Afinal, violar as normas do estado de emergência pode ou não implicar acusação de crime de desobediência para quem o fizer? O último decreto presidencial renovando esta situação de exceção por mais duas semanas (de 24 de dezembro a 7 de janeiro) lançou a confusão com um novo artigo, o 6.º, onde se lê que "a violação do disposto na declaração do estado de emergência, incluindo na sua execução, faz incorrer os respetivos autores em crime de desobediência"..Ora, esta previsão não estava nos decretos anteriores do Presidente da República - pelo menos nos relativos aos decretos do estado de emergência da segunda vaga da pandemia (esteve em dois decretos de abril). E assim o efeito novidade criou a ideia de que, a partir de 24 de dezembro, outro galo cantaria, com o cerco a apertar-se sobre os desobedientes e uma atitude mais dura do Estado. Nada mais errado..Na verdade, o decreto do governo que regulamenta o estado de emergência em vigor (decreto n.º 11/2020, de 6 de dezembro) já prevê o crime de desobediência. E o Presidente da República nem precisava de o explicitar no seu último decreto porque a lei geral do estado de emergência já o prevê: "A violação do disposto na declaração do estado de sítio ou do estado de emergência ou na presente lei, nomeadamente quanto à execução daquela, faz incorrer os respetivos autores em crime de desobediência.".De Lisboa a Moscovo, restrições para não receber o vírus no Natal.O que pode então levar alguém a ser acusado de crime de desobediência (que pode dar até dois anos de prisão)?.Por exemplo, violar o dever de encerramento de estabelecimentos como discotecas, salões de dança ou de festa, parques de diversões e parques recreativos e similares para crianças, salões de jogos e salões recreativos ou organizar (e participar) em "desfiles e festas populares ou manifestações folclóricas"..Arrisca-se também a uma condenação dessas quem violar uma imposição de confinamento obrigatório (que pode ser em casa, num estabelecimento de saúde ou "noutro local definido pelas autoridades competentes"). Este confinamento obrigatório envolve doentes com covid-19 e os infetados com SARS-CoV-2, bem como "cidadãos relativamente a quem a autoridade de saúde ou outros profissionais de saúde tenham determinado a vigilância ativa"..Outra violação do estado de emergência passível de crime de desobediência é relativa às proibições de circulação - vulgo: recolher obrigatório - nos concelhos com níveis de risco pandémico "extremamente elevado", "muito elevado" e "elevado". Esta proibição vigora genericamente nos dias úteis entre as 23.00 e as 05.00 do dia seguinte; e aos sábados e domingos, no período compreendido entre as 13.00 e as 05.00..E, além disso, as imposições de encerramento a que estão sujeitos diversos tipos de estabelecimentos comerciais - começando pelos restaurantes e acabando nas grandes superfícies (as pequenas mercearias podem manter o horário normal e há outros estabelecimentos que podem ser mantidos abertos, como farmácias ou áreas de serviço)..O que não parece ser passível de uma acusação destas são as normas relativas ao uso de máscara (basicamente só em casa é que é autorizado não usar)..Por proposta dos sociais-democratas, foi aprovada na Assembleia da República uma lei determinando a "imposição transitória da obrigatoriedade do uso de máscara em espaços públicos". Acontece, no entanto, que o respetivo regime sancionatório só abrange a situação de calamidade, contingência e alerta - e Portugal está novamente em estado de emergência. O diploma tinha no entanto um prazo de validade de 70 dias, prazo esse que está quase a chegar ao fim - pelo que os sociais-democratas agendaram para votação no Parlamento nos próximos dias um outro projeto, renovando a obrigatoriedade do uso de máscara por mais 90 dias..No mais recente relatório da Estrutura de Monitorização do Estado de Emergência, relativo ao período de 24 de novembro a 8 de dezembro, lê-se que as Forças e Serviços de Segurança "mantiveram uma abordagem pedagógica de apelo ao bom senso e ao princípio da boa-fé" e só recorreram "à cominação com o crime de desobediência" em "situações pontuais em que os cidadãos se recusaram terminantemente a acatar as recomendações" de cumprimento da legislação em vigor..Naquele período, as forças de segurança detiveram 20 pessoas pelo crime de desobediência, aplicaram 359 coimas e encerraram 38 estabelecimentos..Nos concelhos de risco elevado foram aplicadas 133 coimas de um total de 359, das quais 37 por incumprimento do distanciamento físico nos locais abertos ao público, 11 por falta do uso de máscara nos transportes públicos e em salas de espetáculos ou edifícios públicos, 25 por incumprimento do horário de encerramento dos estabelecimentos de restauração, 13 por incumprimento das normas sobre a realização de celebrações, 31 por consumo de bebidas alcoólicas na via pública e as restantes por outros incumprimentos. Quanto aos concelhos de risco muito elevado e extremo, foram aplicadas 164 coimas" ao todo, pelos mais diversos motivos..Também nos concelhos de risco moderado houve necessidade de atuação policial, com a aplicação de 62 coimas - registando-se oito detenções por desobediência à obrigação de confinamento obrigatório e uma por desobediência ao encerramento de instalações e estabelecimentos..No relatório anexo da GNR, a corporação diz que "no decurso das ações de sensibilização e de fiscalização desenvolvidas pela Guarda, observa-se um grau de acatamento moderado às imposições legais estabelecidas no período em referência, particularmente no que concerne à obrigatoriedade do uso de máscara ou viseiras, ao consumo de bebidas alcoólicas na via pública e ao cumprimento das normas de distanciamento social e dos ajuntamentos sociais".