Duas semanas para a extinção do SEF: "Uma gigantesca operação de cosmética!", alertam inspetores
A menos de duas semanas de se concretizar a extinção do SEF e a transferência das suas competências por sete entidades, que a lei determina que seja no próximo dia 29 de outubro, o otimismo do ministro da Administração Interna (MAI), José Luís Carneiro, ainda não contagiou quem está no terreno a pensar na segurança e nas migrações.
Num balanço feito a pedido do DN, os principais sindicatos do SEF notam uma grande apreensão e várias dúvidas ainda dominam a sua perceção sobre esta reorganização, que o presidente da Republica, Marcelo Rebelo de Sousa, classificou de "revolução difícil".
"Foi na sexta-feira publicado o despacho assinado pelo MAI e pela Ministra da Justiça que fixa em 404 inspetores (324 para a PSP e 80 para a GNR) o contingente a afetar a estas forças, no âmbito da transição do SEF. Isto equivale, em traços gerais, a que todos os inspetores do SEF que se encontram agora nos Postos de Fronteira ali permaneçam após a transição. Enunciando o óbvio, não estamos a assistir a uma efetiva transição de inspetores do SEF para a Polícia Judiciária (PJ). Estamos sim a assistir a uma gigantesca operação cosmética, que se resume a uma troca de comando nas fronteiras, sem qualquer assunção efetiva de competências pelos polícias e guardas da PSP e da GNR, o que para nós é completamente inaceitável. Não corresponde, de todo, ao que ficou plasmado nos diplomas aprovados", refere Rui Paiva, presidente do Sindicato da Carreira de Investigação e Fiscalização (SCIF-SEF), que representa a maioria dos inspetores.
Citaçãocitacao"É, para nós, completamente inaceitável que - seja a que pretexto for - duas forças de Segurança com mais de 20 000 polícias e militares cada uma, se escusem a projetar umas poucas centenas de operacionais para a fronteira, e a cumprir a missão que lhes é agora atribuída, refugiando-se totalmente no efetivo do SEF"
Este dirigente (ver entrevista completa aqui) considera "inadmissível que, com toda a antecedência com que se determinou a passagem de competências de controlo de fronteiras, com todo o tempo que houve para preparar esta transição, chegada a altura da transição, a PSP e GNR não assumam agora, efetiva e significativamente, as competências que a lei lhe passou a atribuir, assumindo-as apenas no papel mas corporizadas por inspetores do SEF. É, para nós, completamente inaceitável que - seja a que pretexto for - duas forças de Segurança com mais de 20 000 polícias e militares cada uma, se escusem a projetar umas poucas centenas de operacionais para a fronteira, e a cumprir a missão que lhes é agora atribuída, refugiando-se totalmente no efetivo do SEF".
"Onde param as centenas de polícias e guardas formados pelo SEF ? Para que foram formados, então?", questiona.
Aponta ao MAI a responsabilidade de "assegurar que as Forças de Segurança sob a sua tutela implementem as decisões políticas do Governo, plasmadas nas Leis e Decretos-Lei da República. Era isso que esperávamos, mas não é claramente isso que está a acontecer. E importa corrigi-lo quanto antes, recuperando o tempo perdido. Alguém falhou, e certamente não terão sido os inspetores do SEF, porque - sabemos agora - vamos continuar a controlar a fronteira com a totalidade do efetivo com que o fazemos agora, enquanto os outros assumem, no essencial, o comando!".
Critica falta de "critério" na forma como os inspetores estão a ser colocados. "Pelo projeto de afetação que vemos agora, nesta impossibilidade entendeu-se manter nos postos de fronteira quem ali se encontrava. Não é isso que diz a lei, mas pela forma como foi preparado o processo também não se vislumbrava como poderia a mesma ser cumprida em tempo útil. Há meses que alertámos quer a tutela, quer as Direções Nacionais da PJ e do SEF, incluindo o Gestor de Fusão, para a necessidade de consultar previamente as pessoas quanto ao que pretendiam. A única entidade que o fez, em tempo, foi a PJ - temos que reconhecê-lo. Mas naturalmente, apenas o poderá aplicar ao pessoal que lá exerça efetivamente funções. Quanto ao resto - PSP, GNR, AIMA, AT, etc. -, os inspetores não foram simplesmente auscultados. Estaremos a cair no ridículo de vir a ter inspetores que pretendessem permanecer nas fronteiras a seguirem obrigados para a PJ e vice-versa. Tudo desnecessário porque houve tempo, mais que tempo, para fazer as coisas de outra maneira. Não conseguimos, de facto, perceber porque se optou por fazer tudo à pressa e em cima da hora", assinala.
Entre as matérias que destaca como "atrasadas", está a "a regulamentação da articulação hierárquica e funcional entre a PSP/GNR e os elementos da PJ que ficarão nos postos de fronteira".
Sublinha que lhes "foi transmitido que esta questão seria alvo de protocolo entre as diferentes entidades". "Mas, a 10 dias úteis da transição, nada sabemos sobre como se vão articular duas carreiras de duas instituições tão diferentes a trabalhar lado-a-lado no mesmo posto de fronteira", frisa.
Outra situação em aberto é a formação do pessoal administrativo da AIMA "para as missões que eram dos inspetores e agora passarão a ser suas - os afastamentos, as contraordenações, o asilo, etc.".
Recorde-se que será a AIMA a entidade que vai fazer toda a instrução destes processos, além da concessão de autorizações de residência, subsistindo ainda dúvidas quanto à sua intervenção em matérias de segurança.
CitaçãocitacaoO governo pretendia que a partir de dia 29 não houvesse polícias a intervir na área da integração dos migrantes, designadamente no asilo, mas não vemos qualquer percurso nesse sentido.
De acordo com Rui Paiva, "todos estes processos formativos ainda estão agora a arrancar. Está tudo inexplicavelmente atrasado. O governo pretendia que a partir de dia 29 não houvesse polícias a intervir na área da integração dos migrantes, designadamente no asilo, mas não vemos qualquer percurso nesse sentido. Se esta separação não se concretizar, é caso para perguntar: qual o propósito de toda esta transição?".
Citaçãocitacao "A maior preocupação é a incógnita sobre a estrutura da AIMA e como funcionará a partir de dia 30. Para ser franco, na nossa área está tudo na mesma.
Do lado dos funcionários administrativos do SEF, que vão integrar a AIMA e o IRN, o sentimento é semelhante. "A maior preocupação é a incógnita sobre a estrutura da AIMA e como funcionará a partir de dia 30. Para ser franco, na nossa área está tudo na mesma. A nossa ansiedade é por novidades quanto ao futuro e aí estamos na mesma. As idas para o IRN estão a ser mais ou menos pacíficas, pois as pessoas já estavam a contar, e portanto a nossa preocupação é o futuro, como vai ser tudo a partir de dia 30", sintetiza Artur Jorge Girão, presidente do Sindicato dos Funcionários do SEF (SINSEF).
O próprio diretor nacional do SEF deixou implícito, numa recente intervenção pública, que esta transição pode não ser logo tão "serena e segura", como o Ministro deseja.
Citaçãocitacao"Sabemos que muitas dúvidas não foram inteiramente desfeitas. Não há que ter medo de errar", afirmou o diretor nacional do SEF, Paulo Batista
"Sabemos que muitas dúvidas não foram inteiramente desfeitas. Não há que ter medo de errar", afirmou Paulo Batista, no passado dia 10, no encerramento de um ciclo de conferências com a GNR e a PSP sobre o tema.
Nesse mesmo encontro, José Luís Carneiro deixou transparecer muito otimismo em relação à fiabilidade do novo sistema. Elogiou o trabalho de Fernando Silva e de Mário Pedro, diretor responsável por acompanhar a transição, pelo "modo como desempenharam historicamente" as suas "funções de grande responsabilidade, mas também o modo como têm cooperado para que esta transição decorra de forma segura, tranquila e serena, permitindo uma transferência de conhecimentos que dê confiança nesta transformação estrutural do nosso sistema de controlo de fronteiras".
DestaquedestaqueO ministro frisou que "ao contrário de leituras apressadas e apriorísticas, a reorganização da missão até agora cometida ao SEF não significa uma atomização e consequente perda de eficácia, mas antes a afirmação do princípio da especialização, crucial no lidar com uma problemática altamente complexa como é a da migração e dos movimentos migratórios."
O ministro frisou que "ao contrário de leituras apressadas e apriorísticas, a reorganização da missão até agora cometida ao SEF não significa uma atomização e consequente perda de eficácia, mas antes a afirmação do princípio da especialização, crucial no lidar com uma problemática altamente complexa como é a da migração e dos movimentos migratórios."
Elencou as razões para esta "confiança" (ver resumo no final do texto) e até anunciou a ativação do "mini-SEF" para esta segunda-feira, o que não vai acontecer. "Temos também de ativar a Unidade de Coordenação de Fronteiras e Estrangeiros (UCFE) no Sistema de Segurança Interna (SSI) que está previsto ser ativada na próxima segunda-feira. O senhor secretário-geral do SSI está empenhado nesse objetivo e sei também que o senhor diretor da Polícia Judiciária está investido nessa cooperação reforçada, para que na segunda-feira possamos ter a unidade em funcionamento", afirmou na altura. Mais tarde, clarificaria ao DN que o tinha afirmado como "objetivo".
DestaquedestaqueNo SSI, por seu lado, a corrida contra o tempo também se instalou. Na passada sexta-feira, ainda não se sabia qual o número exato de inspetores que vão pôr a funcionar a (UCFE), uma espécie de "mini-SEF" com "superpoderes"
No SSI, por seu lado, a corrida contra o tempo também se instalou. Na passada sexta-feira, ainda não se sabia qual o número exato de inspetores que vão pôr a funcionar a (UCFE), uma espécie de "mini-SEF" com "superpoderes", conforme noticiou o DN, que será o "cérebro" da segurança de toda a nova estrutura. "Falta ainda ultimar os quantitativos finais e nominais das pessoas que serão colocadas na UCFE", confirmou ao DN fonte oficial.
O SSI não quis revelar o número de inspetores para a UCFE, mas o DN sabe que a previsão é de entre 70 a 80 com experiência nestas funções no SEF.
Entre outras, "centralizar e recolher informação relativa à entrada, permanência e saída de pessoas do território nacional, ao tráfico de seres humanos, ao auxílio à imigração ilegal e aos demais crimes relacionados com imigração irregular" e "emitir informações ou pareceres em matéria de segurança no âmbito de pedidos de concessão, renovação de documentos, reconhecimento de direitos e atribuição e aquisição da nacionalidade a estrangeiros e de concessão de passaportes".
"Ninguém quer um terceiro adiamento, isso seria politicamente insustentável, mas nos últimos dias é uma palavra que voltou a andar na cabeça de muitos de nós. Uma transformação destas na segurança interna não pode ter falhas e há quem pense que mais vale adiar mais um pouco e garantir que a transição é serena, como deseja o ministro da Administração Interna. A segurança e a garantia de que os imigrantes e refugiados terão melhores serviços é o mais importante.", confessa ao DN um alto quadro que está a acompanhar o processo.
Toda esta reorganização arrasta-se há, pelo menos, três anos, desde dezembro de 2020, nove meses depois da morte do ucraniano Ihor Homeniuk às mãos de inspetores do SEF, quando o ex-ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, confirmou ao parlamento que iriam, em cumprimento do programa do Governo, separar as funções policiais das administrativas.
Apesar de ter depois garantido, em entrevista, que "ninguém falou em extinção do SEF", esta acabou mesmo por ser apresentada no Conselho de Segurança Interna em janeiro de 2021 e aprovada no parlamento em novembro desse ano, tendo sido já adiada duas vezes.
No âmbito deste processo de extinção, as competências policiais do SEF passam para a PJ, GNR e PSP, enquanto as funções administrativas relacionadas com os cidadãos estrangeiros vão para a AIMA e IRN.
Todos os inspetores vão integrar a PJ, mas transitoriamente - num máximo de dois anos - ficam ainda afetados, nas fronteiras, à PSP e GNR, e ao "mini-SEF" do SSI, além de alguns inspetores terem também de ser transferidos para a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), bem como para a nova Agência (onde vão formar os administrativos para, entre outros, tratarem da instrução dos pedidos de asilo que ficam sob a alçada deste organismo).
O gabinete da ministra-Adjunta e dos Assuntos Parlamentares, Ana Catarina Mendes, que tutela a AIMA, não respondeu a nenhuma das questões enviadas pelo DN.
1 - A reestruturação do SEF trará "evidentes ganhos nos campos decisório, organizacional e operacional".
2 - A "nova arquitetura terá maior especialização, mais meios humanos e a centralização das bases de informação no Sistema de Segurança Interna".
3 - "Mais pessoas capacitadas, mais recursos financeiros".
4 - "Um ambicioso plano de formação" para as fronteiras aéreas que, "em 2 anos, garantirá que todos os polícias nos aeroportos portugueses estarão duplamente capacitados como guardas de fronteira e especializados em segurança aeroportuária".
5 - Formação de "mais de 1000 profissionais" da PSP e da GNR em "fraude documental" e "avaliação de risco", de acordo com os "conteúdos da Frontex, a agência de fronteiras europeia.
7 - Um "plano de investimentos" de "10 milhões de euros para reforçar os sistemas de controle de fronteiras", visando "uma mudança de paradigma que tem a ver com os controlos de entradas e saídas do espaço da UE".
8 - Plano de formação dos militares da GNR "na vigilância e controlo de fronteiras marítimas, que aumentará significativamente os recursos afetos a esta componente".
9 - Plano de investimento "em embarcações, no Sistema Integrado de Vigilância, Comando e Controlo (SIVICC), costeiro e marítimo, e outros sistemas de vigilância complementar", em "articulação, sempre, com as autoridades da Defesa Nacional".
*Fonte: intervenção do ministro da Administração Interna no encerramento, dia 10 de outubro, do Ciclo de Conferências "O controlo das fronteiras e da atividade de estrangeiros em Portugal - Transição de competências do SEF para a GNR e a PSP".