Do kimchi ao soju, os sabores coreanos à conquista de Lisboa

Depois da chegada de restaurantes, agora é a vez das lojas de produtos coreanos, para quem quer experimentar, numa versão caseira, esta gastronomia que ganha cada vez mais seguidores.
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Cho Kyusung, o marido, e Ahn Sojung, a mulher, são o casal coreano dono do Woori, um novo supermercado no coração de Lisboa recheado de produtos do país de origem, incluindo os tradicionais kimchi (couve fermentada) e soju (aguardente de arroz). A Sra. Ahn conta que estão há dez anos em Portugal, onde investiram numa pensão destinada aos turistas coreanos, e que tem o nome de Bela Lisboa. "Agora por causa da pandemia, muito má para o turismo, tivemos de parar. E apostámos nesta loja", explica. Apesar de saber um pouco de português, prefere falar em coreano e quem traduz é Taeyoon Kim, uma jovem sobrinha. A explicação do nome Woori demora mais para se encontrar a palavra certa: "Significa "nós". Para os coreanos, "nós" e "nosso" têm muito significado. Por exemplo, os europeus costumam dizer "o meu país"", mas nós coreanos dizemos "o nosso país"."

O casal, que tem duas filhas, é ajudado na loja por Inês Jeong, também coreana, mas muito mais à vontade com o português. É ela quem explica à clientela o que está nas prateleiras, pois muitos moradores da zona (entre o Marquês de Pombal e o Rato) são estrangeiros que viveram na Ásia Oriental mas que conhecem os produtos comuns pelo nome chinês ou japonês. Também há portugueses entre os clientes e, claro, elementos da comunidade coreana, na realidade 100% da Coreia do Sul, pois desde a década de 1990 a Coreia do Norte nem sequer embaixada tem em Lisboa. Aliás, 2021 é o ano da celebração do 60.º aniversário das relações diplomáticas entre Portugal e a República da Coreia, mesmo que os primeiros contactos entre os dois povos datem do século XVI.

Há produtos congelados e também daqueles que basta colocar em água a ferver, os famosos noodles. Há com marisco, também com frango e variantes mais e menos picantes. Para todos os gostos. O conselho dado é ir experimentando, mas mesmo assim pedi à Sra. Ahn que me sugerisse, caso quisesse fazer no próprio dia uma refeição coreana sem grande trabalho, quais os produtos a levar.

DestaquedestaqueHá produtos congelados e dos que basta colocar em água a ferver, os famosos noodles. Há com marisco, com frango, mais ou menos picantes. Para todos os gostos.

Desta vez, quem faz a tradução é Telmo Saraiva, um português casado com uma coreana, amigo do casal que abriu o Woori, e que tem ajudado à criação do novo negócio dos donos da Bela Lisboa. Assim, a título de primeira experiência com os sabores da Coreia, o cliente pode levar massa pré-cozinhada à qual basta juntar água a ferver e depois juntar o molho que vem numa saqueta. Existe uma tentadora versão gourmet spicy da marca Nongshim na loja. A acompanhar pode beber-se soju, mas numa refeição familiar os coreanos ou não bebem ou quando muito preferem chá. O soju é para refeições especiais, explica, quase pensadas para beber. Também não existe a tradição da sobremesa, mas a opção é um chá de mel que fica espesso e serve de doce.

Foi a qualidade do ar e a pacatez do país que fez este casal de coreanos, e os dois filhos, imigrar para Portugal. E sentem-se bem no país. No Woori fazem uma pequena concessão a produtos não coreanos, as cervejas Asahi e Sapporo japonesas, e a umas compotas com o logo verde e vermelho de produto português mas de marca Won. Digo que conheço bem a história do senhor Won, que vive no Caramulo com a mulher portuguesa (mãe das suas duas filhas e um filho) há quase meio século. É o decano da comunidade e já teve direito a uma reportagem no DN há uns anos.

O Woori veio somar-se em Lisboa ao KoPo Mart, um supermercado coreano que fica na Infante Santo. Os donos são um casal que imigrou ao abrigo dos vistos gold há dois anos e que tem uma filha a estudar Gestão no ISCTE. Com ajuda de um elemento da embaixada coreana, o Sr. Choi Sung-jin conta que trabalhou muitos anos para a Daewoo e a Samsung e que "não sabe bem a razão de ter escolhido Portugal para viver a segunda metade da vida". Mas sublinha que ainda jovem ficou "impressionado com o filme Missão, que mostrava missionários portugueses a defender os povos nativos da violência". Também se lembra bem da seleção portuguesa no Mundial de futebol de 2002, que perdeu o jogo com a Coreia do Sul (a equipa coreana acabou então por ser semifinalista e hoje é o português Paulo Bento o treinador).

O Sr. Choi confessa que tem de se adaptar a muitas diferenças e que nestes dois anos de Portugal nem tudo tem sido fácil, mas que sempre quis viver no estrangeiro. Este investimento no KoPo, que no fundo junta Ko de Korea em inglês com Po de Portugal, tem levado a maior interação com os portugueses, se bem que conta muito com uma funcionária coreana que fala bem a língua. Os portugueses deverão ser mais de metade dos clientes, acrescenta, mas também há coreanos, como a Sra. Sejin Cho, casada com um português e a viver em Lisboa há três anos, que veio abastecer-se de produtos de que gosta muito. "Tornei-me cliente habitual", diz.

O Sr. Choi chama a atenção para os preços acessíveis dos produtos. Os noodles custam à volta de dois euros e é imensa a variedade. Mas há muito mais para descobrir. "Temos dumplings, kimchi, tteokbokki, tteokguk, ramen, snacks coreanos, soju", e também cerveja Kass.

A Península Coreana, dividida desde o final da Segunda Guerra Mundial, surge muitas vezes nas notícias por causa da tensão entre o sul e o norte, ditadura comunista que possui armas nucleares. Mas a Coreia do Sul, além de uma sólida democracia, é uma potência económica e cada vez mais também uma potência cultural, não só pela sua história como também por produtos modernos com o K-pop e as telenovelas. E é preciso não esquecer o sucesso de Parasitas, que ganhou o Óscar para o melhor filme.

Um dos pontos fortes da Coreia é a gastronomia, com bibimbap (prato colorido que junta arroz branco, carne e vegetais) e bulgogi (carne marinada em soja) a serem talvez os maiores símbolos, a par do muito saudável kimchi. Visitei duas vezes a Coreia em reportagem e uma em férias familiares e fiquei muito satisfeito quando abriram em Lisboa os restaurantes K-bob e Grill de Korea. No Porto também há dois: o Siktak e o Ondo. Experimentei todos e passei a recomendar. E sei que também abriu em Lisboa uma doçaria coreana, a Seoul Dessert, que se inspira no nome da capital, cidade cheia de arranha-céus, mas também de palácios, de templos budistas e de igrejas (o país tem grande número de cristãos, apesar de nunca ter sido colonizado pelos europeus).

Tanto o Woori como o KoPo, que estão a funcionar durante a pandemia, dão agora aos portugueses a hipótese de por poucos euros experimentarem os sabores coreanos. Por coincidência, tinha em casa uma embalagem de NongShim shin Black Noodle Soup, que me ofereceu há uns meses a embaixada quando fui jurado de um concurso gastronómico. Em véspera de escrever este artigo preparei e provei aquele que o The New York Times garante, "segundo chefs, autores de livros de gastronomia e fanáticos de ramen, serem os melhores noodles instantâneos". Demorou cinco minutos a preparar, com os noodles postos em água a ferver e depois o conteúdo de três saquetas. Delicioso, e um pouco picante. Há quem suspeite de que o picante na comida coreana, sobretudo a pasta de malagueta vermelha também usada no kimchi, começou quando os portugueses se instalaram como comerciantes no Oriente.

Morada: Rua Artilharia 1, n.º 20A, Lisboa
Telefone 936 979 980
Abertura:
Fevereiro de 2021
Donos: Cho Kyusung e Ahn Sojung

Morada: Av. Infante Santo, n.º 58, Lisboa
Telefone 21 805 68 71
Abertura:
Dezembro de 2020
Donos: Choi Sung-jin e Kim Haesung

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