Às quartas e sextas-feiras, o restaurante Pigmeu, em Campo de Ourique, junta aos croquetes, pastéis de massa tenra e empadas de leitão que servia à mesa as batatas, cebolas, cenouras e alheiras. Estes são os produtos que mais vendem e que podem ser levantados no estabelecimento ou entregues em casa..Nesses dias, a atividade é grande, muitos cabazes de madeira com legumes, fruta, ovos biológicos, carne e outros alimentos, em cima do balcão, uns para os clientes que se deslocam ao restaurante, outros preparados para serem entregues em casa..Um serviço de takeaway (levantar no local) e delivery (entrega em casa) de alguns dos pratos servidos à mesa do restaurante, a que Miguel Peres, o proprietário, juntou uma mercearia online. Uma nova área iniciada pela necessidade de recuperar alguma da receita perdida com o tempo em que as portas vão estar fechadas (as mesmas que ninguém sabe quando vão abrir)..Quem recebe os produtos em casa paga cinco euros para compras inferiores a 30 euros, tornando-se gratuito a partir desta quantia. Quem é profissional de saúde ou tem mais de 65 anos também não paga pela entrega..A recolha no restaurante é feita à hora do almoço, cabazes que também chegam à porta do cliente durante a tarde. Em semana de Páscoa, houve até leitão da Bairrada (a região de Miguel) para distribuir em casa. Quem leva os produtos aos clientes é um amigo do proprietário, que trabalhava para uma empresa de entregas e deixou de ter pedidos.."Percebemos que este era um serviço útil às pessoas e tinha três lados: escoar o produto de alguns fornecedores, que servem os restaurantes e estão parados; servir os nossos clientes e conseguir mais alguma receita e manter as portas abertas", explica Miguel Peres..O Pigmeu é especialista em petiscos de porco alentejano, da quinta biológica da Herdade do Freixo, que é desmanchado no local e servido de uma ponta à outra no prato. Abriu há cinco anos em Campo de Ourique e estava a crescer a bom ritmo. "Estávamos a faturar mais neste ano, até porque fizemos um grande esforço de dinamização, tínhamos previsto vários eventos de comemoração dos cinco anos, com intercâmbio de cozinheiros, etc., até que apareceu o bicho...", lamenta o proprietário..O isolamento social foi decretado na segunda-feira, 16 de março, e o restaurante já não abriu na noite de sexta-feira. Proprietário e empregados voltaram ao espaço na terça-feira seguinte. "E agora, o que vamos fazer?", questionaram-se..Pensou-se logo no takeaway e no delivery, mas Miguel percebeu que não seria suficiente para manter o negócio. Tinha o exemplo da Comida Independente, que trabalha com produtores portugueses e que rapidamente passou a entregar encomendas em casa. Seguiu-lhes o modelo e iniciou a mercearia online, há duas semanas..Muitos dos clientes são frequentadores do restaurante, há colegas de profissão e gente nova. Miguel sente que há, também, muitas compras solidárias. O negócio não cobre o rombo de tantos dias parados, mas serve para aguentar as despesas. "Tínhamos capacidade para pagar as contas durante o mês de março e já vamos com 15 dias de avanço, os próximos tempos são decisivos. Poderemos aguentar-nos dois meses com o restaurante fechado, sobretudo se a mercearia online crescer e é onde devemos investir, é o que as pessoas querem.".Humor com vídeos se paga.Com espetáculos cancelados e projetos parados, Marco Horácio não pensou duas vezes em encontrar uma forma de entretenimento que lhe trouxesse rendimento, a si e aos seus colegas. A TVI foi o canal que mais rapidamente disse sim à sua proposta, um programa com outros humoristas, com sketches feitos nas suas casas, e com ele a servir de pivot e a dar unidade ao conteúdo. Está no ar desde domingo à noite, A Vida lá Fora.."É um programa meu, que desenvolvi com o Roberto Pereira, nasceu da minha necessidade como artista, ator e performer de fazer qualquer coisa numa altura em que as pessoas mais precisam. Todos os dias, somos bombardeados com notícias sobre a doença e não se consegue desligar. A nossa classe tinha de fazer mais qualquer coisa, quis ser um pouco mais ambicioso e preparar um projeto com que as pessoas se identificassem. Pus a minha cabeça a funcionar e pensei num formato que pudesse chegar ao grande ecrã", explica Marco Horácio..Tinha juntado 45 peças humorísticas num programa do YouTube, Amor com Humor se Paga, destinado ao público que os acompanha nas salas, quando o novo coronavírus entrou em Portugal e tudo se alterou. Afinou a ideia para o grande ecrã..Aqueles que convidou aceitaram. Cinco artistas, cada um com o seu papel e tema: António Machado (vozes), Raminhos (família), Nilton (atualidade), João Seabra (ventríloquo) e Guilherme Duarte (topo e fundo), com um convidado musical diferente todas as semanas, que canta uma música com letra adaptada por Marco Horácio e o cantor. O primeiro foi António Zambujo, o segundo, Diogo Piçarra. O genérico é cantado por Carlão e pelo irmão, João Nobre.."Nunca estamos em contacto presencial, o programa é feito com vídeos ou telefone, requer uma grande disciplina e entrega. Escrevemos, reescrevemos, filmamos e depois o editor faz a magia. A nível de imagem, temos um cuidado extremo para sermos um bom produto televisivo", assegura o anfitrião. E contratualizou logo de início oito programas: "Tinha de garantir pelo menos dois meses de trabalho.".Em duas semanas, o programa estava no ar: "É uma adaptação aos tempos", sobretudo para responder à pergunta "como continuar a fazer humor perante as circunstâncias", diz Marco Horácio. E acrescenta: "Parecendo que não, somos sete pessoas que também conseguem garantir a sua subsistência, o que é importante, porque não está bom para a classe artística. Além disso, todos continuámos a produzir conteúdos grátis. Neste caso, temos uma televisão generalista com um programa que, dadas as circunstâncias, tem bastante qualidade.".Cabrito do chef à nossa mesa.Chefs da gastronomia nacional fazem chegar os seus pratos às mesas das nossas casas, numa iniciativa da Timeless, que fornece o transporte. Justa Nobre (O Nobre), Vítor Sobral (Tasca da Esquina, A Peixaria da Esquina, O Talho da Esquina, O Balcão da Esquina, A Padaria da Esquina) e Vasco Gallego (XL) são alguns dos parceiros deste negócio..A chef de O Nobre, que uma vez ou outra chegou a preparar o cozido para um cliente que não conseguia uma mesa no seu restaurante aos domingos, decidiu logo apostar no takeaway quando foi obrigada a vetar a entrada de clientes, a partir de 16 de março..Uns dias parados, tempo para voltar ao restaurante do Campo Pequeno e pensar em fazer alguma receita. Começaram com o takeway às terças e sextas, entre as 12.00 e as 15.00. No momento em que a Timeless lhes propôs um serviço de estafetas, passaram a chegar diretamente a casa..Nesta semana de Páscoa tiveram várias encomendas e fizeram entregas no próprio domingo. "No domingo de Páscoa, enchíamos duas vezes a sala, vendíamos 20 cabritos. Neste ano, começámos a informar os nossos clientes de que íamos ter cabrito. Entretanto, fizemos uma parceria com a empresa de estafetas, o que simplificou a nossa vida e a vida dos clientes. Estamos ocupados e podemos ganhar alguma coisa", agradece Justa Nobre..Muitos dos clientes são fixos há muitos anos, menos jovens e mais jovens, outros são novos, pessoas que trabalham e estão sem empregadas..Justa está satisfeita com o resultado: "Felizmente, tenho muitas encomendas, sobretudo para a sopa de santola como entrada e o prato de cabrito. Não será o mesmo volume de negócio, mas estamos bem, com boas encomendas. Temos os clientes habitués e ganhámos novos.".São 22 pessoas a viver do restaurante, incluindo Justa e o marido, mas agora a maioria está em lay-off. E quanto ao futuro? "Ainda não se pensa nisso, não sabemos o que vai acontecer, um dia de cada vez. Temos de nos adaptar ao que a vida nos proporcionar", dita a sabedoria de Justa Nobre..Visionário há dez anos.Agora, o personal trainer Pedro Almeida até parece um visionário. Licenciado em Ciências do Desporto, iniciou há dez anos com outros profissionais (oito ao todo) uma plataforma de exercícios, presencialmente ou online. "Andamos a preparar-nos para este tipo de situações há dez anos, o que é certo é que o nosso trabalho é levar o treino às pessoas, presencialmente ou à distância.".Criaram o conceito Treinoemcasa, levar o treino até às pessoas em função dos seus objetivos e recursos. "Temos softwares desenvolvidos por nós que nos permitem programar os treinos, estar online com as pessoas e planificar a sua execução", explica Pedro Almeida..Significa que estava lá tudo para responder à necessidade de isolamento social a que a covid-19 obriga. O que mudou é que, em vez de terem 50% das aulas na presença do cliente e 50% virtuais, passaram a ter tudo no sistema virtual, aulas em grupo ou personalizadas (em direto). Continuam com a carteira cheia de clientes, mantendo os mesmos rendimentos.."Os nossos serviços são completamente profissionais e têm de ser pagos", justifica Pedro. Cobram desde quatro euros (treinos virtuais em grupo) até 34 (treinos individuais). A aula presencial é 20% a 25% mais caro. Disponibilizam treinos gerais para a comunidade, que passaram a ser diários, depois, quem quiser levar o "treino a outro nível, mais personalizado, direto, com programação", paga.."Felizmente, sempre tivemos muitos clientes e, como somos precisos a cada hora do treino, sentimos mais procura, mas o nosso serviço mantém-se inalterado", diz Pedro Almeida. "Já estávamos adaptados a estas circunstâncias, 50% do que fazíamos mudou, mas tínhamos os recursos", sublinha..Em equipa e tática que ganha não se mexe, logo o plano é para manter na pós-pandemia. "O nosso negócio já tendia para estas versões digitais, o que está ser potenciado por estas novas necessidades de ficar em casa. Já estávamos a inventar-nos e continuaremos a inovar, a adaptar, a encontrar soluções tecnológicas que agradem às pessoas.".Correios ao nosso lado.Ana Martinho é proprietária do estabelecimento Livros & Companhia, em Santa Clara, na Ameixoeira, um negócio pequeno mas sustentável e que muito tremeu com a obrigação de as pessoas não saírem de casa. Fechou no dia 16 de março, para abrir 15 dias depois.."Fiz a primeira quarentena, mas depois tive de abrir, não tenho subsídios, tenho de ganhar alguma coisa. E, também, porque sou posto de correios. Como estávamos na altura de as pessoas receberem as reformas, decidi abrir. Vêm muitos idosos, que não podem deslocar-se para longe de suas casas.".Abriu novamente as portas e não tem parado, até porque a estação dos CTT no Lumiar apenas está aberta ao público entre as 09.30 e as 13.30..Ana junta novos e velhos clientes nas suas instalações, um de cada vez, entre as 08.00 e as 13.00 e das 14.30 às 17.30. Há dias em que só consegue sair depois das 18.00. Outra área do negócio é o jogo e a imprensa, mas "quem lê jornais não sai à rua", conclui.."As pessoas estavam desejosas de que voltasse a abrir as portas, aqui não têm de estar em grandes filas como na estação dos CTT, esperam um bocadinho e são atendidas. Vêm os clientes habituais e novos clientes, até tenho pessoas que vêm do Lumiar para aqui", conta Ana Martinho.