e tornando-se ainda o segundo rookie da história (atrás de Ben Simmons, com 12) a conseguir sete triplos-duplos.
Em novembro fez história nos Mavs. Fez 41 pontos num jogo e tornou-se o primeiro jogador da história de Dallas a registar um triplo-duplo com 40 pontos. Tornou-se ainda o segundo mais jovem de sempre (com 20 anos e 263 dias) a alcançar um triplo-duplo com mais de 40 pontos. Melhor só LeBron James, em 2005, com 20 anos e cem dias. O próprio LeBron James enalteceu o feito com uma declaração curiosa: "Ele é um malvado filho da p... Eu bem vos disse."
Doncic já tinha sido o primeiro adolescente a fazer um triplo-duplo de 30 pontos - o feito foi conseguido na derrota (123-120) com os Toronto Raptors -, superando um dos muitos ídolos. O novo menino-prodígio da NBA conseguiu o feito a pouco mais de um mês de completar 20 anos. LeBron James, por sua vez, tinha 20 anos e cem dias quando alcançou a marca, contra o Milwaukee Bucks.
Os feitos não se ficam por aqui. O esloveno foi apenas o quarto rookie na história da NBA a completar um triplo-duplo com pelo menos 35 pontos. Os outros foram Stephen Curry (2010), Jason Kidd (1995) e Michael Jordan (1985). Já em dezembro, na vitória do Dallas Mavericks sobre o New Orleans Pelicans (130-84), igualou a marca de Michael Jordan de 1989, de 18 jogos consecutivos na NBA com pelo menos 20 pontos, cinco ressaltos e cinco assistências. Marca a que juntou um outro recorde da competição, o de mais triplos-duplos antes dos 21 anos, num total de 15.
"Há muitas estatísticas, quase todos os dias bato um novo recorde, mas ainda tenho muito mais para fazer", desabafou o jovem, que atribui ao "trabalho" o segredo do seu sucesso.
Os números de Doncic apaixonam os amantes da modalidade. Ainda na madrugada de quinta-feira deslumbrou o mundo com um passe fabuloso, no triunfo frente ao Kings - um jogo em que fez 25 pontos, 15 ressaltos e 17 assistências (recorde pessoal), alcançando o 20.º triplo-duplo da carreira (o décimo segundo nesta temporada) em apenas 109 jogos na NBA. Os adeptos adoram o esloveno, que tem uma popularidade acima da média para um europeu na NBA. Luka lidera mesmo a lista de escolhas dos adeptos de todo o mundo para o All Star Game, que se joga a 16 de fevereiro em Chicago. No ano passado, apesar de ter sido o terceiro mais votado pelo público e de brilhar pelo Dallas Mavericks, foi rejeitado por atletas e treinadores. Neste ano, o filme deve ser outro e ninguém deverá ter coragem para o vetar de novo.
Da parte dele, já avisou que "o melhor ainda está para vir". Uma declaração que gerou várias interpretações. Para uns, o esloveno já revela alguma falta de humildade, outros elogiam-lhe a confiança daquele que já promete ser o melhor europeu de sempre na NBA... pelo menos estatisticamente falando. Certo é que a Doncicmanía está aí para durar. O jogador dos Mavs já é o sexto jogador que mais camisolas vende, atrás de LeBron James, Giannis Antetokounmpo, Stephen Curry, Jayson Tatum e James Harden.
Luka cresceu no pavilhão, entre lances livres, triplos. Filho do ex-basquetebolista e atual treinador Saša Dončić, foi apadrinhado desde cedo pelo ex-NBA Rasho Nesterovic (campeão pelo San Antonio Spurs, em 2005). "O Luka nasceu para ser basquetebolista. Quando tinha 1 ano e começou a caminhar, já andava sempre com uma bola nas mãos. Também tinha muito jeito para o futebol. Mas, como sempre foi muito alto, optou pelo basquetebol", revelou a mãe, Mirjam Poterbin (antiga modelo e ex-campeã mundial de dança) na cerimónia do draft em 2018.
Assim que lhe colocaram a bola nas mãos, ele soube logo o que fazer com ela e a ascensão foi tão meteórica quanto possível. Tinha 8 anos quando foi jogar para o Union Olimpija Ljubljana, principal equipa da Eslovénia. Após 16 minutos de treino, foi colocado na equipa sub-11. Chegado lá, destacou-se tanto, que o promoveram aos sub-14. Habituado a jogar entre os mais velhos, ganhou uma maturidade que ainda hoje lhe é reconhecida.
Com 13 anos, deixou Ljubljana para perseguir o sonho no Real Madrid, por empréstimo. E foi ao serviço dos merengues que ele mostrou que podia ser alguém no mundo do basquetebol. Quando participou num torneio europeu sub-13 em Roma, Luka alcançou um triplo-duplo incrível: 54 pontos, 11 ressaltos e dez assistências. Uma exibição magistral que obrigou o Real a contratá-lo em definitivo. Assinou por cinco épocas e cresceu nos sub-16 e sub-18... Até o talento ser maior de mais para os campeonatos amadores.
O clube espanhol detetou que poderia estar ali o próximo grande fenómeno do basquetebol europeu e a estreia na equipa principal merengue não tardou. Em abril de 2015, com apenas 16 anos, dois meses e dois dias, o esloveno tornou-se o atleta mais jovem a atuar pelo Real Madrid na Liga ACB (campeonato espanhol). Na temporada seguinte, integrou o plantel e começou a conquistar o seu lugar no quinteto blanco. Antes dos 17, já estava a jogar a Euroliga. Aos 18 anos, tornou-se o mais jovem jogador a ser eleito MVP da prova, levando o Real Madrid ao título europeu e a mais um título espanhol (onde também foi o MVP). Pelo meio, carregou a Eslovénia para um inédito título europeu de seleções. E, assim, no mesmo ano foi campeão europeu por duas vezes. Depois rumou à NBA.
Tirando o facto de já ser um dos melhores basquetebolistas da atualidade e um ídolo para muitos jovens, Luka é um jovem como outro qualquer de 20 anos. Jogar Fortnite (jogo de estratégia jogado online) é o seu passatempo preferido durante duas ou três horas por dia. Alguns fãs, inclusive, já jogaram com Luka e chegam a postar vídeos no YouTube mostrando a atuação do astro do Mavs.
Namora com Anamaria Goltes, uma compatriota que é modelo de lingerie, e tem um cão chamado Hugo que é uma verdadeira estrela das redes sociais. Sempre gostou do número 7, por ser o de Vassilis Spanoulis, o grego que dominou a sua geração na Europa e passou pela NBA em 2006-07 (Houston Rockets), que admirava na adolescência. A admiração é mútua. Para Spanoulis, "Doncic é o tipo de jogador que aparece uma vez a cada 50 anos". Nos Mavs, como a camisola já estava ocupada quando chegou, optou pelo 77, número que também usa na camisola da seleção nacional.