Estou infetada com coronavírus. Posso amamentar?
Quando o mundo é apanhado de surpresa por uma pandemia galopante como o novo coronavírus - que já infetou 460 mil pessoas e provocou a morte de quase 21 mil - há ainda muitas perguntas que ficam sem resposta. E, se os cientistas têm dúvidas sobre o comportamento de um vírus altamente contagioso e letal, o dirá quem tem bebés em casa? Se a insegurança já assola tantas vezes os pais, é garantido que com este surto as dúvidas são redobradas. A mãe pode amamentar se estiver infetada? Que cuidados se deve ter? E se estiver grávida, há risco de contaminar a criança? As perguntas são muitas, sobretudo quando se assiste a decisões das autoridades sanitárias que, como Portugal, colocaram os recém-nascidos e as grávidas no grupo prioritário para a realização do teste ao covid-19.
A norma da Direção-Geral da Saúde entra em vigor a partir das zero horas desta quinta-feira, 26 de março, e estabelece uma cadeia de prioridades para um cenário em que "não seja possível testar todos" os suspeitos de terem contraído o novo coronavírus. A ordem de prioridades é esta: doentes para internar, recém-nascidos, grávidas e profissionais de saúde sintomáticos.
Saber se a amamentação constitui um risco é uma das questões mais colocadas por quem tem bebés. O protocolo internacional diz que as mães infetadas podem continuar a amamentar, desde que se sintam em condições para isso e desde que tomem os devidos cuidados de higiene e sanitários para proteger os seus filhos: lavar muito bem as mãos pelo menos durante 20 segundos ou usar desinfetantes antes e depois de tocar na criança, desinfetar as superfícies onde toca, utilizar máscara durante a amamentação e cumprir a etiqueta respiratória - é preciso ter em conta que uma das principais vias de transmissão são a saliva e secreções.
Maria do Céu Machado, pediatra há mais de 40 anos e anterior presidente do Infarmed, sublinha que, a partir do momento em que a mãe tem a infeção, está a criar anticorpos no leite. E que, ao alimentar o bebé com o seu leite, transmite esses mesmos anticorpos ao bebé, ajudando-o a construir defesas.
A questão da amamentação preocupa os pais, mas é preciso lembrar que os estudos disponíveis não comprovam a transmissão vertical do vírus, ou seja, não há evidência de que a mãe infetada é capaz de passar a doença para o filho através do leite materno. Ou mesmo acontece para a gravidez. Porque o vírus se espalhou rapidamente pelo mundo, os estudos científicos conhecidos têm sobretudo por base a situação da China, o país onde o coronavírus teve origem e foi anunciado pelas autoridades no final de dezembro.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) é igualmente perentória sobre a alimentação com leite materno. Sim, uma mulher com covid-19 pode amamentar desde que cumpra todas as regras sanitárias.
Maria do Céu Machado não é defensora do uso de bombas por causa do novo coronavírus, sublinhando que é mais uma superfície em que se está a tocar e que tem de ser desinfetada. Já a Sociedade Portuguesa de Neonatologia considera que a extração mecânica de leite materno pode ser uma alternativa para as mães com doença grave: "Nestes casos este deve ser administrado por copo, colher, seringa ou biberão, respeitando as medidas de prevenção de infeções em todos os momentos."
E se a mãe estiver infetada deve ficar em isolamento, mas separada do filho? Neste ponto, o protocolo a seguir é controverso, com os especialistas a defenderem que a mãe e o bebé podem - e devem - estar juntos, embora com alguns especialistas a defenderem distância de dois metros e os cuidados de higiene recomendados. Já a agência norte-americana de controlo e prevenção de doenças (CDC) - que vai contra as recomendações da OMS, nomeadamente sobre a amamentação - tem uma opinião contrária e defende o isolamento de mães e filhos, separadamente.
A pediatra Maria do Céu Machado alerta para outro ponto: "O que seria fazer o isolamento de bebés num hospital? Se não ficar com a mãe teria de ficar com um profissional de saúde. Posso vir a mudar de opinião, mas, pelo que sei hoje, mesmo que a mãe seja positiva ao covid-19, o bebé deve ficar com ela. Já sabemos que estamos a aumentar o risco pondo o bebé numa enfermaria. Temos medo, mas também temos de ter algum bom senso e lógica."
Em Portugal nasceu, no dia 17 de março, no Hospital de São João, o primeiro bebé de uma mulher infetada com o novo coronavírus - o recém-nascido testou negativo ao covid-19. Uma situação compatível com os estudos publicados, segundo os quais não há evidência de uma transmissão vertical da infeção de mãe para filho.
É isso mesmo que diz um estudo de caso, publicado pela revista The Lancet em fevereiro. No entanto, é importante ressalvar que este estudo foi realizado apenas com nove mulheres grávidas infetadas. E que um segundo estudo, na mesma publicação, refere dois casos de contaminação de bebés na China, embora sem indicação de que resultasse de uma contaminação pelo cordão umbilical ou pelo leite materno.
Também sobre esta questão há muitas dúvidas. A OMS refere que não há evidências que apontem no sentido de as grávidas serem consideradas um grupo de risco, mas faz questão de frisar que estão a ser realizados estudos para perceber o impacto da infeção por covid-19 nas gestantes.
E alerta que, devido às alterações no corpo e no sistema imunológico, as grávidas podem ser seriamente afetadas por algumas infeções respiratórias. Assim sendo, a OMS diz que é importante tomarem precauções para se protegerem contra o covid-19 e que relatem ao médico sintomas como febre, tosse ou dificuldade em respirar.
Usando o mesmo argumento - as alterações fisiológicas e imunológicas que o corpo das grávidas sofre e as predispõem para contrair infeções -, a agência de controlo e prevenção de doenças dos EUA toma uma posição diferente, defendendo que as gestantes devem ser consideradas de risco.
No meio de tantas incertezas, os cientistas estão a consolidar uma outra convicção: o coronavírus pode antecipar o parto antes do termo.
As informações científicas disponíveis até ao momento referem que as crianças desenvolvem quadros menos graves de infeção do covid-19 e têm também sintomas mais ligeiros. As taxas de internamento na população infantil apontam para 2% (tendo a maioria outras patologias associadas, como bronquiolites, problemas no coração ou asma) e a letalidade é igualmente baixa.
O último boletim epidemiológico apontava para 34 crianças infetadas em Portugal (na faixa etária entre os 0 e os 9 anos).
Mas isso não quer dizer que os mais novos estejam a salvo deste vírus - o secretário-geral da OMS fez questão de chamar o mundo à realidade. "Esta é uma doença séria. Embora a evidência que temos sugira que aqueles com mais de 60 anos correm maior risco, jovens - incluindo crianças - morreram", disse Tedros Adhanom Ghebreyesus.
E se podem ter sintomas mais ligeiros, não quer dizer que deixam de ser veículos transmissores do vírus - são aconselhadas a não estarem com os avós, já que são os mais velhos os mais afetados pelo covid-19. Até porque, como faz questão de sublinhar Maria do Céu Machado, é preciso ter em conta que a transmissão começa um dia antes dos sintomas.
Uma das justificações avançadas para as crianças terem quadros de infeção mais leves é o facto de terem um sistema imunitário mais robusto para novos vírus. Ou então que alguma característica específica do coronavírus atinge menos os mais jovens. Mas também nesse tópico as certezas são poucas, o vírus ainda apresenta muitas dúvidas aos cientistas e as evidências baseiam-se quase todas nos estudos sobre a situação na China.
Mas como podem os pais distinguir uma gripe normal de uma infeção por covid-19 nos seus bebés? Maria do Céu Machado é perentória: "Não podem!" Os sintomas são semelhantes e nesta altura há vários metapneumovírus e parainfluenzas. O que parece evidente é que os bebés podem também ter problemas gastrointestinais, como diarreia e vómitos (embora possa igualmente surgir nos adultos).
Aconselha os pais a não correrem para os hospitais e privilegiarem o contacto com o pediatra ou com o médico de família. No caso de haver alguém infetado em casa, de algum contacto indireto com um infetado, ou de a criança ter dificuldades respiratórias, febre alta ou ficar prostrada, o procedimento deve ser ligar para a linha SNS24 (800 24 24 24).
Parece haver uma nova evidência: que os adolescentes e adultos jovens, mesmo já curados, uma ou duas semanas depois de desaparecerem os sintomas continuam a transmitir o vírus pelas fezes. Pelo que, nestes casos, os cuidados com a higiene devem ser redobrados.
A primeira parte da resposta é que estamos em estado de emergência, que determina o isolamento dos portugueses, embora permita os chamados passeios higiénicos. A segunda parte, dada pela pediatra, é esta: "Até ao primeiro mês de vida, a vida social é sempre zero. A partir dai, ouvir barulhos, como o dos passarinhos, estimula a criança; bem como apanhar sol de forma indireta. Se os pais viverem num local onde não vai muita gente, com umas árvores, podem levar o bebé em passeios curtos. E não é preciso colocar-lhe máscara."