Como é que os sete países com mais de 200 milhões de habitantes lidaram com a covid-19?

Estratégias por detrás dos números de infetados e mortes nos países mais populosos revelam eficácia do confinamento e situação descontrolada a quem abdicou dele, como os EUA e o Brasil. China, Indonésia, Paquistão e Nigéria com situação controlada, tendo em conta o número de habitantes. Índia a crescer e com 27 mil casos num dia só, mas com baixa mortalidade.
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Como os sete países com mais de 200 milhões de habitantes lidaram com o covid-19? Os sete juntos têm quase metade do número total de infetados (5, 2 milhões dos 11 milhões mundiais) e quase metade das mortes do mundo por covid-19 (211 em 522 mil). Apesar dos olhos do Mundo estarem postos no drama pandémico dos EUA e do Brasil, há países com muitos mais habitantes e muito menos casos, como a China e a Índia (está a crescer). Ou ainda a Indonésia, o Paquistão e a Nigéria.

As estratégias diferem de país para país, mas há um denominador comum. Quem apostou no confinamento e impôs restrições rígidas no início da crise sanitária tem agora melhores resultados, ou seja, menos casos. Quem optou por desvalorizar está agora na liderança no mapa covid-19: EUA e Brasil.

China: 1, 4 bilhões de pessoas, 83 mil casos e 4600 mortes

Uma em cada sete pessoas no Mundo é chinesa. Com 1, 4 mil milhões de habitantes e uma a população está cada vez mais velha e vulnerável fruto da proibição e ter mais do que um filho, a China reportou o primeiro caso de coronavírus a 31 de dezembro de 2019, em Wuhan, na província de Hubei. No primeiro dia do novo ano foi encerrado o mercado, suspeito de estar na origem da contaminação. A 4 de janeiro eram já 44 os casos de doentes com uma pneumonia de origem desconhecida, que fez a primeira morte cinco dias depois.

Os casos continuaram a aumentar e o mundo assistência à distância e sem saber que daria origem a uma pandemia global. Só a 20 de janeiro, a Comissão Nacional de Saúde da China confirmou que o novo coronavírus podia ser transmitido entre seres humanos e colocou a cidade de Wuhan de quarentena. O confinamento estendeu-se depois aos 60 milhões de habitantes da província de Hubei.

Construíram-se hospitais de raiz para doentes covid-19, apostou-se na despistagem e distanciamento social. Qualquer pessoa suspeita de estar contaminada pelo coronavírus ficava imediatamente impedida de voltar para casa ou ir para o emprego. A quarentena realizava-se em zonas de isolamento criadas em ginásios, estádios, hotéis e outros espaços amplos.

Durante quase dois meses a curva ascendente da China dominava os noticiários do Mundo. Os números que antes pareciam gigantes passaram depois a ser irrisórios se comparados com outros países. Desde 11 de março que os números de novas infeções e de mortes permanecem abaixo dos 21 diários, de acordo com as estatísticas oficiais. A 12 de março, o governo chinês declarou que o pico das transmissões tinha terminado no país. Nas últimas 24 horas as autoridades chinesas reportaram apenas 3 casos novos, num total de 83 537 desde dezembro de 2019. O rácio de mortalidade é de três por milhão de habitantes, num total de 4634 óbitos.

Apesar das medidas drásticas de Pequim o vírus já tinha embarcado para a Europa.

Índia: 1, 3 bilhões de habitantes, 627 mil casos e 18 mil mortes

A Índia não para de crescer demograficamente. Segundo um relatório das Nações Unidas de 2019, o país onde as vacas são sagradas vai passar a China como país com mais habitantes no mundo em 2027. Para já são 1, 3 mil milhões de habitantes e pouco mais de 600 mil infetados oficiais. Com o primeiro caso reportado em janeiro, em abril a imprensa mundial questionava o segredo para tão poucos casos (cerca de 32 mil) e mortes (1000). Ou seja 0, 76 por milhão de habitantes. Nessa altura os EUA e o Brasil estavam com uma média de 1, 75 mortes por milhão de habitantes.

As medidas impostas por Narendra Modi, pareciam funcionar, apesar de especialistas externos temerem 150 milhões de infetados até junho. A 11 de março, o governo suspendeu todos os vistos de turista e anunciou que todos os viajantes que tivessem estado nas áreas mais afetadas do mundo nas últimas semanas ficariam em quarentena por pelo menos 14 dias. A partir de 22 de março, todos os voos comerciais internacionais foram proibidos de desembarcar na Índia e os comboios de passageiros foram proibidos de circular. Dois dias depois, Modi impôs quarentenas faseadas e por zonas, a primeira a 24 de março por três semanas e quando o país tinha reportado apenas 519 casos em 625 mil testes, segundo o Ministério da Saúde da Índia. Muitos fizeram-se à estrada, dando origem a um êxodo das cidades para as aldeias natal.

Há quem desconfie dos números. Enquanto apenas 3% dos infetados na Índia morria, em Itália a mortalidade era de 13%. Apenas duas mortes nas concentradas favelas de Mumbai é um cenário irrealista para os especialistas em saúde pública.

O clima mais quente do que na China, a população jovem (44% tem 24 anos ou menos) e o facto de muitos indianos viveram longe das famílias e não terem contacto social pode ter sido o segredo dos poucos casos, que foram naturalmente crescendo. A Índia é hoje o quarto país do mundo com mais casos (627 168), mas continua a registar poucos óbitos (18 225), se comparado com os EUA e Brasil, com 13 mortes por milhão de habitantes. Nas últimas 24 horas a situação piorou bastante, tendo reportado mais de 300 mortes e 27 mil novos casos.

EUA: 329 milhões de habitantes, 2, 8 milhões de infetados e 131 mil mortes

Com 329 milhões de pessoas, os EUA são já o país com mais infetados no mundo: mais de 2, 8 milhões de habitantes infetados e cerca de 131 mil mortes. Por ordem de Trump, o país deixou de divulgar os números da pandemia, mas, de acordo com o balanço da Universidade Johns Hopkins, só nas últimas 24 horas registaram-se 613 (quase menos 400 do que na véspera) e 48 734 novos casos.

Um dia depois de confirmarem seu primeiro caso de coronavírus, a 22 de janeiro, o presidente dos EUA Donald Trump, garantiu, no Fórum Económico de Davos, que a situação estava sob controle:"É só uma pessoa que veio da China e temos tudo sob controle. Tudo ficará bem." Os dias passaram e, apesar das queixas de inação por especialistas e críticos do governo, Trump insistiu que "o vírus chinês desapareceria" como se fosse um milagre em alguns dias. Um mês e meio depois, a maior economia do mundo tornou-se no novo epicentro mundial da pandemia de covid-19. A Casa Branca estima agora que o vírus poderá tirar a vida a 200 mil cidadãos.

No fim de janeiro, Trump incumbiu o vice-presidente Mike Pence de liderar uma task force para combater a epidemia e a 2 de fevereiro decretou a proibição de entrada nos Estados Unidos de estrangeiros que tinham visitado a China nos 14 dias anteriores. Esta decisão, segundo o presidente americano, permitiu salvar inúmeras vidas, mas para os especialistas em saúde pública, como Jeremy Youde, reitor da Universidade de Minnesota, "demorou muito tempo para as autoridades perceberem que esse era um problema sério". Em março as trocas comerciais com a Europa foram suspensas. Agora são os EUA que estão na lista negra da União Europeia, que proibiu os norte-americanos de entrar na Europa.

O país ficou sob estado de emergência a 13 de março, dividiu-se entre confinamento e restrições à medida das políticas de cada estado, com republicanos e democratas a esgrimir argumentos. Houve manifestações contra a quarentena. Centrado no impacto económico, Trump minimizou o risco de coronavírus no país desde início da pandemia. E enquanto a Organização Mundial de Saúde recomendava o uso de máscara, ele desafiava a nova ordem mundial e aparecia em público sem proteção facial. Isto ao mesmo tempo que abria guerra à OMS e de chegar ao ponto de cortar o financiamento à entidade.

Além de não usar máscara limitou a testagem, o que levou a um contágio incontrolável. O atraso na resposta ao combate do vírus levou alguns estados a tomar as rédeas da situação. Uns declararam estado de emergência e confinamento, outros não. Embora o país tenha agências nacionais, como o Centro de Controlo e Prevenção de Doenças, cada estado, tem sua própria infraestrutura de saúde pública e definiu regras próprias. A Califórnia foi um dos que adotou medidas, como distanciamento social e encerramento de comércio não essencial ainda em março. Tal como Nova Iorque, que foi a área mais atingida durante meses, com cerca de 80 mil casos, e foi obrigada a recorrer a hospitais de campanha, um deles montado no Central Park.

Agora, cinco meses depois é a Florida e o Kansas que preocupam mais. E o presidente já admite que o vírus "é o pior que o país já viu" e talvez por isso mesmo tenha adquirido quase todo o stock do único medicamento existente contra a covid-19.

Indonésia: 270, 6 milhões de habitantes, 59 394 infetados e 2987 mortes

O maior país muçulmano do mundo decretou o estado de emergência no dia 31 de março, quando registava pouco mais de 1500 casos de contágios e 136 mortes. O presidente da Indonésia, Joko Widodo ordenou o confinamento, mas deixou as grandes cidades, como a capital, Jacarta, que tem 30 milhões de habitantes, e onde já tinham sido detetados vários casos, de fora.

O líder indonésio terá descartado impor o confinamento porque sabia que seria difícil de cumprir, já que dezenas de milhões de indonésios vivem com o que ganham a cada dia, em empregos não registados. Apesar disso alguma localidades optaram pelo auto isolamento. "Para superar o impacto da covid-19, escolhemos a opção de um distanciamento social em grande escala", explicou o presidente, recomendando que que a população evitasse aglomerações e tivesse boa higiene. Surpreendente foi a medida encontrada para afastar as pessoas da rua. O governo recorreu a fantasmas. Segundo a Reuters, voluntários vestidos de branco dos pés à cabeça a vaguear e patrulhar as ruas, de forma a inibir os moradores a sair de casa. A tática funcionou em alguns locais.

No início de maio, a Indonésia registava menos de 12 mil casos de covid-19 (e 865 mortes), mas o número subiu exponencialmente, principalmente em Jacarta, a ilha de Java e as ilhas Molucas depois das celebrações do Eid al-Fitr. Com pouca testagem - apenas alguns milhares segundo a imprensa local - os números da Indonésia podem ser superiores aos conhecidos: 59 394 infetados e 2987 mortes em 270, 6 milhões de habitantes...

Paquistão: 216, 5 milhões de habitantes, 217 809 infetados e 4473 mortes

No Paquistão o primeiro caso foi reportado a 26 de fevereiro e desde então não para de crescer. Depois de ultrapassar os 15 mil casos e as 300 mortes, o Governo criou o Centro Nacional de Comando e Operações, em Islamabade, para travar o contágio e controlar a evolução epidemológica. Para impedir que o vírus se disseminasse pelo território paquistanês, o governo decretou uma quarentena no final de março (foi até ao dia 30 e abril), fechou as estradas que ligam o país ao Irão, que já registava muitos mais casos, e os voos para a China também foram suspensos.

O primeiro-ministro, Imran Khan, apostou ainda na testagem de 20 mil paquistaneses por dia. Com o Ramadão à porta, o clero do Paquistão exigiu ao governo que mantivesse as mesquitas abertas. E assim foi. Os principais líderes religiosos do país limitaram-se a aconselhar os idosos a evitar ir às mesquitas e pedir aos imãs que fizessem sermões breves. Isto, embora o governo tivesse imposto 20 regras, entre elas, que os fiéis mantivessem entre si uma distância de um metro e meio, levassem os próprios tapetes de oração e fizessem as abluções - lavagem do corpo - em casa. Apenas a província de Sindh (sul) emitiu ordens para cancelar as orações de sexta-feira.

A curva epidemiológica ainda está ascendente no Paquistão, com mais de quatro mil casos diários e mais de 70 mortes por dia, mas o cenário geral não é catastrófico. Com 217 809 infetados e 4473 mortes, o país das grandes montanhas regista 20 mortes por cada milhão de habitantes.

Brasil: 221 milhões de habitantes, 1, 4 milhões de infetados e 61 mil mortes

O Brasil é o 6º país com mais pessoas (211 milhões) e o segundo a nível mundial no mapa do covid-19. O país reclama o título de único país com mais de 200 milhões de habitantes que tem um sistema público de saúde, um direito consagrado na Constituição e na lei 8.080, de 1990, mas nem isso lhe tem valido na luta contra a pandemia. A "gripezinha" ou "resfreadinho" como lhe chamou o presidente Jair Bolsonaro já roubou a vida a 61 884 brasileiros (291 por cada milhão de habitantes), num total de 1, 4 milhões de infetados, segundo dados do Worldometers.

A exemplo dos EUA, também o governo brasileiro decidiu não revelar os dados da pandemia. E tal como Trump, também Bolsonaro abdicou da máscara (até ser obrigado a usar por um tribunal) e do confinamento em prol da economia. Qual imitador de cinema, o líder brasileiro repercutiu as ideias e lutas de Trump, nomeadamente no ataque à OMS e manifestando-se contra as medidas de isolamento e distanciamento social, defendidas, inclusive, pelo seu ministro da Saúde. Chegou mesmo a atribuir a culpa do medo que se fazia sentir no país aos meios de comunicação por propagarem o "pavor" e a "histeria" entre o povo brasileiro. As ruas de São Paulo e Rio de Janeiro, os dois principais focos de contágio, receberam manifestações a favor e contra a quarentena. Até houve "panelaço".

A inação de Jair Bolsonaro no combate à propagação levou a um aumento da mortalidade e à demissão de dois ministros da saúde. Depois de o país atingir 36 mil novos casos num só dia, o presidente foi questionado sobre a estratégia sanitária e respondeu dizendo que não era "coveiro", mas são as valas comuns e as centenas de sepulturas que chocam o mundo.

Nigéria: 200, 9 milhões de habitantes, 26 mil infetados e 603 mortes

Não há outro país africano com mais habitantes do que a Nigéria. São 200, 9 milhões de pessoas. Entre o primeiro caso de coronavírus (28 de fevereiro) e a primeira morte (23 de março) o país suspendeu todos os voos internacionais, fechou escolas serviços não essenciais, limitou as reuniões públicas a 50 pessoas em vários estados do país e introduziu medidas de distanciamento social e de higiene, nomeadamente o uso de máscaras de proteção.

No final de março e com apenas 100 casos registados no país, o presidente nigeriano Muhammadu Buhari, ordenou o confinamento total das populações da capital federal Abuja e de Lagos, com 20 milhões de habitantes, por 14 dias. Com um país particularmente vulnerável a pandemias - foi identificado um surto de ébola em Lagos ao mesmo tempo -, com densidades populacionais entre as mais altas do mundo, milhões de pessoas deslocadas por conflitos, especialmente no norte do país, centenas de tribos e um sistema de saúde extremamente precário, temia-se o pior.

Em maio os casos quadruplicaram, mas no início de julho o cenário é risonho quando comparado com África o Sul e Egito. Os dois países africanos mais fustigados pela pandemia têm menos população juntos do que a Nigéria e quase nove vezes mais casos (mais 200 mil casos e mais 5000 mortes).

Nas últimas 24 horas as autoridades não reportaram morte alguma, sendo que o país totaliza apenas 603 mortes (3 por cada milhão de habitantes) e pouco mais de 26 mil infetados até esta quinta-feira (ainda não há números das últimas 24 horas). Mas nem tudo corre bem. Os profissionais de saúde ameaçaram fazer greve durante a pandemia por considerarem que houve "uma série de falhas do Estado", incluindo o fornecimento de equipamento de proteção, e exige subsídios de risco para quem trabalha com doentes com covid-19.

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