"Comparável a Hiroxima". Funcionários do porto de Beirute em prisão domiciliária

Carga explosiva chegou ao Líbano a bordo de um navio russo que teve problemas no mar. Hospitais estão em colapso, com pelo menos dois destruídos. Libaneses descrevem estes dias como o "Armagedão".
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Quase 140 mortos - número que continua a subir - mais de cinco mil feridos e cerca de 300 mil desalojados. Este é, para já, o saldo das duas explosões que atingiram na terça-feira a capital do Líbano. O governador da cidade disse que o nível de destruição é comparável ao causado pelas bombas atómicas lançadas em Hiroxima e Nagasáqui durante a Segunda Guerra Mundial.

Após a tragédia, vários funcionários do porto de Beirute receberam voz de prisão e estão em prisão domiciliária, segundo os media internacionais. Saberiam da existência de milhares de toneladas de explosivos de nitrato de amónio armazenados no porto durante seis anos sem que nunca tivesse sido adotadas medidas de segurança. O resultado foi um desastre humano e económico que o presidente libanês já lamentou, alertando para o mais do que provável aumento do número de vítimas mortais.

"É hora de chorar os nossos mártires, feridos e desaparecidos", disse Michel Aoun à agência nacional de notícias do país.

Aoun disse também que os funcionários do porto de Beirute enfrentarão a "a punição mais severa" caso sejam considerados responsáveis pela tragédia.

Os registos indicam que um navio de carga russo teve problemas em alto mar e que foi resgatado para o porto libanês em 2013. Abandonada a embarcação, a sua carga - que se veio a revelar mortal para mais de uma centena de libaneses - foi transferida para um armazém portuário da cidade libanesa.

Carga explosiva tinha como destino Moçambique?

Com base nos cadastros dos navios e nos calendários portuários, a Associated Press informou que o navio russo que transportava nitrato de amónio tinha como destino Moçambique, tendo atracado no porto da capital do Líbano, Beirute.

"Normalmente, antes de receber um navio, nós somos notificados. Neste caso, nunca recebemos nenhuma notificação de um navio que vinha ao porto da Beira com essas características e carga", disse à Lusa António Libombo, diretor-executivo adjunto da Cornelder, concessionária do Porto da Beira desde 1998.

Um artigo escrito em outubro 2015 na publicação especializada em navegação shiparrested.com também indicava que o navio tinha como destino o porto da Beira, mas terá atracado no porto de Beirute devido a problemas mecânicos, tendo a carga sido confiscada e armazenada por vários anos na capital libanesa.

A Lusa contactou também o Ministério dos Transportes e Comunicações moçambicano, que disse igualmente não ter sido informado sobre um navio com estas características naquele ano.

Destruição comparada à das bombas atómicas

O governador de Beirute, Marwan Abboud, comparou a destruição deixada pelas explosões à que destruiu Hiroxima e Nagasáqui depois de terem sido lançadas as bombas atómicas durante a Segunda Guerra Mundial.

"Nunca na minha vida vi uma destruição de tamanha magnitude", disse Abboud aos jornalistas libaneses.

A tragédia não é apenas humana - a explosão arrasou o porto e destruiu os silos de grãos, num país que já enfrentava um colapso económico muito antes do incidente.

O primeiro chefe de Estado estrangeiro a visitar o Líbano foi o presidente francês, que se deslocou ao país nesta quinta-feira. Emmanuel Macron visitou o local da explosão que os libaneses têm descrito como "Apocalipse" e "Armagedão" e afirmou a vontade de coordenar uma ajuda internacional.

"Nunca vi nada como isto. Nem na Guerra Civil", diz médico

Os hospitais de Beirute estão também em colapso com o número de feridos, e o cirurgião Antoine Qurban, que sofreu ferimentos na cabeça em resultado das explosões, disse à AFP que teve a impressão de estar a reviver as cenas apocalípticas dos seus anos a trabalhar no Afeganistão. O sexagenário tomava café com um amigo quando foi lançado a 20 metros de distância pela onda de choque causada pelas duas explosões.

"Vi feridos ensanguentados na beira de estradas e caídos no chão, no pátio do hospital. Um médico coseu a minha ferida comigo sentado na rua, e depois de horas de espera", contou.

"Lembrei-me do que vira durante as missões humanitárias em que participei no Afeganistão", descreveu o médico.

O hospital Hôtel-Dieu recebeu durante a noite 300 feridos e 13 mortos, segundo o diretor clínico da unidade hospitalar, George Dabar. "

"Durante a guerra civil, fiz aqui a minha residência. Nunca vi cenas como as de ontem", contou à AFP o médico. "É difícil dizer a um pai que tenta salvar a filha que ela já morreu", acrescentou.

"As equipas médicas estão esgotadas com tudo o que tem acontecido no país e ainda com o coronavírus. Mas face à crise de ontem, a solidariedade tem sido excecional", disse Dabar.

Localizado próximo ao porto, o Hospital das irmãs do Rosário está atualmente encerrado, depois de ter ficado destruído pelas explosões, assim como o hospital Saint-George.O prédio, de vários andares, é agora apenas uma estrutura de cimento vazia, com tetos destruídos, descreve a AFP.

Por todo o lado, vidros partidos e escombros. As portas dos elevadores estão retorcidas. Quatro enfermeiras morreram no local. Até ao amanhecer, vários funcionários trabalharam para transferir os pacientes, entre eles 20 doentes infetados com covid-19. Esta quinta-feira, os últimos instrumentos e equipamentos médicos foram removidos dos escombros.

"Não há nada mais difícil do que esvaziar um hospital cheio de pacientes quando, ao mesmo tempo, chegam feridos", disse à AFP o diretor Eid Azar. "Somos um hospital ferido", frisou.

"Fundo de Emergência Beirute 2020". Diáspora libanesa vai ajudar.

Os expatriados do Líbano, que quase triplicam a população do pequeno país de 5 milhões de habitantes, também já se mobilizaram para colaborar na reconstrução da cidade e no apoio às vítimas, à semelhança da comunidade internacional.

A maioria vive nos EUA e na América Latina, e foram dos primeiros a enviar dinheiro para os familiares que perderam as suas casas ou que ficaram feridos após as explosões.

"Fiquei ao telefone com os nossos sócios a manhã inteira para formar uma aliança que vai criar um fundo de emergência", revelou George Akiki, fundador e CEO da LebNet, uma organização sem fins lucrativos localizada em Silicon Valley, na Califórnia, e que ajuda profissionais libaneses nos EUA e no Canadá.

Akiki disse que o seu grupo, em conjunto com outras organizações como a SEAL e a Life Lebanon, criaram o "Fundo de Emergência Beirute 2020", que irá angariar dinheiro para depois o canalizar para organizações de confiança no Líbano.

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