Lisboa incentiva petição contra fim dos brasões na Praça do Império
A luta contra o fim dos brasões florais das capitais de distrito, das ilhas e das ex-colónias portuguesas na Praça do Império, em Belém - em obras já adjudicadas pela Câmara de Lisboa -, está a mobilizar os grupos de deputados municipais de PSD, CDS, MPT e PPM. E apesar de ter visto ser chumbado um voto de protesto contra a obra, na terça-feira, na última reunião da Assembleia Municipal, com os votos do PS e do PCP, a deputada social-democrata Virgínia Estorninho garantiu ao DN que tudo irá fazer para incentivar uma petição pública no sentido da manutenção daquele "património histórico", que se encontra em estado de degradação há vários anos, sendo, aliás, impossível já reconhecer os brasões da polémica.
O voto de protesto que foi chumbado, e a que o DN teve acesso, insurge-se contra o facto de a empreitada de adjudicação da obra já ter sido feita e de a obra estar prestes a começar, como noticiou o jornal Público. Segundo o mesmo jornal, os trabalhos, a cargo da empresa Decoverdi - Plantas e Jardins, vão durar quatro meses e têm um custo a rondar os 778 mil euros, valor que já inclui manutenção pelo período de um ano após a conclusão da empreitada. O projeto é assinado pelo ateliê de arquitetura paisagista ACB e tem como primeiro objetivo "retomar o traçado de Cottinelli Telmo, recuperando o conceito original de 1940", e que já sofreu alterações ao longo do tempo.
"Em agosto de 2014, os lisboetas foram surpreendidos pelas declarações do sr. vereador José Sá Fernandes sobre a intenção de remoção dos 32 conjuntos florais, representativos das armas das capitais de distrito, das então denominadas Províncias Ultramarinas e das Ordens de Aviz e de Cristo", refere o voto de protesto.
Os deputados municipais da oposição recordam que a 9 de dezembro de 2015 a câmara aprovou a realização de um concurso para um projeto de renovação do Jardim da Praça do Império e que o projeto selecionado, da arquiteta Cristina Castel-Branco, excluiu a conservação do conjunto de brasões "com o argumento da melhoria da gestão do jardim no que respeita às operações de manutenção". O valor era estimado pela câmara em 24 mil euros anuais, sendo certo que no voto de protesto é recordado que, em 2017, o presidente da Junta de Freguesia de Belém, Fernando Ribeiro Rosa (PSD), manifestou a sua disponibilidade para suportar esses custos.
"Entre moções e lançamento de concurso de ideias para a manutenção do Jardim da Praça do Império passaram alguns anos e o estado de degradação do jardim e da sua envolvente é notório", refere o documento a que o DN teve acesso. Agora que se soube que a obra de requalificação daquele espaço está para arrancar (apenas espera o visto do Tribunal de Contas) e contempla a remoção definitiva do que resta dos brasões, os deputados municipais da oposição frisam que "a história de Portugal é feita de uma longa sucessão de feitos heroicos e de outros menos dignos, muitas vezes, contemporâneos". Mas, dizem, "todos esses feitos fazem parte da nossa história coletiva e, por conseguinte, da nossa identidade".
Ao DN, a deputada municipal do PSD e antiga presidente da Junta de Freguesia do Alto do Pina, Virgínia Estorninho, rejeita a ideia de que aqueles brasões ofendam os países africanos de expressão oficial portuguesa. "Muitos dos meus amigos de Cabo Verde e de Angola adoravam ir ali mostrar os antigos brasões, e com orgulho", diz, acrescentando: "Não se percebe que Sá Fernandes tenha dito que tinha vergonha daqueles símbolos." O DN tentou falar sem sucesso com o vereador.
A Praça do Império foi criada para a Exposição do Mundo Português, em 1940, que comemorou o duplo centenário da Independência de Portugal (1140) e da Restauração (1640). Segundo a investigadora Alexandra de Carvalho Antunes, recentemente entrevistada pelo DN, "a escolha da "evocativa paisagem de Belém, à sombra dos Jerónimos", nas palavras do comissário da Exposição, para a implantação da Exposição do Mundo Português - Cidade Simbólica da História de Portugal, desde logo pretendeu aludir à memória e ao simbolismo do lugar". Eram objetivos da exposição comemorar o passado épico de Portugal e consolidar uma "consciência nacional".
A Praça do Império, projetada por Cottinelli Telmo, que além de arquiteto também foi cineasta, sofreu alterações em 1961, por ocasião dos 500 anos da morte do infante D. Henrique e no âmbito da Exposição Nacional de Floricultura, em que foram projetados os brasões florais.
A investigadora Alexandra de Carvalho Antunes considerou que a polémica em redor da intervenção na Praça do Império - que se arrasta desde 2014 (com maior vigor nos últimos meses) - merece uma cuidada reflexão. "De facto, os brasões florais foram colocados para serem temporários, mas foi-se prolongando no tempo esta presença, embora já poucos se lembrem dos feitos ultramarinos... Devemos aceitar como autêntico e, portanto, manter, o 'acumulado' de transformações que o passar dos anos trouxe aos monumentos, e nestes incluem-se os jardins", sublinhou.
Aquela zona junto ao Mosteiro dos Jerónimos também sofreu fortes transformações, sobretudo com a construção do Centro Cultural de Belém ou do novo Museu dos Coches. "É impossível travar modificações ou progressos", refere a investigadora da Universidade de Lisboa.