As escolas estão a pagar abaixo do salário mínimo para contratar auxiliares. Boa parte dos mais de 30 concursos publicados já neste ano em Diário da República não preveem valores/hora equivalentes aos 600 euros de retribuição mínima mensal garantida para 2019. E se muitas escolas publicitam contratos para assistentes operacionais até junho e a tempo parcial calculados tendo em conta o salário mínimo no ano passado (que era de 580 euros), outras assumem valores ainda mais baixos, como um agrupamento de Leiria que paga apenas 3,49 euros por hora..A informação foi publicada em Diário da República (DR) na semana passada: o agrupamento de escolas Caranguejeira-Santa Catarina da Serra abriu concurso para contratar dois assistentes operacionais a meio tempo (3,5 horas por dia) até ao final do ano letivo. Remuneração ilíquida/hora: 3,49 euros, o valor mais baixo de todos os anunciados neste ano em DR e que, feitas as contas, não chega a 270 euros (268,7 euros) de ordenado mensal..As contas para se chegar ao valor/hora a pagar a estes trabalhadores, mesmo que contratados para as chamadas horas de limpeza, têm por base uma fórmula em que se multiplica a remuneração base mensal (que corresponde à retribuição mínima garantida, que neste ano é de 600 euros) por 12, dividindo depois esse valor com o que resulta da multiplicação de 52 semanas por 35 horas semanais de trabalho. O valor/hora pago para estes contratos, que as escolas assumem ser "para as funções correspondentes à carreira e categoria de assistente operacional", devia ser de 3,96 euros..Mas se o DN encontrou pelo menos sete agrupamentos que oferecem esse valor, há outros tantos que anunciam pagamentos de 3,82 euros à hora, o valor praticado em 2018, em concursos assinados já neste ano. E apesar de os anúncios referirem que os concursos são válidos "para eventuais contratações que ocorram durante o ano escolar 2018-2019", os sindicatos frisam ao DN que têm de ser aplicadas as regras salariais do novo ano civil..Concursos que, saliente-se, não estão relacionados com outro anunciado pelo governo há três semanas para entrada de mil assistentes operacionais nos quadros da função pública..Entre os concursos consultados pelo DN, há um que merece destaque pela positiva: o Agrupamento de Escolas de Castelo de Vide calcula o valor/hora a pagar a um assistente operacional com base no salário mínimo pago na função pública - 635 euros - e não na retribuição mínima de 600 euros. Resultado: propõe-se pagar 4,19 euros/hora, a que acrescenta ainda um subsídio de refeição no valor de 4,77 euros por quatro horas de trabalho diário..Menos de 3,5 euros à hora a auxiliares. O que não se percebe e nenhuma fórmula consegue explicar é o recurso a pagamentos abaixo de 3,5 euros, que a diretora do Agrupamento de Escolas Caranguejeira-Santa Catarina da Serra diz ser responsabilidade da Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares. "Estamos a falar de tarefeiros", começa por sublinhar Ilda Duro ao DN, "e se há alguma irregularidade com o valor, eu não a conheço, até porque, apesar de o concurso ser lançado pela escola, é um ofício da DGEsTE que determina os valores que devem ser praticados. De qualquer forma, se existir alguma inconformidade, ela terá de ser corrigida depois de os contratos serem celebrados"..Esse é aliás o conselho que os sindicatos deixam aos trabalhadores que foram contratados por valores/hora abaixo do previsto para o salário mínimo. "Isto acontece porque os contratos são feitos escola a escola, cada uma faz o que quer e depois são obrigadas a retificar o valor/hora quando os contratos são formalizados. Portanto, aconselhamos os trabalhadores a contactarem os sindicatos se perceberem que estão a ser pagos abaixo do salário mínimo, porque a lei obriga a essa retificação." Artur Sequeira, dirigente da Federação Nacional dos Sindicatos dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais, explica que o que está escrito no concurso não substitui a lei e critica o Ministério da Educação por "não acompanhar estes concursos e fazer chamadas de atenção quando são apresentados estes valores"..Críticas em que é acompanhado por Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP), que considera que devia existir um valor estipulado pelo Ministério da Educação para estes contratos e que fosse claro para as escolas, para não haver estas diferenças..O DN questionou o gabinete de Tiago Brandão Rodrigues sobre estas questões, que respondeu que a remuneração dos assistentes operacionais "é a prevista na lei e o Ministério da Educação não tem conhecimento de que haja irregularidades". "Provavelmente os contratos a que o DN faz referência são aqueles para substituições temporárias e para reforço das horas de limpeza e esses, porque parciais, têm a remuneração proporcional às horas trabalhadas", continua o Ministério da Educação, o que não explica a existência de valores/hora tão diferentes entre concursos e abaixo do que estipula a fórmula para o seu cálculo..Fuga para outros ministérios.João Dias da Silva, presidente da Federação Nacional da Educação, ataca o recurso sistemático às horas para limpeza, que na prática se destinam a compensar a falta de auxiliares. Um inquérito divulgado na semana passada pela Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP) concluiu que faltam cerca de 3400 assistentes operacionais nas escolas. "Sabemos que estes tarefeiros não vão só para fazer trabalhos de limpeza", afirma Dias da Silva, "são necessidades efetivas das escolas, pagas por valores que são muitas vezes ridículos.".Um recurso que a ANDAEP também rejeita, "até porque percebemos que a utilização de tarefeiros está a regressar em força"..Ainda ontem foi publicado um concurso em Diário da República para contratação de quatro auxiliares para uma escola de Odivelas. Entre as atribuições destes trabalhadores, além de "limpeza, arrumação, conservação e boa utilização das instalações", estão garantir a segurança de jovens na escola, "efetuar tarefas de apoio de modo a permitir o normal funcionamento dos serviços" e "outras funções inerentes à carreira e categoria de assistente operacional". Remuneração base prevista: 3,82 euros por hora, a que acresce o subsídio de refeição..No caso da escola de Leiria nem sequer este subsídio é pago, apesar de a lei o prever quando o funcionário trabalha pelo menos 3,5 horas. A diretora da Caranguejeira-Santa Catarina da Serra argumenta com os vários ofícios à DGEsTE a alertar para as dificuldades do seu mega-agrupamento, que engloba 19 escolas e mais de mil alunos, agrupamento abaixo dos rácios de funcionários definidos por lei. "Ainda no ano passado se reformaram duas assistentes operacionais, outra morreu e três foram para a Segurança Social. Temos pelo menos cinco que já estão acima dos 60 anos", lamenta Ilda Duro. "Isto para já não falar da falta de assistentes técnicos: saiu a coordenadora técnica e a funcionária que tratava dos vencimentos. Neste momento sou eu que tenho de tratar dos assuntos que dizem respeito aos professores.".Para a Federação Nacional dos Sindicatos dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais a fuga das escolas dos assistentes operacionais só pode ser travada com "a valorização das suas funções", através da recuperação de uma carreira especial nesta área, uma das reivindicações que justificou a marcação de uma greve nacional de pessoal não docente a 21 e 22 de março..O questionário enviado pela ANDAEP aos agrupamentos de escolas do país mostram que 10% dos assistentes operacionais estão de baixa e a esmagadora maioria dos diretores (85%) consideram ter um número insuficiente de auxiliares. Nas secretarias, o panorama é semelhante: cerca de 10% dos assistentes técnicos estão ausentes do serviço. Há cerca de três semanas, o governo anunciou um concurso para contratação de mais mil auxiliares, mas o processo ainda não arrancou por falta de atribuição de vagas às escolas.