Controlo de segurança de vistos reforçado com nova unidade especial

A constatação de que alguns registos criminais apresentados em Portugal por requerentes de visto podem não corresponder à realidade, como será o caso de fugitivos da justiça brasileira, está a ser avaliada pelas autoridades portuguesas. Um núcleo especial que está a ser criado no Sistema de Segurança Interna, cujo parecer será vinculativo para a concessão das autorizações de residência, poderá alargar a sua investigação a novas bases de dados. As autoridades já estão mais atentas e este ano já foram capturados, pelo menos, 14 condenados no Brasil que estavam escondidos no nosso país. Em 2022 tinham sido três.
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As autoridades nacionais garantem que o controlo de segurança para a emissão de vistos de entrada e residência em Portugal vai ficar reforçado com a nova Unidade de Coordenação de Fronteiras e Estrangeiros (UCFE) - uma espécie de "mini-SEF" - que já começou a ser instalado no Sistema de Segurança Interna (SSI).

É aqui que, de acordo com fonte oficial do gabinete do secretário-geral Paulo Vizeu Pinheiro, vai funcionar um núcleo especializado "só para medidas de segurança, para dar resposta, não só à Agência para a Integração Migrações e Asilo (AIMA)", entidade a quem cabe, a partir de dia 29 de outubro - dia da extinção oficial do SEF - emitir as autorizações de residência, "mas também ao Instituto de Registos e Notariado (IRN), no que respeita aos passaportes".

Com o parecer a ser "vinculativo", este "vetting" de segurança dos vistos será feito, numa primeira fase, "pelos inspetores do SEF, que já lidam essa matéria, e mais tarde logo entrarão, de forma gradual, militares da GNR e polícias da PSP".

Vem esta informação na sequência de perguntas colocadas pelo DN relativamente ao alerta dado em dezembro passado, no âmbito de uma investigação académica, que constatava fragilidades nos registos criminais com origem no Brasil, cuja apresentação é obrigatória para os requerentes de visto.

Segundo Robson Souza, que deixou aquele país em 2018, depois de 30 anos como operacional da Polícia Militar, é possível a condenados, fugidos à justiça brasileira, obterem um registo criminal limpo.

Detetou e mostrou na sua tese de Mestrado na Universidade Nova de Lisboa, que era possível a emissão de certidões pela Polícia Federal do seu país que davam como limpo o registo criminal de pessoas que tinham sido condenadas por crimes muito graves. Como o Brasil é constituído por vários Estados autónomos, com várias polícias e sistemas judiciais, nem todos os mandados chegam à Polícia Federal.

Uma situação que quer o SSI, quer o SEF, na altura desconheciam. Assim como desconheciam que a solução para mitigar esse "risco real" de entrada de criminosos que com esses registos escondem o cadastro, como preveniu Robson Souza, seria a consulta de uma base de dados pública, disponível gratuitamente, que tem o registo de todos os condenados no Brasil sobre os quais foi emitido mandando de detenção.

Com uma população prisional na casa dos 832 mil reclusos, aquele país tem ainda registados no "Banco Nacional de Monitoramento de Prisões" (BNMP) do Conselho Nacional de Justiça cerca de 360 mil fugitivos.

Só uma ínfima percentagem destes, aqueles sobre quem os juízes emitiram mandados internacionais de detenção, estão sujeitos aos designados "alertas vermelhos" na Interpol (96 neste momento), praticamente a única fonte para as detenções que têm sido feitas pelo SEF (ver lista no final do texto).

Uma "fonte" que Robson Souza considera incipiente. "Atualmente existem 6935 pessoas na lista vermelha da Interpol de todas as nacionalidades. Somente 96 são cidadãos brasileiros com destino incerto e ignorado. O nome da pessoa na lista vermelha da Interpol é inserido conforme determinação judicial, no caso de risco de fuga por exemplo. Pela quantidade de brasileiros que estão com o nome incluído na base de dados da Interpol e os milhares que estão incluídas no BNMP, o número de cidadãos brasileiros sinalizados com alerta vermelho na Interpol é irrisório", frisa.

Presentemente, a comunidade brasileira é a maior de sempre em Portugal: segundo dados oficiais do SEF, até à passada sexta-feira, 392.757 cidadãos brasileiros tinham autorização de residência em Portugal (no final de 2022 eram 239 744) - um recrudescimento de 63% apenas em oito meses.

Questionado pelo DN sobre o número e motivos de recusas de visto; sobre o número de manifestações de interesse que estão a aguardar validação e agendamento, o SEF não responde.

Refere apenas que "de 1 de janeiro a 31 de agosto deste ano, foram atendidos nos balcões do Serviço mais de 49 mil cidadãos brasileiros e até 31 de março de 2024, estão agendados cerca de 12 mil".

Desde a entrada em vigor do novo programa de vistos automáticos (a apresentação de documentos, incluindo registo criminal, é feita online) para a Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) a tendência de crescimento é grande, com mais de 70% dos pedidos de visto a serem de cidadãos brasileiros.

Quanto ao tipo de consulta se segurança que é feita, também não partilha esta informação. "A propósito das Bases de Dados consultadas, para cumprimento das suas atribuições, o SEF não se pronuncia por se tratar de matéria de segurança interna com caráter reservado", justifica.

É também por isso que, com o SSI assumir as preocupações com o escrutínio de segurança aos requerentes de visto de residência, a consulta à BNMP, que o SEF ainda não utilizava, não está descartada.

"Relativamente à pesquisa no Banco Nacional de Monitoramento de Prisões, são procedimentos que iremos abordar com o futuro coordenador UCFE, principalmente na relação com o Gabinete Nacional Interpol (GNI). Acreditamos que o funcionamento no mesmo espaço dos serviços (UCFE/GNI) vai criar sinergias de trabalho nesta matéria e nas verificações de segurança futuras", salienta fonte autorizada daquele organismo.

Acrescenta ainda que "entre a segunda quinzena de setembro e o final do mês de outubro" se vai proceder "à instalação dos inspetores, técnicos e informáticos do SEF que atualmente trabalham nas matérias que vão transitar para a UCFE, por forma a que o conhecimento, procedimentos e experiência também transite com estes".

Durante esta fase, explica a porta-voz, "será analisada de forma detalhada, com os coordenadores que vão integrar a UCFE e os coordenadores do PUC-CPI, e com as Forças e Serviços de Segurança, AIMA e IRN, como iremos obter a melhor funcionalidade, racionalidade e otimização de processos".

A UCFE, lembra, "irá intervir sempre nas situações em que estiver legalmente prevista a emissão de informações ou pareceres de verificação de segurança, designadamente no âmbito de pedidos de concessão, renovação de documentos, reconhecimento de direitos e atribuição e aquisição da nacionalidade a estrangeiros e de concessão de passaportes, com vista à apreciação de ameaças à segurança interna, ordem ou segurança públicas ou prevenção da imigração ilegal e da criminalidade conexa interna".

Recorde-se que a capacidade do SSI crescerá substancialmente com a transição das importantes bases de dados do SEF (mais de duas dezenas) e reforçam os já instalados Ponto Único de Contacto para a Cooperação Policial Internacional (PUC-CPI), agora a funcionar com a Unidade Nacional Europol e Gabinete Nacional Interpol, juntamente com o Gabinete Nacional SIRENE, Gabinete de Informação de Passageiros, coordenação dos Centros de Cooperação Policial e Aduaneira e Gabinete dos Oficiais de Ligação e Decisões Prüm, o que, descreve a mesma fonte oficial "será certamente potenciado e otimizado nas diversas matérias em que será necessário cruzar informações e medidas de segurança".

A verdade é que desde a publicação do texto do DN, em dezembro passado, de acordo com os comunicados oficiais do SEF e notícias publicadas, este serviço de segurança deteve, pelo menos 14 fugitivos da justiça brasileira (podem ser mais, mas o SEF facultou a soma das detenções de 2022 e 2023, que são 25, em cumprimento de mandados de detenção internacional, não sendo possíve saber quantos foram em cada ano e qual a real evolução).

No total, segundo fonte oficial do SEF, do início de 2022 até ao início deste mês do atual mês de setembro, foram detidos 55 cidadãos de nacionalidade brasileira: além dos 25 com mandado de detenção internacional; outros seis no cumprimento de mandados de deteção europeus e 24 com mandados de detenção nacionais.

Robson Souza não está ainda, no entanto, tranquilo. "Acredito que, apesar das prisões já efetuadas, podem haver inúmeras pessoas vivendo no país há vários anos. Se não houver várias exigências de documentos e certidões de nada consta criminais quando da solicitação de vistos, infelizmente a tendência é aumentar. A grande parte de meus compatriotas buscam uma nova oportunidade de trabalho e qualidade de vida no país. Não se pode abrir as portas a criminosos e foragidos da justiça que venham a colocar em risco a sociedade portuguesa", adverte.

Chama a atenção para os vistos, em vigor desde outubro do ano passado, que permitem a entrada no país para a procura de trabalho (concedidos para um período de 120 dias, podendo ser prorrogável por mais 60 dias), que podem ser solicitados nos consulados e que têm sido dos mais concorridos.

"Seria importante que a empresa que trata do assunto no Brasil" - a VFS Global, uma empresa privada, trata também em Cabo Verde - "comece a solicitar outros registos criminais e cíveis estaduais, federais e do poder judiciário, existentes no Brasil. As certidões são emitidas online e são gratuitas e devem ser autenticadas pelo próprio sistema que as emitiu. Este primeiro "filtro de segurança" deve começar na origem", propõe.

Para estes vistos a validação de segurança era feita pelos oficiais de ligação do SEF para a imigração nas embaixadas dos países da CPLP, que tinham acesso às bases de dados policiais. Com o fim do SEF esta responsabilidade transita para a AIMA que, como entidade administrativa não tem esse poder de aceder a conteúdos de segurança e terá de ser articular também com o "mini-SEF" de Vizeu Pinheiro.

Janeiro

Dia 4 - O SEF deteve na zona de Lisboa, um cidadão estrangeiro, de 28 anos, procurado pela INTERPOL, para cumprimento de uma pena de 20 anos de prisão, pela prática do crime de homicídio agravado, em Recife, no Brasil. Residia em Peniche.

Dia 6 - Em cumprimento de um mandado de detenção internacional , emitido pelas autoridades brasileiras, o SEF deteve um cidadão sul-americano, de 34 anos, sobre o qual pendia a indicação de captura pela Interpol e detenção para efeitos de extradição, pela prática do crime de homicídio consumado com arma de fogo. O crime ocorreu em 2009, em Valadares, no estado de Minas Gerais, quando o homem atingiu a tiro, na via pública, uma mulher, tendo sido sentenciado a 13 anos e 6 meses de prisão.

Dia 24 - O SEF deteve na cidade do Porto, um cidadão estrangeiro, de 31 anos, sob o qual pendia um mandado de detenção emitido pelas autoridades brasileiras e difundido pela INTERPOL. O cidadão, que já se encontrava sob o radar do SEF, foi condenado a seis anos de prisão pela prática de um crime de tentativa de homicídio em Minas Gerais, no Brasil.

Fevereiro

Dia 13- O SEF deteve em Loures um cidadão estrangeiro, de 38 anos, procurado pela INTERPOL e sob o qual pendia um mandado de detenção pelas autoridades brasileiras. Foi condenado no Brasil, Ribeirão Preto, a cinco anos de prisão pela prática do crime de roubo agravado.

Dia 15 - Um cidadão estrangeiro, de 37 anos, procurado pela INTERPOL para cumprimento de uma pena de sete anos de prisão, pela prática do crime de tráfico de estupefacientes, no Brasil, foi detido por uma equipa conjunta do SEF e da PJ.

Dia 16- O SEF deteve, em Ílhavo, em cumprimento a um mandado de detenção internacional, para extradição, emitido pelas autoridades brasileiras, um cidadão estrangeiro, de 43 anos, sobre o qual pendia a indicação de captura pela Interpol e detenção para efeitos de extradição, pela prática do crime de branqueamento de capital proveniente de uma importante organização criminal dedicada ao narcotráfico.

Dia 16- Em Queluz, o SEF deteve um outro cidadão estrangeiro, de 49 anos, procurado pela INTERPOL pela prática do crime de falsificação de documentos no Brasil e que incorre na pena máxima de 6 anos.

Dia 23 - O SEF deteve m cidadão estrangeiro, de 37 anos, sobre o qual pende um mandado de detenção internacional emitido pelas autoridades brasileiras, difundido pela Interpol, com vista à sua captura para efeitos de extradição. O agora detido foi condenado pela justiça brasileira a uma pena de prisão de 8 anos e 7 meses pela prática dos crimes de ofensa à integridade física qualificada e tortura de menor em contexto de relação familiar. Os crimes ocorreram em Belo Horizonte, no Brasil, em 2013, tendo o agora detido agredido com extrema violência e pondo em risco a vida de uma criança em idade pré-escolar, sua enteada, confirmando-se ainda que em várias ocasiões lhe aplicou intencionalmente castigos corporais que lhe causaram diversas lesões.

Março

Dia 7 - O SEF deteve na zona de Lisboa, três cidadãos estrangeiros e uma cidadã portuguesa, procurados pelas autoridades brasileiras pela prática dos crimes de peculato, fraude eletrónica e comercial, lavagem de dinheiro e associação criminosa. Os indivíduos, residentes em Portugal, eram procurados internacionalmente por crimes praticados em 2022. De acordo com a justiça brasileira, terão criado uma empresa com sede no Brasil, e com escritórios em Lisboa, com o intuito de atrair investimentos para falsos negócios na Bolsa de Valores.

Dia 23- Uma equipa do SEF especializada no cumprimento de mandados internacionais de detenção emitidos pela Interpol, prendeu ontem em Lisboa uma brasileira de 52 anos. A mesma, a residir em Portugal há cerca de dois anos, é procurada pela justiça do seu país para cumprir seis anos de prisão devido a um roubo violento cometido em 2013.

Abril

Dia 18- Ficou em prisão preventiva um cidadão estrangeiro, de 31 anos, detido pelo SEF na zona da grande Lisboa, pela prática do crime de tráfico de roubo agravado, em S. Paulo, Brasil, em 2011. O detido era procurado pela INTERPOL para cumprimento de uma pena de seis anos de prisão e considerado perigoso e violento.

Setembro

Dia 7- O SEF deteve um cidadão estrangeiro condenado a 29 anos de prisão pela prática dos crimes de homicídio e de tentativa de homicídio no Brasil. A investigação levada a cabo pelo SEF culminou com a detenção na zona da Grande Lisboa, em cumprimento de um mandado de captura internacional emitido pela INTERPOL.

Fonte: comunicados do SEF e imprensa

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