E ao sexto ano a ser disputado no Clube de Ténis do Estoril, eis que uma pandemia travou a consolidação do Estoril Open. O maior torneio de ténis em Portugal devia começar esta segunda-feira a levantar pó de tijolo no palco que substituiu a partir de 2015 o complexo do Jamor, mas a temporada da terra batida foi cancelada devido ao coronavírus e evento português foi uma das vítimas. Assim, depois de Richard Gasquet, em 2015, Nicolás Almagro, em 2016, Pablo Carreño Busta, em 2017, João Sousa, em 2018 e Stefanos Stistipas, em 2019, o Estoril Open 2020 não terá vencedor. "Este ano vai ficar marcado como o ano em que não houve vencedor e só houve derrotados por culpa do coronavírus. Como recordação ficam as bolas, que já tinha sido produzidas e que serão históricas e cheias de significado", explicou ao DN o diretor do torneio João Zilhão, deixando uma certeza: "O Millennium Estoril Open voltará em 2021 - decorrerá entre 24 de abril e 2 de maio - mais forte e com mais novidades.".A azáfama do comité de boas vindas, as busca pelas credenciais pelos profissionais de comunicação e parceiros institucionais, a gestão da agenda dos tenistas - quem é preciso ir buscar ao aeroporto, quem quer treinar ou quem é selecionado para eventos de divulgação do torneio -, a logística da praça da alimentação, as recomendações/imposições do ATP, os convites e a gestão de egos na tenda VIP, o início aos jogos... Tudo isto devia estar a acontecer hoje, mas a realidade "é um silêncio que fere a alma" de quem esperou um ano por um momento que não acontece..Falta o barulho da bola a bater no court e o burburinho das gentes a vibrar com o ténis. Em vez disso sobressai o ruído do metal das estruturas a serem desmontadas. "Têm sido dias muito tristes, assistir à desmontagem do projeto. É um bocadinho triste, mas é a realidade. Dói muito... É inebriante ver o projeto a acontecer, dá gozo ver o Estoril Open ser montado. Por isso é uma dor no coração, depois de dez meses de trabalho, ver esta edição ficar pelo papel, mas todos sabemos as razões de isto acontecer e por isso não há que lamentar", confessou João Zilhão, lembrando que "a pandemia vai figurar nos livros de história mundial como uma altura em que o mundo ficou confinado e enclausurado nas suas casas"..O primeiro dia do torneio foi sempre vivido "com enorme expetativa" e alguma "solenidade", ao mesmo tempo que garantia que "tudo estava a funcionar". Por estes dias, em vez de estar "a trabalhar 20 horas por dia, atarefado e sem mãos a medir" para satisfazer pedidos de jogadores, patrocinador e até convidados, o diretor do torneio dedica-se "a renegociar contratos vários e tentar minimizar as perdas desportivas e os prejuízo financeiros", que deixam o torneio em "dificuldades". E logo agora que tinha conseguido recuperar a "boa saúde financeira, com receitas a crescer e custos controlados"..Numa primeira decisão a ATP tinha cancelado as provas de ténis até ao dia 26 de abril, podendo ser retomadas no dia 27, precisamente o dia previsto para o início do quadro principal do Estoril Open (quallifying seriam a 25 e 26). O diretor do torneio acreditava que era possível regressar nessa altura. Tanto que, já depois de ter garantido Stefanos Tsitsipas (campeão em título) e Félix Auger-Aliassime, ainda foi atrás de Stan Wawrinka e David Goffin, dois jogadores "fechados" nos dias anteriores ao congelamento dos circuitos mundiais. "Eram dois nomes extraordinários, um membro do top 10 e um jogador que já foi e tem três títulos do Grand Slam", disse Zilhão "desolado" por ver um quadro "fantástico e com tanto potencial", onde havia oito top-20, sem sair do papel. Mas vai servir de inspiração para uma espécie de Estoril Open virtual durante a semana. Apesar do ténis não ser um desporto de contacto é um desporto que vive da paixão e presença das pessoas e por isso fazer um torneio à porta fechada não era opção: "É preciso não esquecer que o Estoril Open é um evento social, dos mais importantes em Portugal. Um evento de muito contacto humano, que não faria sentido à porta fechada. Os nosso sponsors também não estavam interessados nisso, para eles não fazia sentido ser apenas um evento de televisão, gostam de convidar os seus melhore clientes, mimar amigos e tirar partido comercial do torneio. A vantagem do Estoril Open é a interação com os clientes e potenciais clientes." Adiar o torneio ainda foi ponderado, mas a ideia não teve pernas para andar. "O evento é construído de raiz. Apesar de ser feito num clube de ténis, todas as infraestruturas são construídas de forma temporária para aquela semana, desde as tendas dos sponsors a restaurantes, as bancadas... Tudo isso tem custos astronómicos e se por ventura a ATP nos arranjasse uma data para setembro ou outubro haveria um risco muito grande de começarmos novamente a montar tudo e o evento não se poder realizar". A opção foi mesmo cancelar e voltar para o ano, dando o ano como perdido. Mas urge minimizar estragos: "Somos uma estrutura pequena, altamente profissional, que trabalha com muito rigor para montar o Estoril Open todos os anos. Se conseguirmos ultrapassar esta tempestade, vamos voltar mais fortes. Têm sido reuniões difíceis, alguns dos nosso sponsors também estão a sofrer muito com esta crise provocada pelo combate ao coronavírus e com os seus negócios altamente afetados.".Não há pandemia que apague o triunfo de João Sousa da memória.Sem seguro contra pandemias, o impacto financeiro de ter um evento adiado é um prejuízo de "centenas de milhares de euros". E "custa ainda mais" quando se tinha tudo para o "melhor ano de sempre" do torneio: "Íamos com o recorde de venda de bilhetes, de venda de camarotes, de venda de direitos televisivos e de patrocínios, que são as quatro áreas de receita, que ficaram praticamente reduzidas a zero". Isto porque não havendo torneio o valor dos patrocínios é devolvido, embora alguns sponsors e parceiros estejam a negociar as verbas de forma a ajudar a organização a fazer face aos prejuízos. São mais de 50 as marcas associadas ao torneio. Já os cachets acordados com os atletas só costumam ser pagos no final dos torneios e por isso não penaliza..Os milhares de pessoas que já adquiriram bilhetes, por exemplo, irão ser ressarcidas automaticamente pelo valor dos bilhetes comprados. "É um ano difícil para nós, mas devolver o dinheiro às pessoas era importante num momento como este. Foi a decisão mais prudente e honesta, apesar de isso só trazer dificuldades acrescidas para nós como empresa. Mas as pessoas compraram bilhetes num determinado contexto e jogadores anunciados, que não passam para 2021", justificou o diretor, explicando que as negociações com os jogadores vão ter de começar todas de raiz. Por exemplo: "O Tsitsipas, por exemplo, foi contrato e vinha como campeão do masters e número 6 do ranking mundial, mas a situação dele para o ano pode ser diferente." João Zilhão adorava "ter o poder de saltar" já para o dia 24 de abril de 2021, data prevista para o Estoril Open do próximo ano e poder vibrar com os nove dias de ténis mais intensos do ano. Por agora restam-lhe algumas memórias dos primeiros cinco anos. A vitória do João Sousa em 2018 foi o momento que mais me marcou pela positiva, depois de três anos seguidos a ser eliminado à primeira: "Foi triste para nós, para os nosso parceiros e patrocinadores dele como o Millenium BCP, mas depois ele consegui apagar essa tristeza toda de uma só vez quando venceu. Foi indo ronda, após ronda, com vitórias espetaculares, ganhando ao Kyle Edmund, ao Tsitsipas, ultrapassando aqueles dois match points frente ao Pedro Sousa... foi uma caminhada épica, que só podia terminar com um triunfo histórico e inesquecível.".Já está garantido para 2021? "Por um lado é imprescindível que ele jogue para nós, mas é preciso não esquecer que é o melhor tenista português de todos os tempos e isso obriga a uma negociação", respondeu Zilhão, lembrando a relação "umbilical" entre o tenista e o torneio. Por isso, no que depender do diretor do evento, João Sousa continuará a ser "o grande embaixador do Estoril Open por muitos e bons anos". Mas nem só de boas notícias se fez o renascimento do torneio. O diretor, que se orgulha de ter uma ligação muita pessoal com os tenistas, também não esquece o dia em que foi informado que Del Potro estava a caminho do aeroporto para regressar à Argentina porque lhe tinha morrido o avô. Dias antes tinha acontecido o mesmo com o Kyrgios. Duas mortes que ensombraram a edição de 2017, mas "nada tão negro" como as notícias deste ano, que levaram ao cancelamento do Estoril Open devido ao coronavírus.