Os quatro militares da GNR processados pelo juiz desembargador Neto de Moura não desistiram de provar a sua inocência no caso que os opõe ao magistrado e conseguiram agora uma nova vitória: numa rara decisão, o Tribunal Constitucional (TC) deu-lhes luz verde para poderem recorrer ao Supremo Tribunal de Justiça (STJ) da decisão condenatória da Relação. Tinham sido absolvidos em 1.ª instância. Neto de Moura ficou conhecido também por causa de acórdãospolémicos relativos a casos de violência doméstica (em 2017 e em 2018) e depois por ter processado quem o criticou..Foi em 2012, após o juiz ter sido intercetado em Loures por uma patrulha de fiscalização a conduzir um automóvel sem matricula, que começou a guerra entre a GNR e Neto de Moura. No dia seguinte, 10 de julho, foi denunciado pelo chefe da patrulha ao Conselho Superior de Magistratura (CSM). Segundo este militar, Neto de Moura "viu e ignorou a ordem de paragem dos militares da GNR", e, depois de intercetado, manteve uma "atitude provocatória, intimidatória e ofensiva" perante os elementos policiais. .O CSM arquivou esta denúncia, logo em setembro do mesmo ano e o magistrado apresentou de imediato uma queixa-crime contra os militares, por crimes de denúncia caluniosa e falsidade de testemunho. Julgados em tribunal foram absolvidos, mas Neto de Moura não se conformou e recorreu para o Tribunal de Relação de Lisboa (TRL)..O TRL foi ao encontro do desejo e os quatro militares foram condenados ao pagamento de uma multa de 2340 euros por denúncia caluniosa e falsidade de testemunho e ao pagamento de nove mil euros ao juiz desembargador. Para os juízes desembargadores ficou claro que o chefe da patrulha "mentiu"..Mentira "despudorada"."Dúvidas não restam de que o arguido Santos mentiu despudoradamente na participação que dirigiu ao CSM, bem como nas declarações prestadas no inquérito que se seguiu, imputando ao assistente a prática de um crime de desobediência que bem sabia não ter cometido, com o intuito, por mero revanchismo, de que contra este fosse instaurado um procedimento disciplinar", concluiu o Tribunal da Relação, em que definia que a fiscalização realizada pelos guardas "redundou num espetáculo vexatório" para o juiz..Esta decisão gerou também polémica por Neto de Moura ter escrito no recurso que os "polícias geralmente mentem". Declaração que motivou uma comunicação do Comando Geral da GNR a todo o seu efetivo, garantindo que iria expor o caso a entidades oficiais, como o Conselho Superior de Magistratura e o Ministério da Justiça. Por terem "sido produzidas afirmações que colocam em causa a integridade, a honestidade e a imparcialidade dos militares desta Guarda e, em última análise, das forças de segurança..Os militares também não se conformaram com a decisão do TRL e decidiram apelar ao STJ. O problema é que as decisões da Relação relativas a penas de prisão inferiores a cinco anos ou não privativas de liberdade não permitem recurso para a instância superior, no caso o STJ. Tanto que a Relação como o próprio Supremo proferiram despachos de não admissão do recurso..Os militares decidiram então apelar ao TC, invocando as garantias constitucionais de defesa e requerendo que a norma que impedia o recurso fosse declarada inconstitucional..Violação de direitos fundamentais de defesa.Os juízes conselheiros Manuel da Costa Andrade, Mariana Canotilho, Fernando Vaz Ventura e Pedro Machete acabaram por decidir mesmo pela inconstitucionalidade da norma, por violar as garantias da Constituição da República Portuguesa: "O direito fundamental ao recurso é, pois, condição indispensável para um exercício efetivo das garantias de defesa constitucionalmente consagradas", escreveram no acórdão a que o DN teve acesso..Não é a primeira vez que o TC se vê confrontado com uma situação desta natureza jurídica. Embora raros estes casos, o TC já decidiu duas vezes (em 2016 e 2018) pela inconstitucionalidade destas normas em casos de pena de multa, tendo no entanto também decidido pela constitucionalidade das mesmas em casos de pena de multa alternativa, em 2017..Neste caso de Neto de Moura vs. GNR há uma divergência de decisões entre a 1.ª instância e a Relação, em desfavor dos arguidos e isso conta para o TC. "De facto, o duplo grau de jurisdição só poderia, nesta sede, funcionar como garantia suficiente da tutela jusconstitucional do arguido se a decisão do recurso fosse, em toda a sua extensão, uma reapreciação da situação decidida pelo tribunal recorrido, ou seja, um reexame da matéria analisada e decidida pelo tribunal e não o julgamento de questões novas." Situação que aqui não se verifica, uma vez que a decisão do recurso é contrária à do julgamento e como tal a possibilidade de se verificar um erro judiciário aumenta..Desde março de 2019 que Neto de Moura está colocado numa secção cível do Tribunal da Relação do Porto, afastado de processos que envolvam violência doméstica, por despacho do presidente deste tribunal, Nuno Ataíde das Neves. O presidente da Relação do Porto tomou esta decisão, de transferência de um juiz noutra secção, por "conveniência de serviço", um dos três critérios possíveis para esta medida - os outros dois são a especialização do juiz e a preferência do próprio..A mais recente notícia a envolver o juiz dava conta que este tinha mudado o seu nome profissional de Neto de Moura para Joaquim Moura e que, pelo menos desde setembro de 2019, era com esse nome que assinava os acórdãos.