"Não se pode abrir uma janela de oportunidade para criminosos"

Robson Souza deixou o Brasil em 2018, depois de 30 anos como operacional da Polícia Militar. Diz que a segurança portuguesa é das "melhores do mundo", mas "é sempre preciso aperfeiçoar os sistemas".
Publicado a
Atualizado a

Por que decidiu fazer esta tese de mestrado sobre os fugitivos à Justiça brasileira?

Comecei a interessar-me pelo assunto quando fiz no Brasil uma pós-graduação em Inteligência de Estado e Inteligência de Segurança Pública.

Cruzei dados de foragidos do Banco Nacional de Monitoramento de Prisões (BNMP), que são dados abertos e livres, com as informações do sistema da Polícia Militar, de acesso restrito, e com isso acabei por possibilitar a prisão de 21 foragidos da Justiça nos Estados de Minas Gerais, São Paulo, Goiás e Distrito Federal.

Fui realizando cruzamento de dados dos sistemas e gerando e autenticando os mandados de prisão, que foram encaminhados para as autoridades competentes. Também pesquisei redes sociais.

O procurador do Ministério Público de Minas Gerais, dr. Denílson Feitoza Pacheco, foi meu orientador da monografia e incentivou as pesquisas.

Quando detetou que havia falhas nos registos criminais da Polícia Federal?

Ainda na pós-graduação no Brasil já havia detetado alguns casos de foragidos da Justiça cadastrados no Banco Nacional de Monitoramento de Prisões que conseguiram gerar e autenticar Certidões de nada consta criminal - são o que em Portugal designam de registo criminal sem cadastro - na Polícia Federal.

CitaçãocitacaoA situação era incompatível, deveria ser emitido alerta de impedimento de autenticação da certidão, o que em muitos casos não ocorria.

A situação era incompatível, deveria ser emitido alerta de impedimento de autenticação da certidão, o que em muitos casos não ocorria.

No mestrado analisei dados de todos os fugitivos da Justiça brasileira cadastrados na Interpol e detetei a mesma situação.

No Brasil, a Bacharela em Direito Patrícia Pinto de Souza Naves, especialista em certidões e que havia sido notária, auxiliou-me no mestrado e pesquisou dezenas de fugitivos do banco de foragidos do Programa Procurados do Rio de Janeiro e Procurados da Polícia Civil do Estado de São Paulo.

Constatou-se a mesma situação, foram geradas e autenticadas todas as Certidões de nada consta da Polícia Federal.

Constatámos que possivelmente o sistema de emissão de Nada da Polícia Federal não está sendo atualizado e compartilhado com outros bancos de dados do Brasil.

Fez alguma coisa para alertar as autoridades brasileiras e portuguesas?

A pesquisa tem uma base metodológica e científica com diversas coletas de dados e cruzamento de informações, o que leva tempo. Foi necessário recolher, analisar e concluir.

A dra. Patrícia está escrevendo um artigo no Brasil sobre o tema. Em Portugal a tese ficará sem divulgação durante três anos por conter assuntos sensíveis.

Mas, escrevemos um artigo em conjunto para que chegue ao conhecimento das autoridades portuguesas.

Que riscos resultam desta situação?

A tese é uma proposta de acordo de cooperação Portugal/Brasil para utilização do Banco Nacional de Monitoramento de Prisões no âmbito dos acordos de segurança da Comunidade dos Países da Língua Portuguesa (CPLP).

Propõe-se também um programa de formação do efetivo das forças e serviços de segurança de Portugal pelos servidores do Conselho Nacional de Justiça do Brasil.

CitaçãocitacaoA falta da pesquisa do banco de dados pode facilitar a entrada em território nacional de criminosos e foragidos da Justiça. O risco é real.

A utilização dos dados seria fundamental para o SEF realizar pesquisas de viajantes suspeitos oriundos do Brasil. A falta da pesquisa do banco de dados pode facilitar a entrada em território nacional de criminosos e foragidos da Justiça. O risco é real.

Acredita que podem ter entrado e estejam a viver em Portugal alguns destes fugitivos?

Acredito que sim, a pesquisa demonstrou casos em que já foram presos foragidos da Justiça brasileira em Portugal depois de longas investigações.

O que pode ser indícios de que teriam autorização de residência. Com o novo visto de trabalho a ameaça de entrada [em Portugal] de membros do crime organizado, como o Primeiro Comando da Capital de São Paulo (PCC) e do Comando Vermelho (CV) do Rio de Janeiro é real. Informações inseridas na tese dão conta de que em 2020 havia 83 fações criminosas no Brasil.

CitaçãocitacaoÉ importante prever, antecipar decisões para mitigar essas ameaças com critérios rígidos para a concessão de vistos e trabalho.

É importante prever, antecipar decisões para mitigar essas ameaças com critérios rígidos para a concessão de vistos e trabalho.

O fator segurança em Portugal e a insegurança no Brasil influenciou a sua decisão de emigrar?

A segurança em Portugal é uma das melhores do mundo, mas é sempre preciso aperfeiçoar processos e sistemas. Implementar gestões de segurança de sucesso, como o Banco Nacional de Monitoramento de Prisões do Brasil.

Como fui policial militar, era um profissional acostumado a situações de violência, mas Minas Gerais é considerado um dos Estados da Federação mais seguros. A decisão de emigrar para Portugal é porque gostava do país e já havia visitado em 2013 e 2016.

Qual o balanço que faz agora?

Ressalvo que a segurança em Portugal é muito eficiente. A grande maioria de meus compatriotas são pessoas honestas e que querem uma oportunidade de trabalho em Portugal.

CitaçãocitacaoRessalvo que a segurança em Portugal é muito eficiente. A grande maioria de meus compatriotas são pessoas honestas e que querem uma oportunidade de trabalho em Portugal.

Porém, como investigador especializado no tema, avalio que não se pode abrir uma "janela de oportunidade" para criminosos entrarem no país. É preciso critérios rígidos para a concessão do Visto de trabalho. Com a tese, espero contribuir para o Sistema de Segurança Interna (SSI) e a sociedade portuguesa.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt