Eça de Queiroz e a abertura do canal de Suez

Maria Filomena Mónica escreve sobre o repórter Eça de Queiroz na abertura do Canal do Suez.
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A 23 de outubro de 1869, acompanhado pelo conde de Resende, Eça de Queiroz partia em grande estilo rumo a Alexandria. Resende levava um cartão-de-visita, identificando-o como "le comte de Resende, grand amiral du Portugal"; Eça um passaporte diplomático, que dizia ser ele "um encarregado de negócios" (isto é, portador de correspondência diplomática). A 17 de novembro, já se encontravam no Suez.

Os seus artigos sobre as festas de inauguração apareceram, no Diário de Notícias, entre 18 e 21 de janeiro de 1869, sob o título "De Porto Said a Suez". Nele, Eça declara ser um mero jornalista fornecendo "uma narração trivial". Trivial não o é seguramente. Note-se a forma como, tendo apenas 22 anos, relata o trajeto até Alexandria e o embarque: "Port Said, cheio de gente, coberto de bandeiras, todo ruidoso dos tiros de canhão e dos hurras da marinhagem, tendo no seu porto as esquadras da Europa, cheio de flâmulas, de arcos, de flores, de músicas, de cafés improvisados, de barracas de acampamento, de uniformes, tinha um belo e poderoso aspeto de vida."

O segundo artigo relata os boatos que tinham circulado: que um navio tinha encalhado, que as autoridades andavam desorientadas, que tudo seria um fiasco. Após múltiplas peripécias, no dia seguinte conseguiu partir, com o amigo, em direção a Ismaília.

No terceiro artigo, Eça conta-nos como tinham decorrido as festas. Os regimentos egípcios tinham acampado junto ao lago. As tendas abertas deixavam ver os lustres pendentes e os tapetes de Meca. O imperador da Áustria tinha passeado por Ismaília montado num dromedário. À noite, estalaram fogos-de-artifício. A meio da noite, quando se preparava para deixar o recinto, Eça cruzou-se com Lesseps, o engenheiro francês que planeara a obra, "uma figura delgada e nervosa, bigode curto e branco, e dois olhos que faíscam em negro, cheios de inteligência e sinceridade".

No quarto artigo, a grande procissão de navios sai em direção ao Suez. Em vez de nos falar do que o canal representava como proeza tecnológica, Eça prefere evocar passagens históricas: "Foi neste lugar que passaram os Hebreus, guiados por Moisés; foi aqui que ficaram sepultadas as legiões dos faraós, 15 mil homens e 1200 carros. Para o lado do Egito, a Lua branqueava uma vasta planície: era Gessen, a terra dos patriarcas. Os faraós tinham dado aquele lugar aos Hebreus, lugar então cheio de culturas e de searas, hoje coberto de areias. Foi dali que eles partiram em demanda de Canaã."

Eça não fora ao Egito numa viagem de estudo, mas numa peregrinação romântica. No ano anterior, tinha vivido em Évora onde, durante alguns meses, dirigiu um jornal. Odiou a vida de província tendo, contra a vontade do pai, optado por regressar a Lisboa. A viagem ao Egito foi a sua primeira saída de Portugal. Quando regressou, todos perceberam que vinha outro.

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