Alice Vale de Gato lembra-se da sensação de angústia. Nas notícias sucediam-se os desastres ambientais e climáticos, colhendo vidas à passagem, causando destruição e obrigando populações a fugir. E ela não conseguia ficar indiferente. "Percebi que por muito que fizesse individualmente, não chegava", diz a jovem de 17 anos, estudante de Ciência Política e Relações Internacionais na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa..Então, em fevereiro, soube de um novo movimento, a Greve Climática Estudantil, que estava a preparar uma manifestação a nível internacional para o mês seguinte. "Juntei-me logo, para ajudar." E é lá que tem estado de corpo e alma desde então. "É das coisas mais gratificantes que faço", garante. "Tem sido muito bonito ver este movimento acordar e transformar o desespero em esperança e perceber que juntos podemos construir algo melhor.".A Greve Climática Estudantil - que a jovem adolescente sueca Greta Thunberg lançou e de que é o rosto mais visível - é o mais recente movimento juvenil, que mobiliza também os mais novos ativistas de sempre, a população estudantil entre os 13 aos 23, irrompeu de forma inesperada e avassaladora no início deste ano e, um pouco por todo o mundo, contagiou "os miúdos", que saíram à rua para exigir ações concretas e urgentes dos decisores políticos para travar as alterações climáticas. "Ouçam os cientistas", gritaram. "Estamos a ficar sem tempo.".Podia ter ficado por ali, mas não - pelo menos até agora. Quase surpreendentemente, os jovens estudantes do básico e secundário (alguns já estão na universidade) organizaram-se. Criaram grupos informais que ligam em rede, conseguem mobilizar-se de forma rápida usando as redes sociais e exigem uma coisa muito concreta: justiça climática já. "Chamar-lhe um movimento ambientalista seria redutor, porque há toda uma série de questões sistémicas e sociais, ligadas ao nosso modo de vida e à economia, que estão relacionadas com o problema das alterações climáticas", sublinha Alice Vale de Gato..Gil Ubaldo, 19 anos, concorda. O estudante universitário também está envolvido na Greve Climática Estudantil, além de participar na Climáximo, outra organização ambientalista que defende a ideia da justiça climática. Gil vê o ativismo de forma abrangente. "O que está em causa não é um problema estritamente ambiental, mas sistémico, que decorre da nossa economia carbonizada, e é tudo isso que tem de ser mudado se queremos travar as alterações climáticas", assegura..Alice e Gil não estão sós na sua visão. A Greve Climática Estudantil é apenas a manifestação mais recente - e talvez a mais surpreendente, pela jovem população que mobiliza - da preocupação generalizada, e vertida em múltiplos protestos, à vista da falência ambiental que vai tomando conta do planeta, na extinção das espécies e na perda de biodiversidade, nos oceanos afogados em plástico, na poluição, no esgotamento dos recursos e nas alterações climáticas com os seus fenómenos extremos, que já estão a fazer vítimas e a causar danos..Urgente! Urgente!.As alterações climáticas são, afinal, o denominador comum dos múltiplos movimentos e ações de protestos que se têm multiplicado a nível internacional, mas também em Portugal, considera a socióloga do ambiente Luísa Schmidt, investigadora do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, que há muito segue as políticas ambientais e os movimentos da sociedade civil nesta área..A par das organizações ambientalistas tradicionais, como a WWF ou a Greenpeace a nível internacional, ou a ZERO entre nós, a emergência de novos grupos e associações, e respetivos combates, propostas e modos de vida alternativos, "acaba por não ser uma surpresa", diz a especialista. "Isto vem de trás. Desde 1997, quando começámos a fazer os inquéritos sobre a sustentabilidade [tocando preocupações ambientais e hábitos de consumo, entre outros] que observamos uma crescente consciência das pessoas sobre estas problemáticas", explica..Aí estão eles, agora, esses novos movimentos e práticas. Organizam-se e exigem ações por parte dos políticos, defendem e praticam novas formas sustentáveis de consumo, de transporte e de produção de alimentos em grupos informais, em comunidades alternativas ou em bairros nas cidades europeias, muitas vezes com apoio dos poderes locais, como acontece com as hortas urbanas ou a microprodução energética com painéis solares e minieólicas. Uma realidade diversa e complexa que é a expressão visível de uma consciência que esteve longo tempo a maturar e cujo clique "foram as alterações climáticas, que as várias gerações identificam hoje como o problema mais urgente", sublinha Luísa Schmidt..Nos anos 1970, as marés negras e a prática de alguns países, como Alemanha, Itália ou Reino Unido, entre outros, de despejarem os resíduos das suas centrais nucleares no Atlântico (bem perto dos Açores e da Madeira) despertaram com fragor a consciência ecologista - e os respetivos protestos - nas sociedades ocidentais. Foi o tempo em que se criaram os partidos ecologistas, com especial vigor na Alemanha, e a Greenpeace impôs a suas mediáticas perseguições aos navios baleeiros..Agora chegou a vez de as alterações climáticas fazerem de catalisador do ativismo, que também assume frequentemente ações conjuntas, como se viu na marcha pelo clima e na contracimeira em Madrid, durante a COP 25, no início de dezembro, em que todos os tipos de movimentos, associações, organizações e ativistas, dos mais tradicionais aos mais recentes, marcaram presença lado a lado.."É bom ter vozes diferentes, que se complementam. Esta diversidade é uma mais-valia", assegura Francisco Ferreira, presidente da Associação ZERO, que acompanha as negociações climáticas há mais de duas décadas..Agora, com a destruição ambiental e o problema climático cada vez mais evidentes, a urgência tornou-se uma das palavras de ordem dos novos movimentos. Falam dela Alice Vale de Gato e Gil Ubaldo. Mas também João Camargo, 36 anos, um dos fundadores, em 2014, da associação portuguesa Climáximo, que luta pela justiça climática. Ou ainda Guilherme Serôdio, 35 anos, que em Bruxelas foi durante anos consultor das instituições europeias para a inovação e a gestão de parcerias internacionais, e ali mesmo acabou por se dedicar ao ativismo em facilitação social e organização de redes coletivas, tornando-se um dos fundadores, no final de 2018, do ramo belga da Extinction Rebellion, surgido seis meses antes no Reino Unido..A organização, que tem sido notícia pela invasão e pelo bloqueio de espaços públicos, incluindo estradas e edifícios governamentais em vários países, professa a desobediência civil e a não violência, pretende a declaração do estado de emergência climática por parte dos governos, a criação de assembleias cidadãs para aprofundar a democracia e a adoção de um plano para fazer face à emergência climática e à degradação ambiental..De regresso a Portugal há menos de dois meses, instalado em Montemor-o-Novo, numa comunidade que pratica um modo de vida sustentável e "pós-crescimento", como lhe chama, referindo-se "à mudança de paradigma económico que é necessário fazer", Guilherme Serôdio trouxe a sua experiência de ativismo, e a intenção de a aplicar, não apenas junto da comunidade onde vive mas, de forma mais alargada, passando os seus conhecimentos de técnicas de facilitação social e apoiando a implantação dos Extinction Rebellion por cá, como já está a fazer.."Não se consegue resolver o problema das alterações climáticas, nem todos os outros problemas ambientais, mudando apenas a forma como produzimos energia", assegura. "A degradação ambiental e climática decorre da exploração dos recursos e de um modo de vida assente no atual paradigma económico, que tem na base o crescimento contínuo. Mas isso é incompatível com o planeta, que é finito, e por isso já estamos no limite. É urgente mudar tudo isso", resume..João Camargo, da Climáximo, tem opinião idêntica. Foi aos 23 anos, quando fez o mestrado em Engenharia do Ambiente, que descobriu a sério as questões ambientais. "Foi como se a minha cabeça tivesse explodido, quando descobri o diagnóstico e a dimensão dos problemas. Tive de recolher-me durante um tempo.".Nos cinco anos seguintes deu aulas de Química e Botânica, na Universidade Lúrio, em Pemba, Moçambique, "uma experiência incrível". Mas depois decidiu regressar e passar a ação. "Nessa altura envolvi-me no ativismo social, nomeadamente com a questão dos precários." E foi de novo o estudo que o levou às questões ambientais, com o doutoramento em Alterações Climáticas e Políticas de Desenvolvimento, que iniciou em 2014 e está agora a terminar..Daí à criação da Climáximo ainda naquele ano foi um passo. "Percebemos que havia um vazio na questão da justiça climática e decidimos preenchê-lo." Pegando nos dados da ciência, a associação fez sessões em coletividades, escolas e outros espaços públicos, envolveu-se na luta (já ganha) contra a prospeção de petróleo em Aljezur e a de gás (que ainda decorre) na região centro, e tem em curso uma campanha para a criação de cem mil novos empregos para o clima. Por isso mesmo tem estado em comunicação com inúmeros sindicatos, porque a transição energética, mais cedo (como preconizam) ou mais tarde (como provavelmente acontecerá, a julgar pela lentidão que têm marcado as negociações climáticas), vai ter mesmo de acontecer..A mudança para a produção de energia por fontes renováveis e a eletrificação dos transportes já está, aliás, em marcha. Resta saber se o prazo de dez anos que os cientistas apontam como o limite para que essas mudanças de fundo aconteçam, a fim de evitar efeitos irreversíveis no clima, tem alguma hipótese de ser cumprido. Uma coisa é certa: os ambientalistas, todos eles, prometem não baixar os braços.