Luís Pedro salvou o bebé. "Gostava de lhe chamar Salvador. Era o nome que daria a um filho"

Técnico do INEM, Luís Pedro Nunes foi o primeiro a socorrer o bebé encontrado num ecoponto amarelo na terça-feira ao fim do dia, em Lisboa.
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Na terça-feira, depois de 12 horas em cima da moto de emergência médica, Luís Pedro Nunes não despiu logo a farda nem arrumou o capacete. Ainda foi ao Hospital D. Estefânia ver o estado de saúde do bebé que, horas antes, tinha sido encontrado num caixote do lixo e a quem prestou os primeiros socorros.

"As enfermeiras no hospital perguntaram-me que nome lhe queria dar. Tenho uma filha, gostava de ter um filho mas se calhar não vou conseguir, e se tivesse seria Salvador. Foi o que disse e elas concordaram, pela situação em si e porque gosto do nome", conta Luís Pedro, técnico de emergência pré-hospitalar (TEPH), que se desloca de mota por Lisboa, escapando ao trânsito e foi a primeira pessoa do INEM a ver o recém-nascido encontrado por um sem-abrigo.

O bebé resgatado de um ecoponto amarelo junto à discoteca Lux, em Lisboa, ainda tinha o cordão umbilical quando Luís Pedro Nunes chegou ao local, cerca das 18:00, pouco depois da chamada ter chegado ao CODU (Centro de Orientação de Doentes Urgentes), o cérebro do INEM.

Ainda sem nome oficialmente, o menino foi recolhido pelas pessoas que àquela hora estavam no Lux Frágil e foi ali, na entrada, "muito escuro", que Luís Pedro Nunes identificou as três situações que era preciso resolver. "Tinha uma hemorragia ativa no cordão umbilical, hipotermia grave e dificuldades respiratórias", explica.

Iluminado pelas luzes dos telemóveis, Luís Pedro Nunes estancou a hemorragia, limpou o muco que ainda se encontrava no nariz e o bebé, já mais quente, começou a estabilizar. Pelo rádio fazia chegar a informação ao CODU: "Respira e abre os olhos espontaneamente". Entretanto, chegaram os colegas de Luís Pedro Nunes - um médico e um enfermeiro numa viatura médica de emergência (VMER), e dois técnicos de emergência médica numa ambulância.

"Foi ainda mais estabilizado na ambulância. Isto é uma equipa e conseguimos um resultado feliz", conta, esta quinta-feira, na sede do INEM, em Lisboa, roubando horas à folga de trabalho e entre os cumprimentos dos colegas do CODU.

O que se pensa depois do trabalho concluído? "Não convém envolvermo-nos nisto", diz Luís Pedro Nunes, 47 anos, ao DN. "Aprendemos a defendermo-nos das emoções", explica. "Para mim é uma situação crítica e o que me interessa é o final feliz". Porque, como nota, o final feliz é "excecional".

Foi a segunda vez nos 16 anos de experiência como paramédico que atendeu um recém-nascido encontrado na via pública. Mas nessa ocasião, "a história não acabou bem".

Foi esse "final feliz" que a equipa do INEM quis partilhar na sua conta de Instagram quando publicou a foto do socorro ao bebé, com a legenda "Bem-vindo, puto!" e hashtags de satisfação como #missãocumprida.

Na incubadora e de gorrinho

Não se sabe a que horas nasceu o bebé, cujo gemido atraiu a atenção de um sem-abrigo que costuma estar nesta zona para o ecoponto amarelo, espreitando para o seu interior. Com ajuda de uma pessoa que trabalha no Lux e que passava por ali, retiraram a criança, como se pode ver num vídeo que o Jornal de Noticias publicou.

Quando menos de três horas depois, Luís Pedro Nunes o viu deitado "com o seu gorrinho" na incubadora do Hospital D. Estefânia "já não tinha nada a ver".

O bebé foi encontrado "sem roupa nem agasalho", como explicou o comissário André Moura, do comando metropolitano da PSP de Lisboa, em conferência de imprensa.

O caso começou a ser investigado pela PSP e entregue depois à Polícia Judiciária. No Ministério Público, foi instaurado um inquérito, tutelado pelo DIAP de Lisboa (Departamento de Investigação e Ação Penal).

Em causa podem estar crimes de infanticídio, caso se venha a confirmar que houve intenção de matar o bebé logo após o parto, em estado de perturbação (segundo o artigo 136 do Código Penal), de homicídio de forma tentada e ou de abandono.

A mesma fonte autorizada da Diretoria de Lisboa da Judiciária, adiantou que "todos os elementos de prova foram recolhidos e estão na posse da PJ", entre os quais o cobertor que envolvia o bebé e que poderá ter vestígios de quem esteve antes com a criança.

"Possivelmente vai ser um bebé feliz"

Na manhã de quarta, dia 6, o Hospital D. Estefânia informou que o recém-nascido estava "clinicamente bem" e "estável". Uma vez que chegou estável ao hospital foi-lhe dado apenas "um banho", disse o diretor clínico do Hospital D. Estefânia em conferência de imprensa esta quinta-feira. Está agora internado na Maternidade Alfredo da Costa.

O destino da criança está nas mãos do tribunal que vai ter de abrir um processo de promoção dos direitos e proteção e decidir a medida de acolhimento. Provavelmente, ao ter alta do hospital D. Estefânia a criança deverá ser encaminhada para uma instituição.

O Ministério Público terá agora que recolher informação sobre os progenitores e sobre os seus familiares para avaliar se há alguém que reúna condições para receber o bebé, explicou ao DN fonte da área do serviço social. Entretanto, o Ministério Público do Tribunal de Família e Menores de Lisboa veio informar que instaurou um processo de promoção e proteção a favor da criança, disse ao DN fonte do gabinete de comunicação da Procuradoria-Geral da República.

Dulce Rocha, presidente do Instituto de Apoio a Criança (IAC), considera, em entrevista ao DN que "agora, o mais importante é conseguir que a criança viva, que os seus direitos sejam respeitados e que seja amada".

Pese o início, acredita Luís Pedro Nunes, "possivelmente vai ser um bebé feliz". E, admite, por "Salvador" "fica um carinho especial".

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