"Decisiva" repressão do movimento de Tiananmen foi "apagada" da memória coletiva na China
Volvidos 33 anos, a sangrenta repressão do movimento de Tiananmen é vista por gerações anteriores como decisiva na formação da China atual, mas foi apagada pelo regime chinês, com sucesso, da memória coletiva dos jovens de hoje.
"Descobri então que povo não era uma palavra vazia de significado", repetida até à exaustão pela propaganda do regime, lembrou, num ensaio, o escritor chinês Yu Hua, que tem duas obras publicadas em Portugal.
"Em Pequim, andava-se de metro ou autocarro sem pagar. As pessoas sorriam umas para as outras. Vendedores ambulantes ofereciam refrescos aos manifestantes; aposentados doavam parte das suas magras economias aos grevistas. Numa demonstração de apoio, os carteiristas abstinham-se de roubar", descreveu.
Iniciado por estudantes da Universidade de Pequim, o movimento pró-democracia alastrou-se a toda a sociedade chinesa e, em meados de maio, o Governo decretou a lei marcial em Pequim.
Inspirada pelos acontecimentos na capital, que lhe chegavam via BCC, através de um rádio de ondas curtas, a romancista Zhang Lijia organizou um protesto com cerca de 300 operários na fábrica de produção de mísseis onde trabalhava, em Nanjing, na costa leste da China.
"Sob o olhar dos líderes da fábrica, os operários desfilaram, como se caminhassem para uma batalha. Na frente, erguendo uma bandeira vermelha, tive uma sensação de libertação nunca experimentada antes", descreveu à agência Lusa a escritora, agora radicada em Londres.
O movimento da Praça Tiananmen foi esmagado na noite de 03 para 04 de junho de 1989, quando os tanques do exército foram enviados para pôr fim a sete semanas de protestos.
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O número exato de pessoas mortas continua a ser segredo de Estado, mas as "Mães de Tiananmen", associação não-governamental constituída por mulheres que perderam os filhos naquela altura, já identificaram mais de 200.
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Natural de Pequim e fluente em inglês, o chinês Jiahao nasceu precisamente em 1989, mas foi só quase três décadas depois, quando estudava nos Estados Unidos, que descobriu o que se passou.
"Só então entendi porque punham os meus colegas uma expressão que era um misto de curiosidade e cautela, quando me perguntavam o que eu achava do 4 de junho", lembrou à Lusa.
Jiahao teve que pesquisar no Google - motor de busca bloqueado na China -, para saber do que se tratava, ilustrando o sucesso do Governo chinês em censurar qualquer informação relativa ao episódio.
"A China tem sido notavelmente bem-sucedida em eliminar a memória" sobre a repressão de há 33 anos, disse Louisa Lim, investigadora que escreveu um livro sobre o movimento, à Lusa.
A autora do "The People's Republic of Amnesia: Tiananmen Revisited", publicado em 2014, diz mesmo ter ficado "chocada com o nível de ignorância sobre as mortes dos estudantes chineses em 1989".
A censura, o sucesso económico das últimas décadas, e a educação "patriótica", promovida após o massacre, serviram para desviar a atenção das novas gerações chinesas para as preocupações económicas, em detrimento das políticas.
Muitos jovens chineses têm outras prioridades, "mais tangíveis", como "encontrar emprego ou comprar uma casa", contou Lim.
A China é hoje a segunda maior economia do mundo e principal potência comercial do planeta, tendo-se convertido num poder capaz de disputar a liderança global com os EUA.
Chen Xi, 28 anos e gestor de compras num hospital de Pequim, diz que Tiananmen "pertence à geração dos seus pais."
"A política não me interessa muito", aponta.
Desde os acontecimentos de 1989, um contrato social implícito foi selado entre o Partido Comunista e o povo chinês: o partido mantém uma autoridade indisputada e os privilégios da elite dominante e, em troca, assegura o crescimento económico, melhoria dos padrões de vida e elevação do estatuto global do país.
"Os protestos pró-democracia da Praça Tiananmen foram uma libertação única das paixões políticas do povo chinês", descreveu Yu Hua. Essas paixões foram "depois substituídas pela devoção ao dinheiro", resumiu.