Jean-Marie Le Pen condenado por "injúrias públicas contra os homossexuais"

O fundador da Ex Frente Nacional, atualmente União Nacional (dirigida pela sua filha Marine), terá de pagar cerca de 4000 euros de multas e custos judiciais por declarações feitas sobre as exéquias de um polícia homossexual assassinado no atentado de 2017 em Paris..
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Xavier Jugelé tinha 37 anos. Era polícia há 11. Estava na noite de 20 de abril de 2017 junto ao centro cultural turco em Paris, ao volante de um veículo policial, quando um carro parou ao lado do seu, e um homem armado de Kalashnikov começou a disparar, atingindo-o com dois tiros na cabeça. Outros dois polícias foram feridos antes que o assassino, cuja ação foi reivindicada pelo Daesh, fosse abatido. Jugelé fora dos primeiros polícias a chegar ao Bataclan na noite de 15 de novembro de 2015, quando um comando do Daesh assaltou a sala de espetáculos, matando 89 pessoas.

Jugelé vivia em união de facto com o diplomata Étienne Cardilès e era ativista pelos direitos das pessoas LGBT. Nas suas exéquias, acompanhadas pelas TV, o companheiro fez um discurso. O que desagradou a Jean-Marie Le Pen, que comentou publicamente: "Penso que esta particularidade familiar deve ser mantida à parte deste género de cerimónia, que ganharia de resto em ser mais discreta."

Este comentário foi um dos dois pelos quais a sua condenação por "injúrias públicas" foi confirmada pelo homólogo parisiense do nosso Tribunal da Relação, a Cour d'Appel, num julgamento tornado público esta quinta-feira.

O outro comentário que lhe valeu condenação surgiu em março de 2016 no seu blogue e diz respeito à associação da pedofilia é homossexualidade: "Creio que a pedofilia, que ganhou respeitabilidade... interdita, mas ainda assim respeitabilidade, na exaltação da homossexualidade, coloca em questão todas as profissões que implicam proximidade com a infância e a juventude."

Em contrapartida o tribunal superior absolveu o nonagenário de quatro outras acusações que o tribunal inferior tinha considerado provadas: três crimes de incentivo ao ódio, dois dos quais respeitantes às afirmações citadas, e um crime de incentivo ao ódio e outro de injúria/difamação pela comparação feita em dezembro de 2016 entre em homossexuais a "sal na sopa". "Os homossexuais são como o sal na sopa: se não há que chegue fica sem graça, se há de mais fica intragável", disse Le Pen.

A Cour d'Appel considerou que nesta última afirmação o político não tinha "excedido os limites do humor".

No entanto, apesar da absolvição em quatro das acusações, Le Pen viu a condenação agravar-se no que respeita ao valor da multa decretada: duas penas de 30 dias a 40 euros por dia, ou seja 2,400 euros que poderão ser remíveis em prisão se não pagos, bastante mais que os 800 euros a que vinha condenado pela primeira instância, em julgamento ocorrido em novembro de 2018. 2400 euros aos quais acrescem 2000 euros de indemnização e juros mais 2000 euros de custas de justiça. Estes 4000 euros serão entregues à associação Mousse, que luta contra as discriminações homofóbicas e sexistas.

A associação, em comunicado, agradeceu ironicamente ao condenado: "Esta indemnização vai permitir que façamos uma dádiva à associação Ardhis, que apoia os refugiados LGBT. Obrigados, Sr Le Pen."

O advogado de Le Pen, Frédéric Joachim, congratulou-se por o constituinte só ter sido condenado por dois crimes, quando estavam seis em causa, e por a sua "liberdade de expressão ter sido reconhecida" no que respeita à comparação do sal na sopa.

Caso português

Em Portugal, o economista e cronista do DN João César das Neves foi acusado de difamação, em 2005, pelo Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, por ter associado a pedofilia à homossexualidade em artigos publicados no DN.

"O arguido não se limitou a dizer, por exemplo, que não concorda com as práticas homossexuais. O arguido equivale os atos homossexuais ao crime de pedofilia, refere que os recentes casos de pedofilia são todos, mesmo todos, homossexuais, equipara os homossexuais com drogados e considera-os doentes", escreveu a juíza no despacho de pronúncia, sublinhando: "Insinua que apenas para se ser politicamente correto é que se chama de pedofilia à "pedofilia", pois o seu verdadeiro nome é homossexualidade".

No despacho lia-se também que, "ao ter feito tal associação entre os conceitos de homossexualidade e pedofilia (sendo esta última uma atividade punida como crime e de acentuado desvalor social", o arguido "só pode ter tido como objetivo denegrir a imagem dos homossexuais". e concluía: "Assim os artigos publicados possuem objetivamente expressões suscetíveis de ofender a honra e a consideração de todos aqueles que se assumam como homossexuais na sociedade portuguesa, não se nos afigurando como possível que o arguido ao escrever tais artigos não tivesse consciência do caráter ofensivo dos mesmos."

O professor de Economia da Universidade Católica não seria porém condenado, por se ter considerado que a pessoa que movera o processo, a ativista Anabela Rocha, da associação Opus Gay, não era visada diretamente nos artigos.

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