Foi uma das primeiras batalhas do governo na Educação e a verdade é que três anos depois muito mudou no panorama dos contratos de associação. Dados acabados de publicar pela Direção-Geral da Administração Escolar (Ministério da Educação) mostram que no ano civil de 2018 foram pagos cerca de 65 milhões de euros a 67 colégios que supostamente servem zonas com pouca cobertura de escolas públicas. É menos de metade do que era transferido para o privado quando o governo tomou posse, e neste ano será ainda menos. Pelo menos 11 colégios não resistiram a este grande corte de turmas apoiadas, segundo contas feitas pelas associações que os representam, e muitos outros podem ainda fechar portas. "Revoltante", dizem os representantes do privado; "foi o mercado a falar", contra-argumenta o governo..O corte nas transferências do Estado é evidente. No total do ano letivo 2017-2018 (que abrange dois anos civis) terão sido pagos 72 milhões, para apoiar quase 900 turmas. Para este ano letivo, o ministério conta transferir ainda menos, 52 milhões para menos de 650 turmas de 58 colégios. Feitas as contas em jeito de balanço de legislatura, num retrato a pinceladas largas equivale a dizer que as transferências para o privado nesta área e as turmas apoiadas passaram para perto de um terço do que existia quando o governo tomou posse (2015-2016: 1684 turmas, quase 140 milhões de euros, 79 colégios financiados). O Estado paga 80 500 euros por cada turma..O impacto da redução no número de turmas apoiadas foi sentido logo no primeiro ano: em 2016-17 fecharam três colégios (Ancorensis - Caminha; Externato Nossa Senhora dos Remédios - Covilhã; Instituto São Tiago - Proença-a-Nova), a que se somaram outros três no ano letivo seguinte (Externato Dom Afonso Henriques - Resende; Instituto de Promoção Social de Bustos - Oliveira do Bairro; Instituto Vasco da Gama - Ansião) e mais três ainda antes do arranque do atual (Colégio de Campos - Vila Nova de Cerveira; Colégio Torre D. Chama - Mirandela; Colégio Ultramarino N.ª Senhora da Paz - Macedo de Cavaleiros). A este número, fornecido ao DN pela Associação de Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo, somam-se outros dois colégios apontados pela Associação Portuguesa de Escolas Católicas (Escola Regional Dr. José Dinis da Fonseca, em Cerdeira do Coa; e o Colégio Salesiano de Poiares, no concelho de Peso da Régua) que fecharam portas no arranque das aulas. Um número que deve aumentar nos próximos tempos.."Posso dizer que neste momento nenhum colégio com contrato de associação vive com uma perspetiva positiva em relação ao futuro", reconhece Jorge Cotovio, secretário-geral da associação de escolas católicas, que só à sua conta tem seis colégios encerrados. "E ainda nesta semana estive numa reunião em que o diretor de uma escola do interior admitia que não sabia o que ia acontecer, porque só tem uma turma do 5.º ano.".Regra geral, estes colégios reduziram para metade o número de turmas de anos de início de ciclo (5.º, 7.º e 10.º), o que tem impacto depois nos restantes anos. No interior, a sobrevivência destas escolas é ainda mais difícil porque os pais não têm dinheiro para pagar uma propina. "E mesmo o valor pago por turma não dá para sustentar as despesas de funcionamento de uma escola", aponta Jorge Cotovio, que ilustra os seus argumentos: "Querem requalificar as instalações e não podem, querem renovar o parque informático e não conseguem, têm de pagar do seu dinheiro aos professores de apoio especial. Os colégios estão a endividar-se e muitos equacionam se vale a pena continuar, mesmo os que têm apoios, porque o dinheiro não chega para as despesas.".O Ministério da Educação mostra-se preocupado com a perda de postos de trabalho - "por isso permitimos que até 2017-18 os professores que vinham desses colégios pudessem entrar na primeira prioridade, o que permitiu absorver grande parte deles no setor público" -, mas também defende que é o mercado que dita os encerramentos. "Há colégios que quando passaram a privado puro subsistiram, outros não. Foi o mercado a falar. Esses colégios fecharam em zonas onde existiam redundâncias, onde existia uma rede pública, muita e boa. Não fazia sentido manter o financiamento a esses colégios", argumenta a secretária de Estado adjunta e da Educação. Em entrevista ao DN, Alexandra Leitão assume mesmo que não tem "vergonha da palavra ideologia" e que o investimento na escola pública é prioritário..Mesmo que isso implique despesa adicional para o Estado, contrapõe o setor privado, "uma vez que as turmas que deixam de ser financiadas em contrato de associação, com um custo anual por turma de 80 500 euros, transitarão para a escola pública estatal, com um custo anual de 105 mil euros por turma". Números desmontados por Alexandra Leitão, que rotula de "enviesado" um argumento que imputa a todos os alunos das escolas públicas (1,1 milhões), e divide por cada um deles, o maior orçamento setorial do país, que inclui salários dos serviços centrais do Ministério da Educação. "Além disso", continua a secretária de Estado, "os professores do setor público neste nível de ensino têm - e bem, frise-se - 22 horas letivas semanais, enquanto os do privado têm 33. Basta isso para um aluno sair mais barato, para já não falar de salários...".Escolas no limite da capacidade.Os contratos de associação com as escolas particulares e cooperativas vêm da década de 1980 e foram criados para compensar a falta de rede pública em muitas regiões do país, em especial no norte e no centro. Um cenário que ainda se mantém em zonas como Leiria ou Fátima. Agora, com a redução desta oferta, Rodrigo Queiroz e Melo, diretor executivo da Associação de Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo (AEEP), teme um outro problema social. "O que se nota é que os pobres saíram e vieram alunos com capacidade financeira que até aqui não podiam entrar nessas escolas por questões de critérios de residência. Muitos deles saíram das escolas públicas para ir para o privado, que se tornou mais seletivo. A população desses colégios tornou-se mais estratificada por cima, porque até aqui não havia escolha de alunos, ao contrário do que possa dizer. E essa estratificação é péssima para a sociedade.".Até agora, as escolas públicas têm tido capacidade para receber os alunos dos anos que tiveram cortes nos apoios - embora, critica a AEEP, gastando "centenas de milhares de euros, por todo o país, na amplificação de escolas para receber os alunos que se viram privados de contrato de associação". Mas em zonas onde a oferta estatal ainda tem falhas e há muitos colégios em dificuldades, como no centro, já se lançam alertas sobre a pressão nos agrupamentos. "No nosso caso, há uma grande pressão em termos de instalações escolares, há uma grande sobrecarga nos horários dos alunos", admite o diretor do agrupamento de escolas de Pombal. A secundária do agrupamento é a única pública na cidade. Tem 1060 alunos no secundário, do 8.º ao 12.º ano. "O ideal era ser do 9.º ao 12.º, mas tivemos de desviar cinco turmas do 8.º ano da escola do 2.º e 3.º ciclo, que tem 660 alunos e também estava sobrelotada", explica Fernando Mota. "E uma coisa é certa: se tiver de receber mais alunos, porque se fala no encerramento de mais colégios nesta zona, não tenho capacidade, tem de se arranjar outra solução de ensino público na cidade.".Receios que Alexandra Leitão acalma, "porque da mesma forma que não tenho medo da palavra ideologia, também não há preconceito ideológico em recorrer aos contratos de associações em zonas em que continuam a ser necessários, e há zonas onde os colégios têm um financiamento elevado. Além disso, é feita uma análise da rede todos os anos e a escola pública garante sempre um lugar aos seus alunos". Mas fica o alerta para o futuro: recurso ao privado "só o estritamente necessário", porque, sempre que possível, "o objetivo é canalizar cada vez mais esses alunos para a oferta pública".