Deriva centrista do PS é uma falsa questão
O Bloco de Esquerda fala numa deriva centrista do PS, mas só quem conheça mal este partido, nomeadamente desde a sua fundação, poderá fazer tal juízo de valor. Muito provavelmente, o BE é traído pela juventude dos seus quadros principais - refiro-me, por exemplo, a Catarina Martins, Pedro Filipe Soares e Marisa Matias - que só vêem o que o PS é agora, abstraindo a parte histórica do partido da rosa.
Mário Soares, principal fundador do PS - não esquecer Ramos da Costa e Tito de Morais - definia os socialistas como populares, sociais-democratas e europeístas, o que não renegava a condição indesmentível de partido da esquerda moderna." Ser de esquerda não é entoar loas à classe operária", dizia Soares, que foi o socialista precursor da economia de mercado.
De Guterres não falarei, pois foi contra ele que nasceu o Bloco de Louçã e esse PS os dirigentes bloquistas conhecem-no bem. Acusar agora António Costa de deriva centrista, quando o novo arco da governação foi da sua autoria, quando o principal parceiro actual do PS é o PCP, que viabilizou o Orçamento, quando Costa defendeu sempre a convergência à esquerda, sem vacilar uma única vez sequer, é quase uma injúria, que me perdoem os bloquistas.
Aliás, quando o PSD vai cada vez mais para a direita, o PS tem toda a vantagem em ser de esquerda moderada, radical nunca o foi, para melhor preencher o espaço genuinamente social-democrata, que o PSD abandonou com o acordo com o Chega. Não creio, sinceramente, que para o Bloco a única esquerda que exista seja a radical, que pode captar votos. Redondamente enganados se assim o pensam.
António Costa tem sempre o cuidado de dizer que o PS actual é também o de Mário Soares, mais uma forte razão para a acusação de desvio centrista que lhe fazem não ter o mínimo fundamento, sendo bastante incompreensível. O líder do PS, honra lhe seja, não vende gato por lebre.
Conheço o PS, desde a sua fundação em 1973, na Alemanha. Garante da liberdade e da democracia, pelas quais sempre lutou, foi sempre igual a si próprio, fiel aos seus valores e princípios, sem derivas ou desvios, como preferirem. O PS é a fronteira da liberdade, dizia Soares com orgulho. Costa fala ainda nele, muitas vezes. Foi Soares que o projectou na liderança do PS, ao preterir Seguro. A enorme visão política do fundador do partido revelava-se, mais uma vez, quiçá até a última mais importante, em toda a sua dimensão. Soares deixou o PS em boas mãos.
O socialista Pedro Marques, em recente artigo no DN, abordando este tema do posicionamento ideológico do PS, recorda que diziam que Soares tinha posto o socialismo na gaveta, o que prova que, a haver deriva, digo eu, como o BE pretende fazer crer, ela começou logo no início do partido. Mas que estranha e bizarra deriva que vem desde a nascença! Como é grande a infantilidade política de alguns dirigentes do BE...